Na Casa das Artes de Coimbra cria-se comunidade à volta da electrónica
Uns sentaram-se a ouvir a electrónica ambiental da russa Kate NV, outros dançaram ao som dos ingleses Giant Swan: foram assim Les Siestes Électroniques este fim-de-semana em Coimbra.
Espreguiçar, fraternizar, ouvir música ou dançar. Foi neste espírito festivo e descontraído que aconteceu este fim-de-semana, de sexta a domingo, nos jardins da Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, o evento Les Siestes Électroniques. Por outras palavras, criou-se comunidade à volta das músicas electrónicas. Fez-se acontecer a cidade.
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Espreguiçar, fraternizar, ouvir música ou dançar. Foi neste espírito festivo e descontraído que aconteceu este fim-de-semana, de sexta a domingo, nos jardins da Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto, em Coimbra, o evento Les Siestes Électroniques. Por outras palavras, criou-se comunidade à volta das músicas electrónicas. Fez-se acontecer a cidade.
Era esse o propósito da Casa das Artes da Fundação Bissaya Barreto e tem sido essa também a intenção do Les Siestes Électroniques, uma associação francesa sem fins lucrativos que, desde que começou a sua actividade, em 2001, na cidade francesa de Toulouse, conseguiu concretizar o evento em 21 países espalhados por quatro continentes, em regime de parceria e sempre com entrada gratuita. Esta foi a primeira vez que ocorreu em Portugal.
O cartaz desta primeira edição teve curadoria do francês Samuel Aubert, dos Les Siestes, e de Alexandre Lemos, programador cultural da fundação. O acontecimento deste fim-de-semana, assinalou ao PÚBLICO em jeito de balanço, “é a expressão mais clara de que a fundação deseja participar na vida da cidade com eventos de envergadura, numa relação sem fronteiras, programando em conjunto com outros, porque é dessa forma que se criam sinergias”.
A Casa das Artes fica no centro da cidade. Às sextas existe ali encontro marcado com a Matinée, mas neste fim-de-semana os jardins foram-se enchendo. Cerca de 500 pessoas por dia desfrutaram ali de música electrónica exploratória ou de sonoridades mais lúdicas, num ambiente relaxado e atravessado por várias gerações, que tanto se deixaram seduzir pelas várias colorações tecno propostas pelos conimbricenses The Lions (Afonso Macedo e David Rodrigues) como pela electrónica sombria do sueco Varg ou pelos ritmos quebrados do americano, sediado em Berlim, M.E.S.H.
No sábado, tudo começou com a russa Kate Shilonosova, mais conhecida por Kate NV, que nos últimos meses tem conquistado protagonismo nos circuitos afectos às electrónicas, à conta do seu último álbum. Com um percurso errante que a tem conduzido para aventuras colectivas próximas dos cânones alternativos do rock (como Glintshake) ou para aventuras individuais numa via próxima de uma Laurie Anderson, Kate NV adoptou no seu novo álbum uma linguagem mais radical, abstracta e minimal. E foi isso que apresentou em Coimbra: uma electrónica ambiental, líquida, com sons de xilofone e, eventualmente, a voz, utilizada como mais um instrumento. Percebia-se que a maior parte do público, sentado ou deitado na relva, estava a tomar contacto com a sua música pela primeira vez. Não surpreende. Era também uma das primeiras vezes em que assumia apresentar assim o novo disco.
“Estou ainda a adaptar-me a esta forma de apresentar a música, sentada, sozinha, com muitos pormenores a acontecerem e a exigirem a minha atenção”, disse-nos no final. “Principalmente na Rússia, pelo facto de fazer parte de uma banda e de cantar e tocar guitarra, surpreendem-se quando me vêem neste registo, mas o que faço aqui é mais difícil. Pelo menos para mim. Há imensos detalhes e, paradoxalmente, o programa que utilizo faz com que improvise imenso.”
Espaço para algum improviso é que o existe também na música dos conimbricenses Ghost Hunt (Pedro Chau e Pedro Oliveira), embora o som da dupla seja maquinal, repetitivo e hipnótico. Apresentaram com vigor os temas do seu óptimo mini-álbum de estreia, mas também alguns temas novos, que parecem indiciar uma linha de maior balanço físico, com Pedro Chau a assumir a voz em alguns temas, antes de o francês Zaltan (responsável da editora Antinote) transformar o jardim numa pista de dança.
No domingo, fez-se ouvir o ritmo percussivo do baterista João Pais Filipe, que cada vez mais se afirma como um caso à parte no panorama português, sendo capaz de, em grupo (com o saxofonista Julius Gabriel ou no âmbito dos HHY & The Macumbas) ou sozinho, revelar um naipe de surpreendentes soluções, que tornam o seu som ao mesmo tempo obsessivo e neurótico, mas também renovado e pulsante. Como alguém dizia, com alguma ironia, foi a melhor sessão tecno do festival.
A cidade acorda
A maior dose de energia electrónica foi contudo a proporcionada pelos Giant Swan, dois ingleses à volta de sequenciadores e demais parafernália, que manipulam sempre com o volume e a potência no máximo, distorcendo ritmos para prazer da assistência. E se com os britânicos não houve espaço para sestas, com o português Nigga Fox muito menos, acabando o jardim da Casa das Artes imerso em festividade.
“Coimbra não está neste momento na liderança de nenhum fenómeno cultural”, reflecte às tantas Alexandre Lemos, quando lhe pedimos que faça uma comparação com outras cidades portuguesas que, para além de Lisboa e Porto, têm criado condições nos últimos anos para alguma dinâmica cultural. Braga, Guimarães ou Viseu poderiam ser exemplos. “Mas Coimbra tem vindo a dar passos interessantes”, continua, notando é que “preciso construir um caminho": "Há alguns equipamentos culturais excelentes, como o Convento de São Francisco. Passou a ter uma bienal de arte contemporânea. Existe potencial. É uma ilusão pensar que a cidade depende dos estudantes e da Universidade. Um exemplo? A Rádio Baixa, que colaborou connosco, e que tem menos de um ano. Existe massa crítica. Coimbra não faz parte das coisas mais relevantes que estão a acontecer neste momento, mas tem condições para fazer parte.”
É nesse tipo de movimento que a Fundação Bissaya Barreto quer participar: “Há uma evolução na programação. Vamos ter, a partir de Novembro, uma galeria de exposições temporárias na Casa Museu e a Casa das Artes com uma programação mais autónoma, que em parte nasce da comunidade de artistas que utiliza os espaços (sejam arquitectos, designers, músicos ou gente do teatro), ou que vai fazendo aqui residências artísticas.”
Ou seja, é a actividade diária de base que depois facilita acontecerem coisas de uma forma mais natural, como sucedeu neste fim-de-semana. “É importante criar comunidade em Coimbra”, resume Alexandre Lemos. “Queremos que este espaço vá cada vez mais ao encontro da cidade.”