Quer um filho mais saudável? Deixe-o brincar ao ar livre
Há uma “epidemia silenciosa” que afecta as crianças, e o segredo para combatê-la é sair para a rua, defende Angela Hanscom.
As crianças estão a ficar doentes, com menos resistência física e também psicológica. Têm medos, inseguranças, são hiperactivas. Há uma “epidemia silenciosa” no mundo moderno que está a atacá-las e o combate faz-se com o brincar ao ar livre, de preferência na natureza. Mas nada de brincadeiras organizadas, diz Angela Hanscom, terapeuta ocupacional pediátrica norte-americana, fundadora de um programa que promove o contacto com a natureza e autora do livro Descalços e Felizes.
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As crianças estão a ficar doentes, com menos resistência física e também psicológica. Têm medos, inseguranças, são hiperactivas. Há uma “epidemia silenciosa” no mundo moderno que está a atacá-las e o combate faz-se com o brincar ao ar livre, de preferência na natureza. Mas nada de brincadeiras organizadas, diz Angela Hanscom, terapeuta ocupacional pediátrica norte-americana, fundadora de um programa que promove o contacto com a natureza e autora do livro Descalços e Felizes.
A sociedade ocidental tornou-se demasiado “programada”, começa por dizer Hanscom ao PÚBLICO por e-mail, ou seja, as crianças têm horários para tudo, até para brincar. “Esse hiperfoco na escola e nas actividades extras não deixa espaço para experiências enriquecedoras e feitas sem pressa, especialmente ao ar livre”, lamenta. E essa foi uma das razões por que criou o programa TimberNook, com o objectivo de “proporcionar experiências únicas de jogo ao ar livre que inspiram as crianças a jogar e a desenvolver-se”.
O projecto começou na América do Norte, EUA e Canadá, e já atravessou oceanos – pelo Pacífico chegou à Austrália e à Nova Zelândia, e pelo Atlântico conquistou o Reino Unido. A ambição é chegar a mais países, reconhece, sobretudo às escolas, onde se pode fazer um trabalho mais próximo com as crianças. Mas os pais também têm a responsabilidade de agarrar nos filhos e levá-los a contactar com a natureza. “Estamos a descobrir que precisamos de recordar e reeducar os pais sobre a importância do brincar ao ar livre. A nossa sociedade está a tornar-se cada vez mais programada, tanto em casa como na escola”, critica a especialista.
Como é que nos esquecemos da importância da natureza? “Nas últimas décadas, as prioridades da nossa sociedade mudaram muito. O horário de jantar da família foi substituído pelo treino de futebol à noite. O jogo e a brincadeira foram retirados de muitos jardins-de-infância e pré-escolares para se encaixarem mais actividades académicas”, justifica Angela Hanscom, atirando também culpas aos meios de comunicação social que inundam as famílias com notícias que se traduzem em medos e que as levam a não querer que os filhos brinquem na rua sem a supervisão de um adulto por questões de segurança.
Além de os pais terem medo que os filhos sejam raptados, roubados, agredidos, há também a preocupação com a segurança dos equipamentos, por exemplo nos parques e recreios. No livro, a terapeuta relata que muitas escolas tiraram equipamentos como escorregas altos de metal – “que pareciam ser desafios impossíveis” – e substituíram-nos por “brinquedos mais simples, de plásticos coloridos, que fazem pouco para inspirar as crianças em crescimento” e dá conta de como espaços interiores de brincadeira se tornaram uma moda. “Um parque deveria inspirar e desafiar crianças, não aborrecê-las”, escreve.
Benefícios desconhecidos
Mas por que é importante brincar ao ar livre, de que forma contribui para o crescimento saudável da criança? “É tão importante lembrar que, se queremos filhos ‘seguros’, temos de permitir que tenham liberdade de movimentos e também oportunidades de liberdade de brincar. Os sistemas neurológicos das crianças são projectados para procurar a informação sensorial de que precisam a qualquer momento. Se continuarmos a restringir as oportunidades de brincadeira e movimento das crianças, continuaremos a ver um aumento de problemas sensoriais, como a diminuição da consciência espacial, o controlo inadequado do comportamento, a diminuição da competência em habilidades sociais e lúdicas e muito mais!”, alerta.
Hanscom faz uma relação directa entre a ausência de contacto com a natureza com problemas motores – crianças sem noção espacial, que tropeçam a todo o momento –, e com questões como a falta de atenção, hiperactividade e dificuldades de aprendizagem. “As crianças precisam de oportunidades para se movimentarem em diferentes direcções para que o líquido do ouvido interno se movimente também, isso ajuda-as a desenvolver o equilíbrio. Este sentido é fundamental para organizar todos os outros. Ajuda a regular e a acalmar o corpo e a mente e ajuda a manter a atenção.”
E, na escola, quando brincam muito no recreio, não chegam à sala de aula com demasiada energia? “Se damos às crianças tempo e espaço para brincar ao ar livre, vamos descobrindo que se tornam mais organizadas, atentas, criativas e capazes”, responde, acrescentando que à medida que vai estudando a relação criança/natureza mais benefícios encontra – “é como as camadas da cebola: encontramos cada vez mais benefícios que desconhecíamos. Alguns dos maiores benefícios são: ajudar a superar medos, aprender regras, tornar-se independente, aprender a jogar, a interagir e aumenta a criatividade”.
Quanto aos problemas motores, brincar ao ar livre permite desenvolver a força das mãos para mais tarde segurar o lápis correctamente; desenvolver os músculos dos ombros necessários para a postura e atenção; andar descalço ajuda a desenvolver pequenos músculos nos pés e tornozelos que ajuda as crianças a ficarem mais ágeis e conscientes de seu corpo no espaço, enumera. O segredo é uma hora diária de movimento, de preferência a subir e a descer árvores, a correr, a inventar brincadeiras. “A chave é dar-lhes experiências diárias de movimento.”
Quanto aos smartphones e gadgets electrónicos, é óbvio que Angela Hanscom é contra. “A electrónica é muito viciante para crianças pequenas e, infelizmente, muitas vezes substitui o precioso tempo em que poderiam estar a remexer a terra, a subir colinas ou a escalar árvores – tudo experiências que apoiam o desenvolvimento de formas que a electrónica não consegue.”