Beto O'Rourke: a estrela de que os democratas precisam vem do Texas
Na sua busca por alguém que lhes levante a moral e que os ponha no bom caminho para a vitória nas eleições de Novembro, o Partido Democrata teve um guia improvável: os republicanos do Texas.
Foi o Partido Republicano do Texas que identificou uma estrela de rock democrata numa fotografia desbotada dos anos 1990. Um vestido largo às flores (ou talvez uma túnica cumprida), com um decote largo, cobre a sua magra figura. Tem risco ao meio, e o resto do cabelo desaparece atrás da cabeça, no que parece ser um rabo-de-cavalo meio solto. O queixo quadrado acentua o rosto longo e angular.
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Foi o Partido Republicano do Texas que identificou uma estrela de rock democrata numa fotografia desbotada dos anos 1990. Um vestido largo às flores (ou talvez uma túnica cumprida), com um decote largo, cobre a sua magra figura. Tem risco ao meio, e o resto do cabelo desaparece atrás da cabeça, no que parece ser um rabo-de-cavalo meio solto. O queixo quadrado acentua o rosto longo e angular.
O homem que se vê na fotografia a preto e branco é Beto O’Rourke, quando andava na universidade (“Beto” é diminutivo de Robert). Era baixista, e viajou pelos Estados Unidos e Canadá no início dos anos 1990 com a sua banda de punk rock Foss, que quer dizer cascata em islandês e norueguês.
A fotografia poderia ter ficado a ganhar pó num canto obscuro da história do rock se não fosse pela tentativa dos republicanos do Texas de usar as redes sociais para mostrar os esqueletos no armário de O’Rourke. O nativo de El Paso arrumou o seu baixo e é agora um democrata eleito já três vezes para o Congresso que irá enfrentar o senador Ted Cruz nas eleições de Novembro. A campanha deixa-lhe tempo para ocasionais interlúdios musicais, como a actuação a 4 de Julho com Willie Nelson.
A namorar com ele
A manobra dos republicanos teve o seu senão. As provas publicadas no Twitter, em vez de incriminarem O’Rourke, tornaram-no absolutamente sedutor para alguns. Transformou-o num símbolo da ligação entre a música e a política, presente em tudo desde hinos patrióticos até baladas antiguerra e hip-hop.
O lado mais excêntrico do candidato apelou em especial atraente aos que mais se opõem ao Presidente Donald Trump e os seus aliados, incluindo Cruz. Lauren Duca da Teen Vogue observou: “Agora estamos todos a namorar com o Beto.”
O’Rourke, de 45 anos, é uma estrela democrata em ascensão. A revista Town & Country chamou-lhe “Kennedyiano”. O democrata do Texas captou a atenção de celebridades com bolsos fundos. “Será Beto O’Rourke a resposta tipo Obama da esquerda a Donald Trump em 2020?” perguntou a Vanity Fair, citando um jornalista texano.
O vídeo e o hino
A sua popularidade no palco nacional foi cimentada por um vídeo que se tornou viral de um comício na semana passada em Houston, em que O’Rourke defendeu os jogadores de futebol americano que se ajoelham durante o hino nacional, para protestar contra a violência policial. O discurso eloquente e a facilidade em relembrar a história dos direitos civis recordaram a oratória do democrata que estava longe de ser o favorito, mas prometia mudança e deu esperança aos americanos há dez anos.
A questão do hino tornou-se uma linha de fronteira no que será uma corrida dura. Uma sondagem da Emerson College mostrou esta semana que Cruz, um candidato republicano às eleições presidenciais em 2016, que pretende alcançar um segundo mandato no Senado, está à frente de O’Rourke por um único ponto.
Cruz, de 47 anos, fez da NFL – um dos temas preferidos do Presidente Donald Trump – um foco da sua ofensiva contra O’Rourke, que tenta ser o primeiro democrata a ser eleito para um cargo federal pelo Texas desde 1994.
Face à recusa do congressista em fazer um debate com Cruz na sexta-feira em Dallas, o Partido Republicano utilizou o Twitter para fazer uma série de ataques em forma de teorias sobre por que motivo “Beto tem evitado debates com o senador Ted Cruz.”
“Desculpem, tenho de andar de skate no debate de sexta-feira”, podia ler-se no texto a branco sobreposto numa imagem de O’Rourke a segurar num skate. “Acabei de receber esta prancha brutal. Espero que os eleitores não se importem.”
No início do mês, O’Rourke andou de skate no parque de estacionamento de um Whataburger, uma cadeia de fast-food de em San Antonio, numa prancha emprestada por um apoiante. Depois de horas na campanha eleitoral, O’Rourke disse na altura a um jornalista do Dallas Morning News: “Precisas de tipo, um momento.” Disse que a prancha o acalmava.
O congressista parecia à vontade sob rodas, flectindo os joelhos e abrindo os braços como asas enquanto fazia um barulho. Quando deu a um transeunte um “dá cá mais cinco”, desequilibrou-se um pouco. Não tentou fazer truques.
