Festa do Livro. O passado é um país estrangeiro no Palácio de Belém
Na terceira edição da Festa do Livro promovida pelo actual Presidente da República, que começa esta quinta-feira, há coisas que mudam e outras que não. Os livros são todos de autores portugueses, como é seu apanágio, mas os debates, os filmes e os concertos são outros todos os anos.
Se a Festa do Livro do Palácio de Belém tivesse um tema, este ano poderia dizer-se que seria um regresso ao passado. Não uma viagem saudosista, mas como se o passado fosse um país estrangeiro – o tema do primeiro debate ao fim da tarde de sexta-feira, no Jardim da Cascata, onde se concentram os 78 expositores deste ano.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Se a Festa do Livro do Palácio de Belém tivesse um tema, este ano poderia dizer-se que seria um regresso ao passado. Não uma viagem saudosista, mas como se o passado fosse um país estrangeiro – o tema do primeiro debate ao fim da tarde de sexta-feira, no Jardim da Cascata, onde se concentram os 78 expositores deste ano.
É de um certo passado que falam os dois filmes escolhidos para serem exibidos no Pátio dos Bichos, nas noites de quinta e sexta-feira (22 horas), as primeiras da terceira edição desta festa anual que Marcelo Rebelo de Sousa promove na Presidência da República desde que tomou posse. São dois filmes recentes, muito pouco vistos pelo público: The Dockworker's Dream (O sonho do estivador), de Bill Morrison, que teve estreia mundial no festival Curtas de Vila do Conde em 2015, e Fantasia Lusitana, de João Canijo, filme de abertura do IndieLisboa em 2010.
“O que liga estes dois filmes, um estrangeiro e outro português, é terem imagens de arquivo de Portugal das décadas 40 e 50 que vêm da Cinemateca Portuguesa e que raramente foram vistas. Nunca é de mais refrescar a memória desse tempo”, diz ao PÚBLICO Helena Nogueira Pinto, assessora cultural da Presidência.
Ao longo de 18 minutos, The Dockworker's Dream leva-nos numa viagem reflexiva a preto e branco, onde se vai rio abaixo, ao porto, à fábrica, cidades e pessoas, a um casamento e a uma caçada, sempre ao som de The Hustle, dos Lambchop. Uma curta alternativa que o realizador apresentou como metáfora do seu processo criativo: “Como pesquisador de filmes e editor, eu procuro material de filme oculto. No filme, há a viagem, a expedição e a caça: Nós caçamos estes filmes raros para os trazer de volta, para que eles possam viver por mais tempo, na tela".
Tudo pela nação são as primeiras palavras que se ouvem em Fantasia Lusitana, um documentário de 67 minutos que contrapõe as imagens triunfalistas do Portugal paradisíaco representado pela Exposição do Mundo Português de 1940 e outras figuras de propaganda do regime com imagens e testemunhos de alguns dos milhares de refugiados da II Guerra Mundial que passaram por Portugal: Alfred Döblin (o autor de "Berlin Alexanderplatz"), Erika Mann (filha de Thomas Mann) e Antoine de Saint-Exupéry (autor do "Principezinho”). Nas palavras de João Canijo, que estará presente nesta exibição, o documentário retrata "os dois níveis de realidade em Portugal, o mundo em guerra e a fantasia do país neutral, o mito criado por Salazar".
O passado é um país estrangeiro? Sobre isso reflectirão os escritores Hélia Correia e Mário Cláudio, no primeiro dos Debates da Cascata (sexta-feira, 18h). Dulce Maria Cardoso, Filipa Melo e Valério Romão são os escritores convidados para falarem sobre “Histórias extraordinárias” no sábado. A política chega no domingo, pela mão de Paulo Rangel, Rui Ramos e Rui Tavares, convidados por Pedro Mexia a responderem à pergunta “A Europa é nossa?”. Um tema para reflexão a cerca de nove meses das eleições europeias, que contará certamente com a presença do chefe de Estado.
Ao longo dos três dias e meio da festa, Marcelo andará por ali sempre que puder e quiser, e decerto não vai querer perder as sessões de cinema e os concertos de Camané (sábado, 22h) e António Zambujo e Miguel Araújo (domingo, 21h). Sobretudo para estes, Helena Nogueira Pinto alerta para a necessidade de chegar cedo: “Estamos na residência oficial do Presidente da República, não pode haver qualquer facilitismo. Todas as pessoas têm de passar pelo detector de metais e quando a capacidade do espaço estiver lotada ao nível da segurança, temos de fechar as portas”. Nas edições anteriores, entraram entre cinco e oito mil pessoas por dia no Palácio. As portas abrem às 11h da manhã e fecham às 23h de quinta, sexta e sábado e às 21h no domingo, hora a que começa o concerto de encerramento.
Nesta terceira edição da Festa do Livro há 78 expositores (todos sócios da APEL), no total 47 editoras portuguesas (mais uma, o Museu da Presidência) e que mantêm a especificidade desta feita do livro, a única do país exclusivamente com autores de língua portuguesa.
Novidade são as exibições de ginástica acrobática nas tardes de sábado e domingo, a cargo do centenário Lisboa Ginásio Clube, bem como a abertura do portão de acesso ao Jardim Botânico Tropical, vizinho do Palácio de Belém (até às 19h). De resto, repete-se a animação no espaço infantil, a cargo das Bibliotecas de Lisboa, e a possibilidade rara de visitar o arquivo da Presidência, uma espécie de Torre do Tombo que guarda toda a documentação oficial desta instituição desde a implantação da República.