PS não pede maioria absoluta para não alienar ninguém
Em 2015, António Costa pediu a maioria e sofreu um desaire. Agora que se “quebrou o feitiço” da governabilidade à esquerda, o apelo ao voto útil “deixou de fazer sentido”, analisam os politólogos.
Porque é que em 2015 António Costa não hesitou em pedir maioria absoluta para o PS quando estava em desvantagem nas sondagens e agora que a conjuntura parece mais favorável para a alcançar em 2019, o líder socialista se recusa a falar no assunto? “Quanto mais está convencido que a pode ter, menos a pede”, responde à queima-roupa António Costa Pinto.
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Porque é que em 2015 António Costa não hesitou em pedir maioria absoluta para o PS quando estava em desvantagem nas sondagens e agora que a conjuntura parece mais favorável para a alcançar em 2019, o líder socialista se recusa a falar no assunto? “Quanto mais está convencido que a pode ter, menos a pede”, responde à queima-roupa António Costa Pinto.
Para este professor de Ciência Política, como para André Freire e Marina Costa Lobo, depois do sucesso da actual solução governativa deixou de fazer sentido pedir maiorias absolutas e fazer apelos ao voto útil. O PS tem de ser prudente para não alienar votos à sua esquerda nem desperdiçar a oportunidade de ir buscar votos à direita. A aposta é no modelo “catch all”, afirma Costa Pinto.
“O PS tem uma expectativa muito relativa de obter a maioria absoluta”, considera o investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. “António Costa pediu a maioria absoluta quando sabia que não a iria ter, e não só não a teve como sofreu um desaire eleitoral em 2015. É mais uma lição para não a pedir agora. Mas também porque o PS sabe que o que lhe é mais favorável é uma paulatina recuperação eleitoral do modelo catch all – tanto faz o voto vir da esquerda como de alguns abstencionistas ou desiludidos com o PSD. Não tem qualquer interesse nem em esmagar partidos à sua esquerda, nem de alienar outro tipo de eleitorado”, analisa.
Foi já no final da campanha eleitoral de 2015 que António Costa pediu “um governo maioritário” do PS como “a única forma de fazer” a mudança em relação às políticas austeritárias da coligação PSD-CDS. E fê-lo no dia seguinte a Passos Coelho ter apelado ao mesmo, agitando o fantasma da ingovernabilidade perante uma maioria de esquerda no parlamento. Um apelo ao voto útil que deixou de fazer sentido em 2018, três anos passados sobre a chamada “geringonça”.
“O PS em 2018 sabe que esta solução governamental excedeu as expectativas que o próprio partido tinha em 2015. Tendo em vista aquela regra informal de que é prejudicado nas eleições quem puser muitas questões à solução governativa, o PS sabe que não tem qualquer interesse em pedir a maioria absoluta”, acrescenta Costa Pinto.
Não o fazer é, para André Freire, “um exercício de humildade democrática e de convivência sã com o sistema de representação proporcional”. “Com esta solução governativa, a esquerda demonstrou que é capaz de se entender para governar, como a direita já tinha demonstrado há muito”, diz este professor de Ciência Política no ISCTE. “Quebrou-se o feitiço à esquerda e perante esta realidade, o pedido de uma maioria, o apelo ao voto útil, deixa de fazer sentido”, acrescenta.
Também Marina Costa Lobo constata que “a última legislatura demonstrou que, tanto à direita como agora à esquerda, as coligações são estáveis”, enquanto os governos minoritários são frágeis. “Essa é a grande diferença na preparação da campanha de 2019. O apelo ao voto útil no PS tenderá a funcionar menos porque qualquer eleitor de esquerda acredita que, se o PS não obtiver maioria absoluta, repetirá uma nova geringonça, mais partido ou menos partido.”
Esse “tabu” de António Costa, segundo a investigadora do ICS, em não dizer claramente como pretende governar se vencer as eleições em 2019 serve também para reforçar a coesão interna do PS: “Depois de um Congresso em que o partido discutiu as vantagens e desvantagens de assumir a geringonça como projecto de futuro, António Costa apresenta-se fazendo a síntese entre os dois pólos do partido. Até às eleições, será só PS. Depois, haverá tempo para negociar outra coligação - até lá nenhum dos partidos da geringonça tem vantagem em assumir isso”, explica.
Costa Pinto acrescenta outra realidade que poderá pesar neste posicionamento dos socialistas: “O PS sabe que está em plena recuperação eleitoral em contraciclo com a tendência decrescente dos partidos sociais-democratas europeus”. Mas por outro lado, pode beneficiar de uma conjuntura nacional favorável: a divisão da direita. “Com o novo partido de Santana Lopes, um dirigente político experimentado e conhecido da sociedade portuguesa, o PSD sofre o mesmo desafio que o PS tem sofrido”, que é ter mais concorrentes na sua área política. “Com o actual sistema eleitoral, os dois partidos ficam numa posição ironicamente mais semelhante, com mais desafios, mas também mais hipóteses de experimentar novos modelos de coligação”.
O slogan lançado na rentreé em Caminha – “Dar mais força ao PS” – serve, portanto, todos os objectivos do partido: ganhar as eleições com legitimidade reforçada. “O objectivo acaba por ser a maioria absoluta, mas sem fazer o pedido de modo explícito”, considera Costa Pinto. Aqui, o seu amigo André Freire discorda: “É um pedido de que a sua governação seja premiada, não tem implícito um pedido de maioria absoluta, que seria sempre muito difícil”.
Mas há um facto incontornável, sublinha Freire: “Não há governos progressistas de esquerda em Portugal sem o PS. Podem é não ser precisos dois parceiros”.
Foi você que pediu?
Cavaco Silva pediu-a em 1987, e alcançou-a. Jorge Coelho pediu-a para Sócrates em 2005, com sucesso. Mas muitos outros a pediram em vão: António Guterres em 1999, José Sócrates em 2009, Passos Coelho e António Costa em 2015, com o resultado que se sabe. Agora, o líder socialista prefere a fórmula “as maiorias absolutas não se pedem, conquistam-se”, sugerindo que os eleitores reconheçam o mérito da sua governação e a reforcem.
A verdade é que as maiorias absolutas são muito difíceis de obter em Portugal, e por isso só houve três em 44 anos de democracia. “O sistema eleitoral foi desenhado para não dar grande bónus ao partido mais votado”, constata Costa Pinto. Mas pedi-las “é um sinal da ambição de um partido e por isso tanto o PS como o PSD tendem a pedi-las”, acrescenta Marina Costa Lobo.
No congresso do PS de Maio último, o tema dividiu as hostes socialistas. Manuel Alegre, Vasco Cordeiro e Daniel Adrião defenderam que o pedido fosse explícito. António Costa optou por não o fazer, pelo menos por enquanto. Mas ainda falta mais de um ano para a campanha eleitoral arrancar.