Abolir a mudança da hora vai prejudicar a saúde?
Se Portugal escolher manter o horário de Verão vamos ter crianças a entrar de noite na escola, avisam os especialistas, que lembram a (má) experiência nos anos 90.
“Não se esqueça, este domingo muda a hora”. Duas vezes por ano recebemos a mesma notícia, em Outubro para atrasar uma hora nos nossos relógios e em Março para adiantar. A discussão que agora se instalou entre os países-membros da União Europeia poderá vir a dispensar estes velhos e oportunos avisos, mas já levantou vários novos alertas. À maioria dos europeus que votaram contra a mudança de hora no inquérito mais participado de sempre, alguns especialistas respondem com avisos para eventuais efeitos negativos de ficarmos sempre com o horário de Verão. E se ficássemos sempre com o horário de Inverno?
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“Não se esqueça, este domingo muda a hora”. Duas vezes por ano recebemos a mesma notícia, em Outubro para atrasar uma hora nos nossos relógios e em Março para adiantar. A discussão que agora se instalou entre os países-membros da União Europeia poderá vir a dispensar estes velhos e oportunos avisos, mas já levantou vários novos alertas. À maioria dos europeus que votaram contra a mudança de hora no inquérito mais participado de sempre, alguns especialistas respondem com avisos para eventuais efeitos negativos de ficarmos sempre com o horário de Verão. E se ficássemos sempre com o horário de Inverno?
Joaquim Moita, que dirige o Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e preside à Associação Portuguesa do Sono, assume-se “contra a corrente” e avisa que o fim da mudança para a hora de Inverno poderá ter um efeito “nefasto, sobretudo nas crianças e jovens”.
“A luz do Sol é fundamental para nos acordar e para activar o nosso cérebro. Se não nos adaptarmos ao Inverno com uma mudança de hora, as crianças vão entrar na escola de noite, vão dormir para a sala de aula”, antecipa, sublinhando que este cenário também iria prejudicar os adolescentes e os adultos.
“Aliás, o que actualmente se discute entre os especialistas, e suportado em vários estudos científicos, são as vantagens de as crianças começarem as aulas mais tarde, para dormirem mais”, diz ainda Joaquim Moita, abordando a necessidade de “uma verdadeira mudança na sociedade”.
Os portugueses “já dormem muito pouco, levantam-se cedo e deitam-se tarde”, refere ainda o especialista, insistindo que o Inverno exige a adaptação que temos feito até agora e que, pelo menos, não agrava esse problema.
Uma história com mais de um século
Andamos a dar voltas para a frente e para trás aos relógios há mais de um século (com algumas excepções no calendário, sobre as quais já falaremos). A mudança de hora começou em 1916, com o adiantamento de uma hora no Verão, confirmada pelos sinos nas torres das igrejas e em nome de um maior aproveitamento da luz solar. Agora, os telemóveis (até os relógios de pulso se tornaram quase um adereço de luxo) fazem a correcção da hora sozinhos.
Esta medida de tempo não foi constante, houve interrupções. Durante 1922, 1923, 1925, 1930 e 1933, o país manteve a hora de Verão durante todo o ano, lembra o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), a entidade responsável pela hora legal em Portugal. E até houve anos em que Portugal mudava a hora em Setembro, quando noutros países a mudança ocorria apenas um mês depois, em Outubro, como agora.
Durante o Verão, Portugal está desfasado da hora solar 1h37 minutos e, com o acerto dos relógios no último domingo de Outubro, a diferença passa a ser de apenas 37 minutos. Mas, antes de nos rendermos a esta prática de mudar a hora de Verão para a hora de Inverno, entre 1992 e 1996 Portugal adoptou a mesma hora de Bruxelas, que tinha um desfasamento em relação ao tempo solar de cerca de duas horas e meia. No calendário político, estávamos no governo do então primeiro-ministro Cavaco Silva e a decisão foi justificada com o facto de “facilitar as comunicações, os negócios e os transportes internacionais”.
Sobre essa altura em que muitos acordavam de noite ainda, circula por estes dias um artigo do OAL publicado em Março de 2006 pelo investigador Pedro Afonso que destaca a perturbação na época. “Provocava perturbações nos hábitos de sono, favorecia o consumo de medicamentos soporíferos e estimulantes, acarretava dificuldades de concentração nas aulas, e induzia alterações nos ritmos circulatórios”, lê-se no artigo. E sobre o ambiente, acrescenta-se ainda: “A sobreposição da hora de ponta da tarde com períodos de temperaturas elevadas, durante a Primavera e o Verão, resultava num impacto ambiental negativo.”
Assim, em 1996, António Guterres devolveu os velhos horários aos portugueses e agora parece que nos podem trocar as voltas do relógio outra vez. A consulta pública que foi promovida na União Europeia chama-se “Move Summertime” e quis perceber se os europeus eram favoráveis ou não à mudança de hora. Para já, com os resultados provisórios sabemos que são contra e sabemos que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, prometeu respeitar esta posição pública, dando a liberdade aos Estados-membros para escolher o horário que querem manter.
No questionário perguntava-se especificamente se “a mudança fosse abolida, qual a opção que preferiam manter”. As respostas possíveis eram: o horário de Inverno, o de Verão ou não sei/não tenho opinião. O resultado? Não sabemos ainda. “Infelizmente, ainda não temos esses dados. Serão publicados como parte do relatório final de consulta que deverá ser apresentado nas próximas semanas”, respondeu ao PÚBLICO Alexis Perier, do gabinete de imprensa da Comissão Europeia. Apesar desta resposta oficial, há alguns meios de comunicação, como o El País que referem (sem citar a fonte) que “a maioria dos inquiridos optou por escolher o horário de Verão. E apenas os eleitores de quatro países: Finlândia, Holanda, Dinamarca e República Checa foram favoráveis a manter o horário de Inverno permanentemente.
Se tiver mesmo de escolher, Ricardo Cardoso Reis, do grupo de comunicação de ciência do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço, coloca-se do lado da minoria. “A manter-se a hora (e que fique bem claro, sou contra o fim da mudança), a lógica seria manter a hora o mais próximo possível da verdadeira hora solar, ou seja, manter o horário de Inverno, não o de Verão. Não faz sentido no nosso país, onde a maioria das pessoas entra ao trabalho entre as oito e as nove da manhã, passarmos três a quatro meses do ano a entrar ao trabalho ainda de noite.”
A polémica promete continuar. Joaquim Moita conclui que este tema merece uma atenção especial dos especialistas e vai adiantando que a mudança de horário será debatida no próximo simpósio organizado pela Associação Portuguesa do Sono, em Coimbra no dia 20 de Outubro. O encontro realiza-se uma semana antes da mudança para a hora de Inverno. Será, portanto, uma discussão na hora certa.