Vendedores de Jornais Futebol Clube fechou as portas a três anos do centenário
O clube que teve como presidente o Almirante Gago Coutinho e que ainda guarda parte dos seus objectos pessoais foi ainda tricampeão das marchas de Lisboa. Fechou as portas este mês por não conseguir suportar o aumento da renda.
Em Junho ainda havia gente no número 53 na Rua das Trinas, freguesia da Estrela, mas agora já não mora lá ninguém. O espaço que acolhia o Vendedores de Jornais Futebol Clube (VJFC), a continuação de uma associação que desde 1921 abrigava os ardinas que precisavam de pernoitar na cidade, fechou.
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Em Junho ainda havia gente no número 53 na Rua das Trinas, freguesia da Estrela, mas agora já não mora lá ninguém. O espaço que acolhia o Vendedores de Jornais Futebol Clube (VJFC), a continuação de uma associação que desde 1921 abrigava os ardinas que precisavam de pernoitar na cidade, fechou.
Quando a profissão deixou de ser tão comum, o n.º 53 continuou a servir de albergue para os ardinas que ainda existiam, e era também um espaço onde se realizavam diversas actividades relacionadas principalmente com o futebol. Nos últimos anos, apesar da diminuição gradual do número de sócios, era um local onde estes se podiam juntar e conviver, e era conhecido principalmente pelo arraial dos santos populares e das festas de aniversário da gente do bairro.
“Isto é um espaço diferente em Lisboa como agora há poucos e os sócios, assim como outros, gostam de cá vir”, dizia Eduardo Fidalgo em Julho ao PÚBLICO. A colectividade era das poucas deste género que ainda existia na cidade de Lisboa, mas fechou as portas no início de Agosto, após uma ordem judicial, uma vez que não podiam suportar o aumento da renda do espaço exigido pelo senhorio.
Para a história do espaço e do agora extinto clube, fica o grande trunfo e o facto do qual se orgulhavam. O VJFC teve como presidente o Almirante Gago Coutinho que, além de geógrafo, cartógrafo, oficial da Marinha Portuguesa e historiador, foi o navegador que em conjunto com Sacadura Cabral realizou a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, mais precisamente entre Lisboa e o Rio de Janeiro.
Era no primeiro andar do clube que se encontrava um espaço que ainda guardava objectos que marcaram a história do VJFC. Do Almirante ainda se preservava a bengala, alguns objectos pessoais como as penas com que escrevia e o diário que manteve enquanto realizava a travessia.
Com o fecho do espaço, temeu-se pelo destino dos bens da associação, que para além do acervo relacionado com Gago Coutinho, incluíam as dezenas de taças que forravam as paredes do andar de cima e que o VJFC foi ganhando ao longo dos anos, principalmente em torneios desportivos. Dessa colecção de troféus fazia também parte a Taça Rainha das marchas populares, atribuída ao clube por ter vencido de forma consecutiva as marchas de Santo António entre 1964 e 1966.
Eduardo Fidalgo garante que o espólio mais importante foi entregue à Junta de Freguesia, mas que muitas das taças ainda se encontram no espaço “à espera de serem deitadas ao lixo”, e acrescenta que não está nos seus planos voltar a reabrir o Vendedores de Jornais Futebol Clube, mesmo que numa outra localização na cidade de Lisboa, como foi proposto por vários partidos à Assembleia Municipal em Junho, ainda quando se lutava para que o espaço não fechasse.
Contactada pelo PÚBLICO, a Junta da Estrela afirma que “foi tida uma reunião para avaliar a importância desse espólio e para compreender do que consistia, na qual foi identificado que nesse espólio se encontravam alguns itens de interesse histórico, cultural e desportivo”. Perante isso, acrescenta, foi considerado que “a recolha desse espólio iria traduzir-se numa oportunidade de o expor para toda a comunidade”.
Na posse da Junta de Freguesia estão agora os objectos pessoais do Almirante Gago Coutinho e algumas taças e troféus que segundo a autarquia são “de enorme relevância histórica e cultural para a colectividade, o bairro da Madragoa, as suas gentes e a sua memória, nomeadamente os relacionados com as Marchas de Lisboa”. A autarquia garante que vai assegurar a exposição pública e permanente dos objectos nas instalações da freguesia, e acrescenta que “está já em preparação “a organização da sua exposição permanente aberta ao público, e eventual itinerância que o justifique ou seja solicitada”.
Texto editado por Abel Coentrão