Governo reforça medidas para que empresas contratem doutorados
Benefícios fiscais a empresas que fazem investigação aumentaram 40% nos últimos três anos.
Não é um problema novo, nem é sequer a primeira vez que um Governo apresenta um plano como estes, mas o ministro da Ciência, Manuel Heitor, quer criar as condições para que as empresas nacionais contratem mais doutorados. Um sistema de incentivos fiscais, que já existia, tem ganho nova vida e, nos últimos três anos, aumentou em quase 40% o número de empresas apoiadas. Os programas científicos também pretendem aumentar as hipóteses de contacto dos investigadores com o meio empresarial.
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Não é um problema novo, nem é sequer a primeira vez que um Governo apresenta um plano como estes, mas o ministro da Ciência, Manuel Heitor, quer criar as condições para que as empresas nacionais contratem mais doutorados. Um sistema de incentivos fiscais, que já existia, tem ganho nova vida e, nos últimos três anos, aumentou em quase 40% o número de empresas apoiadas. Os programas científicos também pretendem aumentar as hipóteses de contacto dos investigadores com o meio empresarial.
É sobretudo pelo lado financeiro que o Ministério da Ciência pretende convencer as empresas. Para isso, recuperou o Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e Desenvolvimento Empresarial (SIFIDE), um conjunto de benefícios fiscais para empresas que desenvolvem actividades científicas.
A iniciativa já existe desde 1997 e teve a sua mais recente actualização em 2009 – também num Governo PS, com Heitor como secretário de Estado – mas “não estava a ser suficientemente utilizado”, defende o governante, salientando que tem sido feito um esforço para lhe ser dada “maior visibilidade” junto das empresas.
Os dados parecem confirmá-lo. Os 695 doutorados contratados ao abrigo do SIFIDE no ano passado correspondem a um crescimento de 40% face a 2014. O número de empresas a receber benefícios fiscais também cresceu 36% no mesmo período. Foram, no ano passado, 290. São os números mais elevados de sempre.
Os dados do último Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico, publicados no final de Junho, apontam no mesmo sentido. Há 14.948 investigadores a trabalhar no sector privado – correspondem a 34% do total – mais 11% do que no ano anterior. Entre 2016 e 2017, a despesa com Investigação e Desenvolvimento (I&D) nas empresas cresceu 138 milhões de euros (cerca de 12%), tendo atingido 1295 milhões de euros no ano passado.
Pequenas e Médias Empresas têm uma majoração
De acordo com as regras do SIFIDE que estão em vigor, a taxa base deste benefício fiscal é de 32,5% das despesas realizadas com I&D no ano de candidatura. As Pequenas e Médias Empresas têm uma majoração de 15%. Todas as empresas podem ainda beneficiar de uma taxa incremental para compensar investimentos mais avultados (valendo 50% do aumento desta despesa em relação à média dos dois anos anteriores, até ao limite de 1,5 milhões de euros).
São sobretudo as empresas que mais investem em investigação, como as farmacêuticas e as de telecomunicação que mais têm recorrido ao SIFIDE. O sistema tem servido para ajudar a financiar investimentos em equipamento, mas também para assegurar os salários de investigadores com doutoramento.
Desta forma pretende dar resposta a um problema, que não é novo, mas que foi recentemente sublinhado pela avaliação do sistema científico e tecnológico português feita no início do ano pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): “Portugal tem doutorados a menos e a sua inserção no meio empresarial é ainda uma dificuldade”.
Bolseiros mais perto das empresas
O Ministério da Ciência também está a desenhar os programas científicos de forma a aumentar as possibilidades de contacto entre os investigadores e o meio empresarial. Esta semana, foi aprovada uma nova lista de laboratórios colaborativos, unidades de investigação que vão pôr a trabalhar conjuntamente empresas, autarquias e instituições de ensino superior. Os primeiros 20 projectos vão permitir criar mais de 780 empregos qualificados nos próximos cinco anos. Estas instituições são vistas como “estruturas para consolidar a aposta na qualidade do emprego científico”, sublinha Manuel Heitor.
Por outro lado, houve também novas orientações para as bolsas de doutoramento individuais, que todos os anos são atribuídas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. No concurso deste ano, deixaram de estar definidas quotas para as chamadas Bolsas de Doutoramento em Empresas.
Essa modalidade estava a ser pouco explorada nos últimos anos – o número de bolsas de doutoramento em empresa atribuídas entre 2013 e 2015 foi sempre inferior a 20, ao passo que o total de bolsas de doutoramento ultrapassou sempre as 400 no mesmo período.
No início do mês, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) divulgou os resultados do concurso de Bolsas Individuais de Doutoramento deste ano, no âmbito do qual foram atribuídas 950 bolsas de entre 2540 candidaturas individuais avaliadas.
Em complemento às bolsas atribuídas neste concurso para candidaturas individuais, a FCT apoia também em 2018 mais de 550 bolsas atribuídas no âmbito de Programas de Doutoramento e parcerias internacionais. No total, este ano serão atribuídas mais de 1520 bolsas de doutoramento, representando um aumento superior a 14% face ao número total de bolsas apoiadas em 2017.
A diferenciação entre bolsas de doutoramento e bolsas de doutoramento em empresas terminou porque a lógica é que “todas as bolsas podem e devem colaborar com empresas e instituições tecnológicas”, afirma Manuel Heitor. O ministro diz ser impossível perceber quantas das mais de 1500 bolsas a atribuir este ano prevêem um período do plano de trabalhos em contexto de empresa.
A solução divide as associações que representam os investigadores. Sandra Pereira, presidente da Associações de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), realça que as bolsas de doutoramento em empresas “nunca correram bem”. “Em muitos casos, não existiam os protocolos necessários entre as instituições de ensino e as empresas e isso prejudicava as condições para que os investigadores cumprissem os seus planos de trabalho”, explica.
Por isso, o desaparecimento das bolsas de doutoramento em empresas “é positiva”, mas lembra que os problemas sentidos até aqui vão manter-se caso cada vez mais investigadores optem por passar um período do seu doutoramento em ambientes empresariais: “É preciso antecipar as respostas a esta questão.”
Pelo contrário, Cláudia Botelho, da Associação Nacional de Investigadores em Ciência e Tecnologia (ANICT), entende que, se a ideia do Governo passa por aumentar o número de doutorados contratados pelas empresas, o caminho devia ser reforçar a aposta nas bolsas de doutoramento em empresa. “A existência de um plano de trabalho dentro da empresa, com perspectivas de desenvolvimento no futuro, é a maior garantia de que há possibilidades por parte do investigador de que venha a ser contratado”, defende.
Além disso, o concurso único de bolsas de doutoramento, sem diferenciação das que são destinadas a ser desenvolvidas em empresas, pode voltar a levantar “a velha discussão” da aplicabilidade da ciência, que Cláudia Botelho considera “não ser útil”.