Ser amigo (na saúde e) na demência
Em Portugal, como noutros países, a ocultação da doença e o isolamento das pessoas com demência é ainda bastante frequente.
A demência não é a primeira e, provavelmente, não será a última doença em que se torna necessário debater e conversar sobre o estigma. Este foi o ponto de partida para a campanha “Amigos na Demência” (amigosnademencia.org), uma iniciativa internacional que agora chega a Portugal, através da Alzheimer Portugal.
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A demência não é a primeira e, provavelmente, não será a última doença em que se torna necessário debater e conversar sobre o estigma. Este foi o ponto de partida para a campanha “Amigos na Demência” (amigosnademencia.org), uma iniciativa internacional que agora chega a Portugal, através da Alzheimer Portugal.
Ao contrário de outros tipos de discriminação — racial, religiosa ou de género —, a discriminação dos mais velhos e, em particular, das pessoas com demência ocorre de forma inconsciente e sem intenção de prejudicar a pessoa.
No passado, na maioria dos países industrializados (mais envelhecidos), estas pessoas eram mal compreendidas e frequentemente encerradas e esquecidas em instituições asilares. Na última década do século XX surgiram os primeiros tratamentos farmacológicos que, apesar de não trazerem a cura, facilitaram o controlo e a gestão dos sintomas. Enquanto se aspira ao objetivo final — a cura —, desenvolvem-se tratamentos e abordagens alternativas que visam não só atrasar a progressão da doença, mas sobretudo o bem-estar e a qualidade de vida da pessoa com demência e daqueles que lhes estão próximos.
Em Portugal, como noutros países, a ocultação da doença e o isolamento das pessoas com demência é ainda bastante frequente. Tal acontece devido ao estigma e à possibilidade de reações negativas por parte de terceiros, levando a pessoa a deixar de frequentar locais e eventos habituais (por exemplo, restaurantes, aniversários ou espaços comerciais).
No contacto social, surgem, não raras vezes, dúvidas sobre a forma de reagir, olhar ou auxiliar a pessoa com demência. A dúvida ou a ideia de que nada pode ser feito para ajudar levam, muitas vezes, à insegurança, à desesperança e à frustração.
Com alguma facilidade deparamo-nos, também, com anedotas sobre o tema. Bem sabemos que o “humor” pode aligeirar e facilitar a abordagem aos temas mais difíceis ou temidos. E, de facto, a demência é uma das doenças mais temíveis.
Os estudos de opinião revelam que o medo de receber um diagnóstico de demência pode superar, inclusivamente, o medo de desenvolver cancro, doenças cardíacas, diabetes ou um acidente vascular cerebral.
Para além desta dimensão sentimental (afectiva), o estigma e a discriminação das pessoas com demência envolve uma dimensão cognitiva (crenças e preconceitos) e comportamental.
A campanha “Amigos na Demência” pretende, assim mesmo, reduzir o estigma associado à doença, sensibilizando e ajudando os portugueses a compreenderem como é que a demência afeta o dia-a-dia dos nossos amigos, familiares, vizinhos ou clientes. Na prática, a iniciativa propõe-se a alterar comportamentos para tornar a nossa sociedade mais empática e amiga das pessoas com demência.
Em situação de fragilidade, qualquer que seja a conduta adoptada por ambas as partes, haverá, muitas vezes, a sensação de que o outro atribui significados não intencionais às nossas ações. Esta situação tende a agravar-se com o isolamento, mas sobretudo com o comprometimento emocional e cognitivo, fazendo com que os indivíduos estigmatizados desenvolvam estratégias de encobrimento e tentem garantir ao máximo uma vida normal. O doente com Alzheimer (tipo mais comum de demência), por exemplo, esforça-se por mostrar bom desempenho e recorre a subterfúgios para tentar ocultar as suas dificuldades, especialmente nas fases iniciais da doença.
Nestes casos, podemos evitar, por exemplo, conversas que requerem raciocínios complexos e que colocam a pessoa numa situação adversa, forçada a defender uma posição, numa altura em que conta com poucos recursos para o fazer (i.e. levando a que se sinta mal e se coloque à defesa). No sentido contrário, podemos promover a autodeterminação e a capacidade de escolha (autonomia), ajudando, na medida do possível, a diminuir a dependência (necessidade de ajuda) e a aumentar o controlo da situação (controlo percebido). Veja-se, a este respeito, a diferença entre mostrar um armário cheio de roupa ou duas peças que sabemos serem significativas para a pessoa, solicitando que escolha o que quer vestir.
Qualquer pessoa, de qualquer idade, pode também fazer a diferença, tornando-se Amigo na Demência.
Um Amigo (1) na Demência é, na prática, alguém que está disponível a aprender um pouco mais sobre como é viver com demência, mas também transformar essa aprendizagem numa ação (pequena ou grande) a favor das pessoas com demência. Tão simples como não usar a palavra "demente" ou falar a 5 amigos sobre esta campanha. Ajude a reduzir o estigma e torne-se também amigo na demência!
[1] Segundo Carl Rogers, a amizade deve contemplar (i) a expressão de afecto (positivo) e a aceitação do amigo, sem condições ou expectativas (centrado no outro e simplesmente por existir), mas também (ii) a compreensão (sem julgamento) e a disponibilidade para ver o mundo pelos olhos do amigo. Para completar, o autor reforça ainda a importância de (iii) expressar com objetividade (sentimentos e percepções), promovendo um espaço para experiências de reflexão e conclusão (sobre si mesmo).
Referências
Batsch, N.L. and Mittelman, M.S. World Alzheimer Report 2012. “Overcoming the Stigma of Dementia”. Alzheimer’s Disease International.
Machado dos Santos, P. e Paúl C. (2016). Portugal Saúde Mental em Números — 2015: Estudo de opinião sobre as demências. Direcção-Geral da Saúde; Programa Nacional para Saúde Mental.
O autor segue o novo acordo ortográfico