Apenas dez alojamentos locais foram fechados desde 2016

Acção da ASAE representa 0,5% do total das fiscalizações ao sector. Nova lei publicada ontem dá poderes de suspensão também aos condomínios, e já fez disparar registos no centro de Lisboa.

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Há 3658 AL em Santa Maria Maior, o que representa 25% do concelho de Lisboa Daniel Rocha

Nos últimos dois anos e meio, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) suspendeu a actividade de apenas dez unidades de alojamento local (AL). De acordo com os dados disponibilizados ao PÚBLICO, em 2016 foram encerrados dois AL, no âmbito da fiscalização a 571 operadores económicos, seguindo-se mais quatro em 2017 (1104 operadores fiscalizados) e outros quatro no primeiro semestre deste ano (247 operadores fiscalizados). Ao todo, as dez suspensões em causa representam 0,5% do total das fiscalizações feitas no período em análise.

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Nos últimos dois anos e meio, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) suspendeu a actividade de apenas dez unidades de alojamento local (AL). De acordo com os dados disponibilizados ao PÚBLICO, em 2016 foram encerrados dois AL, no âmbito da fiscalização a 571 operadores económicos, seguindo-se mais quatro em 2017 (1104 operadores fiscalizados) e outros quatro no primeiro semestre deste ano (247 operadores fiscalizados). Ao todo, as dez suspensões em causa representam 0,5% do total das fiscalizações feitas no período em análise.

Fonte oficial da ASAE explica que as suspensões tiveram por base o incumprimento de requisitos fixados na lei actualmente em vigor para poder operar no mercado (artigo 12), como o de ter uma janela directa para o exterior, apresentar “adequadas condições de conservação e funcionamento das instalações e equipamentos”, e a “falta de inspecção periódica à instalação de gás”. 

A questão da suspensão da actividade de um AL ganha agora uma nova projecção com as alterações à lei, que vão entrar em vigor no final de Outubro (60 dias após a publicação do diploma em Diário da República, o que aconteceu ontem).

Decisão por maioria

De acordo com o diploma, a assembleia de condóminos, “por decisão de mais de metade de permilagem do edifício [ligado ao valor atribuído a cada fracção, com base em factores como a área]” e tendo por base uma “deliberação fundamentada, decorrente da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio, bem como causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”, vai poder “opor-se ao exercício da actividade de alojamento local da referida da fracção”.

A proposta veio pela mão do PS, tendo as alterações à lei em vigor (de 2014) sido aprovadas com os votos dos socialistas, PCP, BE, PEV e PAN (PSD e CDS votaram contra). Para os deputados do PS, a comprovação pode ser efectuada a partir de registos como contra-ordenações ligadas a actos que perturbem os vizinhos, cabendo a análise dos casos ao presidente da câmara do município em questão.

No relatório que acompanhou o texto de substituição - na primeira versão o condomínio podia vetar a criação de um AL -, o PS diz que a autarquia tomará a sua decisão depois de “ouvidas as partes e analisadas as provas das práticas reiteradas que introduzam perturbações no condomínio”. Este processo, no entanto, está longe de ser consensual, com críticas da associação que representa o sector, a ALEP, do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, e de representantes dos próprios condomínios.

“Incentivo ao conflito”

Ao PÚBLICO, o presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APECAG), Fernando Cruz, diz que preferia um sistema de “autorização prévia por parte da maioria da assembleia geral do condomínio”, em linha com o pensamento inicial do PS. Agora, diz, a questão “foi colocada um pouco pela negativa”, com vizinhos “a chamar as autoridades” e por via “de contra-ordenações sucessivas sobre ruídos ou comportamentos”, o que é “quase um incentivo ao conflito”.

O problema, diz o presidente da APECAG (uma das entidades ouvidas pelo Parlamento neste processo legislativo) começa quando “não se distingue claramente o conceito de habitação, no título constitutivo da propriedade horizontal, e a exploração turística de alojamento local”.

Depois, sublinha que se desconhece como vai ser “o julgamento das situações por parte das autarquias”, até porque “não se sabe o que é de facto uma queixa fundamentada”. “Quantas vezes têm de ser chamadas as autoridades para ter fundamento?”, questiona Fernando Cruz.

Paulo Antunes, presidente executivo da Loja do Condomínio, uma das maiores empresas do sector, é igualmente crítico. “Do ponto de vista aparente, parece ser uma boa medida”, diz, para logo acrescentar que, no entanto, “os factores que podem justificar a decisão do condomínio são altamente subjectivos e podem levar a decisões completamente arbitrárias, o que trará como consequência o aumento da conflitualidade entre vizinhos e a litigância que em muitos casos chegará, provavelmente, aos tribunais”. Isso, acrescenta, trará “prejuízos óbvios para o desenvolvimento da actividade do AL, mas também para o próprio condomínio”.

“Mais grave”, diz Paulo Antunes, é que o legislador “optou por intervir nos condomínios criando regras para o AL, esquecendo-se que estes mesmos problemas existem relativamente ao arrendamento para habitação e aos restantes usos que tantas vezes temos nos nossos condomínios, como sejam as actividades de serviços e comerciais”.

Outras mudanças

Questionado sobre se tem registo de muitas queixas de condóminos relativas a perturbações causadas por AL, Paulo Antunes refere que estas “são pontuais” e que é “muito mais significativo o número de participações associadas ao uso indevido das fracções para actividades que ali não podem ser praticadas bem como a questões de ruído associado a actividades como a restauração”.