O cadastro
O Partido Republicano do Texas tinha mais explicações para a sua ausência. “Há sempre a hipótese de que O’Rourke não possa aparecer no debate porque se meteu numa situação complicada.” O tweet incluía uma foto antiga, tirada numa esquadra.
O’Rourke já tinha admitido que foi detido duas vezes nos anos 1990: em 1995 por invadir propriedade privada quando tentou subir uma vedação na Universidade do Texas em El Paso e em 1998, quando se enfaixou pelo meio de um camião ao conduzir alcoolizado. Ambas as acusações foram retiradas.
Os incidentes vieram à baila. O’Rourke disse ao El Paso Times em 2005, quando se candidatou para a câmara municipal, que “já tinha pago por isso… assumindo a responsabilidade.”
Ted Cruz é mais country
O’Rourke não foi o único político que enveredou pela música. Martin O’Malley, o ex-governador do Maryland, voltou para a sua banda O’Malley’s March, depois da sua candidatura às presidenciais de 2016. Mike Huckabee, ex-governador do Arkansas, fez uma digressão com a sua banda Capitol Offense durante a campanha presidencial em 2008. Alguns, como O’Rourke, deixaram as bandas quando eram jovens. John F. Kerry actuou com The Electras quando estava na escola preparatória em New Hampshire.
A Foss é descrita pela revista de música Spin como uma “banda texana quase desconhecida do pós-hardcore.” A editora Roll Call classifica o grupo como um "veterano da invasão emo-progressiva dos anos 1990.” O seu baterista, Cedric Bixler-Zavala, teve mais fama musical que o baixista da banda. Bixler-Zavala era o vocalista e letrista da banda The Mars Volta que ganhou um Grammy e tem sido o único membro permanente da At the Drive-In. Ambas são bandas de culto. Os colegas da banda eram amigos da escola, contou O’Rourke.
Os serviços de streaming não têm músicas dos Foss, mas há vídeos no Youtube de concertos. A imagem difundida pelos republicanos do Texas foi retirada do álbum de 1993 The El Paso Pussycats.
“Eu não era assim tão bom”, disse O’Rourke ao Washington Post no ano passado, dizendo que sentia pressão por parte do pai para seguir em frente. Fez Inglês na Universidade de Columbia, em Nova Iorque. “Ele não o diz, mas a ideia é: nós não contraímos empréstimos para poderes ir para Columbia e no fim tocares numa banda de punk o resto da vida.”
Já Ted Cruz disse que os seus gostos musicais foram mudando com o tempo. Chegou à idade adulta a gostar de rock clássico mas afastou-se do género. “Não gostei da maneira como a música rock reagiu ao 11 de Setembro…”, explica. Diz que, em contraste, gostou “da forma como a música country reagiu, colectivamente”.
“Identifiquei-me e foi mesmo de forma profunda, tive uma reacção emocional que me disse que estas eram as minhas pessoas”, disse Cruz à CBS News em 2015.
Ted como Adão
O senador do Texas escolheu outras formas de se aproximar dos eleitores. Cita regularmente filmes e programas de televisão. Também experimentou alguns desportos. Ao fazer campanha no Indiana em 2016, comparou a sua candidatura à equipa de basquetebol desfavorecida do filme Momentos Decisivos. Porém, fez levantar sobrolhos quando chamou ao cesto “anel”. Tentou recuperar em campo alguma da sua credibilidade este Verão, ao desafiar o apresentador Jimmy Kimmel para um jogo solidário. Cruz ganhou 11-9, se bem que nenhum dos dois fez particularmente boa figura.
Apoiantes de O’Rourke responderam às bocas do Partido Republicano no Texas ao desenterrar antigas filmagens de Cruz em dificuldades no campo de basquete. Outros afirmaram que as imagens de O’Rourke eram muito mais lisonjeadoras do que fotos comparáveis do passado de Cruz.
De acordo com o Daily Dot, uma empresa de media de Austin, a imagem de Cruz com a cara pintada de branco veio de um anuário da escola secundária, e registava uma actuação em que se interpretava a história da criação do mundo segundo a Bíblia. Cruz fazia de Adão numa adaptação para o teatro do livro do Génesis.
O site criou um catálogo com as reacções positivas às imagens partilhadas pelo partido, argumentando que a estratégia do partido falhara. A Vice disse que as “provas humilhantes” mostraram apenas que o país “pode estar interessado em namorar com Beto O’Rourke”. A revista GQ salientou que o único “escândalo” descoberto pelos republicanos foi que “Beto O’Rourke tem amigos e é fixe.”
O Partido Republicano teimou com o assunto, dizendo que se alguém fica bem nas fotografias é insignificante para a política no Texas.
“Baseados nas reacções aos nossos tweets podemos confirmar que de facto Beto vai ter 100% dos votos dos colaboradores do Buzzfeed, liberais de fora do estado e pessoas que usam a palavra “radical”. Sentimo-nos muito ameaçados”, escreveu o partido republicano do Texas no Twitter.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução de Ana Silva