Supremo Tribunal de Justiça à procura de novo presidente
Eleição será em Setembro e conta para já com três candidatos. Dois deles dirigiram a Polícia Judiciária e outro foi vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura
No próximo mês de Setembro deverá ficar a saber-se se Joana Marques Vidal será reconduzida como procuradora-geral da República ou se será substituída no cargo. Mas se o tema tem sido noticiado em abundância, o mesmo não sucede com a sucessão na presidência do Supremo Tribunal de Justiça. O presidente deste tribunal, que nos últimos cinco anos foi dirigido por um juiz que primou pela discrição, Henriques Gaspar, é a quarta figura da hierarquia do Estado, ao lado do presidente do Constitucional e logo a seguir ao Presidente da República, ao presidente do Parlamento e ao primeiro-ministro, enquanto o procurador-geral da República é a décima.
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No próximo mês de Setembro deverá ficar a saber-se se Joana Marques Vidal será reconduzida como procuradora-geral da República ou se será substituída no cargo. Mas se o tema tem sido noticiado em abundância, o mesmo não sucede com a sucessão na presidência do Supremo Tribunal de Justiça. O presidente deste tribunal, que nos últimos cinco anos foi dirigido por um juiz que primou pela discrição, Henriques Gaspar, é a quarta figura da hierarquia do Estado, ao lado do presidente do Constitucional e logo a seguir ao Presidente da República, ao presidente do Parlamento e ao primeiro-ministro, enquanto o procurador-geral da República é a décima.
São três os candidatos que se perfilam para ocupar o lugar durante os próximos cinco anos, período pelo qual vigora o mandato. E dois deles já estiveram à frente da Polícia Judiciária.
Com 66 anos de idade, Pinto Hespanhol já é, desde Janeiro, vice-presidente do Supremo, tendo feito a maior parte da sua carreira como magistrado do Ministério Público, e não como juiz. Característica que, de resto, é comum a Henriques Gaspar, que rompeu com a tradição de o cargo ser ocupado apenas por magistrados judiciais. Mas nem em tudo se assemelha ao actual detentor do cargo: o hoje juiz conselheiro Pinto Hespanhol não hesita em empregar termos que nalguns círculos do sector são quase tabu, como morosidade judicial, para defender que o problema da lentidão da justiça pode ser ultrapassado. Ou pelo menos atenuado. Como? Uma das soluções que preconizou num artigo que escreveu em 2013 para a revista da especialidade Julgar, estava a troika ainda em Portugal, passava por transformar o Tribunal Constitucional numa secção do Supremo Tribunal de Justiça, por forma a encurtar prazos. Que não é possível acelerar com a actual arquitectura do sistema. “A lentidão é um dos factores da crescente diminuição da confiança dos cidadãos nos valores do Estado de Direito e tem originado múltiplas condenações do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, dizia no mesmo artigo.
Director-Adjunto da Polícia Judiciária entre 1983 e 1989, Pinto Hespanhol dirigiu anos mais tarde, em 2001, a investigação à tragédia de Entre-os-Rios, quando o desabamento de uma ponte provocou a morte a 59 pessoas. Os técnicos levados a julgamento por responsabilidades na conservação da ponte foram todos absolvidos.
Santos Cabral, de 68 anos, será o mais conhecido dos três candidatos: depois de ter sido director nacional da Polícia Judiciária entre 2004 e 2006 foi forçado a sair pelo ministro Alberto Costa, numa altura em que era investigado o caso Freeport, no qual o então primeiro-ministro José Sócrates figurava como suspeito. Não teve dúvidas: era por causa desta investigação que via a casa que dirigia ser asfixiada com falta de meios. A Operação Furacão dava também os primeiros passos.
Havia de voltar a cruzar-se com o líder socialista mais recentemente, quando o antigo governante foi preso no âmbito da Operação Marquês e lhe calhou ter de decidir sobre um habeas corpus a pedir a sua libertação. Negou-lha. Presidente do coro dos Antigos Orfeonistas da Universidade de Coimbra, ainda hoje ali canta – de canções de Zeca Afonso a árias de Carmina Burana. Um dos seus primeiros casos foi o do padre que tentou assassinar João Paulo II no início dos anos 80, em Fátima. Preocupa-o a falta de especialização dos juízes para lidar com a criminalidade mais complexa, nomeadamente a económico-financeira.
Esta é também uma preocupação do juiz Joaquim Piçarra, de 67 anos e presidente do Tribunal da Relação de Coimbra entre 2006 e 2011. Homem do direito civil, por ele têm passado no Supremo litígios relacionados com a propriedade intelectual e a concorrência, mas nem sempre foi assim: ainda tinha poucos anos de profissão quando lhe caiu nos braços o caso do massacre da praia do Osso da Baleia, o homem que matou sete pessoas de uma só vez, incluindo a mulher e a filha. O réu acabou condenado à pena máxima, apesar de haver eminentes especialistas a argumentar em tribunal que era inimputável.
Mais recentemente Joaquim Piçarra não hesitou em lançar fortes suspeitas sobre o processo de escolha dos juízes que iriam presidir às novas comarcas judiciais de todo o país. Foi em 2014 e a atitude valeu-lhe algumas críticas, numa altura em que era vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura.
A Associação Sindical dos Juízes Portuguesas não apoia nenhum dos candidatos, mas tem uma opinião sobre o perfil desejável: quer alguém mais interventivo no que à discussão pública sobre a justiça diz respeito. E como o presidente do Supremo dirige, por inerência do cargo, o Conselho Superior da Magistratura espera que este órgão de disciplina mude de rumo em certas questões. O líder do sindicato dos juízes, Manuel Ramos Soares, queixa-se de que o conselho tem vindo a atropelar os direitos dos profissionais a que superintende e fala mesmo numa “cultura de subalternização dos juízes”.
A eleição ainda não tem data marcada, podendo surgir entretanto novos juízes na corrida. Ou até desistir aqueles que já são dados como certos. Os cerca de 60 de juízes que compõem o quadro do Supremo têm direito a voto. Manuel Ramos Soares acha pouco: “É uma eleição que dá pouca legitimidade. Todos os juízes deviam poder votar”.