De acordo com a lei, e caso a autarquia dê razão às queixas de um condomínio, a actividade de AL pode ser suspensa pelo período máximo de um ano.

O gestor critica também a cláusula onde se estipula que os condóminos poderão fixar ao AL uma “contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30% do valor anual da quota respectiva”, afirmando que é uma “solução discricionária e de difícil aplicabilidade, pois esta lei terá de ser articulada com a já existente que regula a propriedade horizontal”.  

Ao nível dos condomínios há mais mudanças, já que o titular do AL tem de dar o seu contacto telefónico aos vizinhos, fica “solidariamente responsável com os hóspedes relativamente aos danos provocados por estes no edifício em que se encontra instalada” e é obrigado a ter um seguro multirisco de responsabilidade civil.

Em paralelo, os condóminos ganham poder de veto a novos hostels, com a lei a estipular que “não pode haver lugar à instalação e exploração de hostels em edifícios em propriedade horizontal nos prédios em que coexista habitação sem autorização dos condóminos para o efeito”.

Regras por esclarecer

Por parte das autarquias também já surgiram reclamações pela hipótese de suspensão de um AL por parte dos vizinhos, com o presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, a afirmar que a solução encontrada é pouco feliz. "A Câmara terá de ter um regulamento muito claro para não criar ali uma fonte de litigância. É que se eu fecho um AL sem fundamento tenho, e bem, uma acção em tribunal", afirmou o autarca socialista ao Diário de Notícias.

Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), também critica o diploma, afirmando que se está, “mais uma vez” a “empurrar tudo para os tribunais”. Ao PÚBLICO, o responsável da ALEP diz que “qualquer uma das partes que obtiver uma decisão contrária da câmara vai poder recorrer aos tribunais para anulá-la”.

A ALEP, bem como a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP), está ainda contra outra alteração, a que permite às autarquias a identificação de zonas mais pressionadas pelo AL e a respectiva criação de uma área de contenção na qual só podem ser instaladas novas unidades previamente autorizadas pelo município.

No diploma estipula-se apenas que os limites impostos “podem ter em conta limites percentuais [do AL] em proporção dos imóveis para habitação”.

Neste caso, o presidente da Câmara de Lisboa alinha totalmente com as alterações à lei, tendo afirmado ao DN, após a aprovação do diploma, que pretende congelar novos registos de AL nas zonas de Alfama, Mouraria e Castelo (freguesia de Santa Maria Maior, que alberga também a Baixa e o Chiado) logo quando a lei entrar em vigor.

Assim, o autarca fará a aplicação de uma medida prevista no diploma, onde se estipula que, antes da criação de regulamento próprio, e para “evitar que a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes possam comprometer a eficácia” da iniciativa, as câmaras podem suspender novos registos através de uma deliberação fundamentada da assembleia municipal. Esta suspensão pode durar no máximo um ano, até à entrada em vigor do respectivo regulamento.

Ao DN, o autarca clarificou que, uma vez publicado o regulamento, “outras zonas” poderão ser acrescentadas. No Porto, segundo fonte oficial da autarquia, o município está a analisar a questão, através, nomeadamente “do mapeamento que irá indicar os níveis de concentração efectivos” de AL.

Novos registos disparam no centro de Lisboa

Entretanto, as mudanças à lei estão já a causar impactos em Lisboa, com alguns investidores a registarem imóveis antes da entrada em vigor do diploma. O presidente da ALEP, Eduardo Miranda, fala mesmo numa “corrida aos registos” em algumas freguesias da capital. Olhando para os dados do Registo Nacional do Alojamento Local (RNAL), recolhidos por esta associação, em Julho foram registados 231 AL na freguesia de Santa Maria Maior (as propostas de alteração foram conhecidas no dia 13 desse mês, com o diploma a ser aprovado no dia 18).

Uma análise feita pelo PÚBLICO mostra que este número equivale a uma subida de 165% face ao mês anterior, e de 118% em termos homólogos, quando no concelho de Lisboa as subidas foram de 65% e de 49%, respectivamente (no caso Porto, as valores passam para 10% e 1,9%). Os 231 registos de Santa Maria Maior correspondem a mais 698 camas disponíveis na capital, e a maioria (66%) foram efectuados por empresas.

Ao todo, de acordo os dados disponibilizados ontem no RNAL, há 3658 AL em Santa Maria Maior, o que representa 25,4% do universo deste tipo de unidades no concelho de Lisboa (a nível nacional estão contabilizados 73.377).

De acordo com a nova lei, nas áreas de contenção identificadas pelas câmaras, o mesmo proprietário não pode ter mais de sete AL. Para quem já detém um número superior, a lei esclarece que apenas não poderá aumentar o universo de AL (de resto, a nível geral mantém-se o que estava estipulado: não se pode ter mais de nove AL na modalidade de apartamento por cada edifício “se aquele número de estabelecimentos for superior a 75% do número de fracções”).

Há ainda outra novidade: o número de registo do AL (no caso de moradias e apartamentos) nas zonas controladas é “pessoal e intransmissível”, excepto em caso de sucessão. Uma vez criada uma área de contenção, esta tem de ser reavaliada “no mínimo, de dois em dois anos”, com comunicação do resultado ao Turismo de Portugal.