Temos de falar sobre Ozark
Série regressa esta sexta-feira para uma segunda temporada no Netflix, com nomeações para os Emmys mas sem um consenso. Sucedâneo de Breaking Bad ou um bom derivado do pesadelo da classe média? Jason Bateman e Julia Garner tentam responder ao PÚBLICO.
No Verão passado, Ozark tornava-se uma das séries mais discutidas, mas também num dos títulos que mais dividiu a crítica e os espectadores. O thriller Netflix não se conseguia livrar da temível comparação com Breaking Bad — embora, como disse agora aos jornalistas a sua estrela Jason Bateman, haja “piores séries com as quais ser comparado” — nem dos extremos da adulação de uns e das facadas de outros. Ozark regressa esta sexta-feira, com Bateman como chefe de família que se tornou mau e com a sua estrela-revelação Julia Garner como alternativa aos “difficult men”, ou anti-heróis do mundo pós-Sopranos: a anti-heroína.
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No Verão passado, Ozark tornava-se uma das séries mais discutidas, mas também num dos títulos que mais dividiu a crítica e os espectadores. O thriller Netflix não se conseguia livrar da temível comparação com Breaking Bad — embora, como disse agora aos jornalistas a sua estrela Jason Bateman, haja “piores séries com as quais ser comparado” — nem dos extremos da adulação de uns e das facadas de outros. Ozark regressa esta sexta-feira, com Bateman como chefe de família que se tornou mau e com a sua estrela-revelação Julia Garner como alternativa aos “difficult men”, ou anti-heróis do mundo pós-Sopranos: a anti-heroína.
O lago das montanhas Ozark é o cenário para mais uma história de “peixe fora de água” que põe o contabilista Marty Byrde e a sua família imperfeita — o miúdo que tortura um animal, a mãe adúltera que é Laura Linney — na rota da lavagem de dinheiro oriundo do negócio da droga. Ele já o fazia em Chicago, cidade espelhada, fria e obcecada com o novo carro ou o status em geral, mas um revés do destino pô-lo em rota de colisão com um barão da droga e, inesperadamente, com o mundo dos “hillbillies”, dos campónios que afinal são uma América mais desafiante.
“Uma das questões centrais que Bill Dubuque explora [nesta série que criou] é a ideia de que alguém que vem da cidade grande chega a uma parte rural do país e pensa que fará o que quer dela”, responde Jason Bateman ao PÚBLICO sobre o retrato da vida americana em Ozark, a série que terá sido a mais vista do Netflix no Verão de 2017, segundo a Parrot Analytics. “Uma grande subestimação da família Byrde, ao chegar de Chicago, é pensar que vai safar-se ali. Mas rapidamente se apercebe de quão sagazes são os locais. Estão a aprender essa lição: o único inimigo não é o cartel, os locais são adversários muito válidos e a personagem de Ruth Langmore é um grande exemplo disso.”
Ruth é filha de um criminoso que tanto lidera quanto luta por se afirmar como jovem de 19 anos numa família marginal. Julia Garner é a actriz que lhe dá vida para amar e odiar. Também está ao telefone com o PÚBLICO e outros jornalistas de várias nacionalidades, estremunhada em Los Angeles. Não se lhe extraem grandes palavras além de dizer que acha “que todos, à sua maneira, estão em busca da sua identidade” em Ozark. Ela é comandada pelo dilema entre ser fiel à sua “natureza ou à sua educação”, enleada tanto na vida familiar só aparentemente normal e suburbana dos Byrde e nos seus crimes subterrâneos como também tendo como plano usar Marty e vingar-se dele. Está, diz, a “tentar encontrar a sua identidade”.
Ozark está nomeada pela actuação de Bateman, mas também pela sua realização (dirigiu quatro dos dez episódios da primeira temporada), mas os Emmys ignoraram a sua candidatura a Melhor Série Dramática. É uma aposta forte do Netflix nas “séries-prestígio”, com Bateman, Linney e um orçamento visivelmente chorudo, sendo também um sucedâneo de títulos emblemáticos como Os Sopranos, Mad Men ou, mais ainda, Breaking Bad, guiada pela ideia do “homem comum [que] envereda por vida de crime”. As perguntas sobre a já icónica série com Bryan Cranston surgem de vários países. Bateman responde seca, mas pacientemente.
“Como espectador, quando vejo algo, o meu instinto é tentar identificar, qualificar e etiquetá-lo como algo que me é familiar, uma base a partir da qual possa decidir se é ou não previsível. [Graças a] essa receita do anti-herói, compreendo a comparação com Breaking Bad, mas é uma fórmula que é usada há muito, muito tempo”, diz, defendendo que “para além dessa estrutura narrativa central há muitas coisas” que os diferenciam de Breaking Bad. “Espero que o público sinta o mesmo.”
Que diferenças tentou trazer para Marty Byrde, quando já há Tony Soprano, Walter White e todo um elenco de The Wire, que ficaram conhecidos como os “difficult men”, no Olimpo televisivo recente? Anti-heróis que amamos, pessoas que não são televisão a preto e branco. “O anti-herói é algo a que os argumentistas recorrem muito para colocar ao centro uma personagem que seja o mais próxima possível da pessoa que está sentada no cinema ou na sala a ver a história. Procura-se um ponto de relação nessa pessoa ou pessoas, como um proxy [um representante], para que se possam imaginar naquela situação”, responde ao PÚBLICO. “É isso que a família Byrde e o Marty representam — são o homem comum, normal e mediano. E o que isso nos permite fazer é tornar as histórias, o ambiente e a estética muito atípicos, extraordinários, inquietantes e seguramente desconfortáveis. A combinação disso, espera-se, torna a experiência apelativa para o público.”
A segunda temporada chega com os mesmos dez episódios de uma hora e, sem spoilers, “começa na mesma noite em que os deixámos no primeiro ano. A família tem de lavar 50 milhões de dólares em vez de oito milhões, portanto se pensavam que depois disso podiam voltar a Chicago e às suas vidas normais...”, diz Jason Bateman. Sobre a sua personagem, recorda: “Ele não está interessado na segunda temporada, ou na quarta temporada, ele só quer acabar isto. Esse é o fardo da equipa de guionistas, oferecer-lhe obstáculos que resistem ao escrutínio arrogante, quando as coisas continuam a ir por um mau caminho, ‘porque é que não podes simplesmente ir à polícia?’.”
“Pesadelo da classe média com o volume no máximo”, descrevia o New York Times no ano passado com uma crítica a avaliar medianamente a série, Ozark é “entediante” para a Vox, ou um veículo com “vestígios ocasionais de uma série que tenta mais do que ser os Melhores Êxitos da Peak TV tocados por uma boa banda de covers”, como reduz o crítico Alan Sepinwall. Ou será, como escreveu a CNN, “um admirável retorno do investimento” do espectador numa série “inteligente, bem-feita e [que] diz algo”, como viu nela a Variety? Derivado morno ou saboroso sucedâneo, a resposta estará no número de espectadores que regressarão este Verão ao lago dos Byrde e dos Langmore.