Formulação da lei do alojamento local "incentiva os litígios, reclamações e queixinhas"
Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), critica a criação de áreas de contenção pelas câmaras e diz que a lei vem dar a impressão que os condomínios “podem impedir um AL simplesmente por se opor em assembleia de condóminos”
A ALEP já se mostrou muito crítica das alterações à lei que rege o AL, nomeadamente da criação de áreas de contenção e da possibilidade de os condomínios, por maioria, poderem solicitar a suspensão de actividade de um AL. No que respeita às áreas de contenção, qual o aspecto que julga ser mais negativo, uma vez que só se aplica a novas unidades e em áreas já com forte presença deste tipo de oferta?
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A ALEP já se mostrou muito crítica das alterações à lei que rege o AL, nomeadamente da criação de áreas de contenção e da possibilidade de os condomínios, por maioria, poderem solicitar a suspensão de actividade de um AL. No que respeita às áreas de contenção, qual o aspecto que julga ser mais negativo, uma vez que só se aplica a novas unidades e em áreas já com forte presença deste tipo de oferta?
Nunca fomos contra encontrar soluções para as áreas onde efectivamente há uma sobrecarga, mesmo sabendo que o AL não vai solucionar o problema da habitação. A nossa questão é mais de sustentabilidade: encontrar um equilíbrio das várias funcionalidades dentro dos bairros. O que criticamos é a solução encontrada: ser possível criar restrições sem critérios ou indicadores claros do que é uma zona em sobrecarga. Foi por esta transparência e equidade de critérios que as associações se debateram e até apresentaram propostas neste sentido. Ao deixar as restrições sem critérios comuns, permite-se que sejam criadas proibições de forma arbitrária, seja por motivações ideológicas, interesses políticos de contexto ou eleitorais, por interesses de outras formas de alojamento turístico ou mesmo interesses menos claros de valorização imobiliária de certas áreas. Isto não é transparente. Por outro lado, é uma autonomia envenenada para as câmaras, pois pode levá-las a entrar em conflito com as normas comunitárias (directiva de serviços), bem como criar um ónus administrativo considerável e até batalhas judiciais.
Acha que se vai assistir a muitos pedidos de condomínios para suspender a actividade de AL, devido a reclamações por perturbações?
Mais uma vez, o que criticamos é a solução pouco feliz encontrada. Na nossa opinião, estes processos de reclamação deveriam ser analisados por instâncias judiciais, mesmo que simplificadas como os julgados de paz ou centros de arbitragem que poderiam ser preparados para estas matérias. Só depois de haver sentenças é que o caso poderia então ser submetido às câmaras, que assim decidiriam com a isenção dada pelas sentenças. Ao dar a impressão que os condomínios podem impedir um AL simplesmente por se opor em assembleia de condóminos, o legislador acabou por optar por uma fórmula que incentiva os litígios, reclamações e queixinhas. Mas, isto não vai servir a ninguém, pois qualquer uma das partes que obtiver uma decisão contrária da câmara vai poder recorrer aos tribunais para anulá-la. Mais uma vez, estamos a empurrar tudo para os tribunais. O que acredito que pode acontecer é que no início, por desconhecimento ou ilusão, alguns condomínios vão ter a tentação de achar que podem impedir a actividade de um AL com uma simples reunião. Na prática vão perceber depois que o processo não é tão simples, que mais uma vez irá parar num tribunal com custos incomportáveis para ambas as partes e então, quando isto acontecer, é possível que repensem e que comecem a procurar outras soluções como os meios alternativos de resolução de litígios.
Vão tomar medidas para tentar travar a aplicação da lei, como uma queixa junto de Bruxelas?
Ainda estamos a analisar. O problema está na raiz, ou seja na lei nacional que acaba por quase incentivar às câmaras a entrar em conflito com as normas comunitárias. Será muito importante ver como a Câmara de Lisboa, por exemplo, lida com o assunto. Não vai ser fácil para as câmaras. A começar por terem que notificar a Comissão e apresentar não só a justificação para criar restrições, como os critérios e a proporcionalidade das medidas. É um trabalho que exigirá da câmara um grande conhecimento jurídico das normas comunitárias e muita objectividade. Vamos estar atentos para ver se os princípios básicos estão a ser cumpridos e ao mesmo tempo estaremos disponíveis para dialogar com as câmaras para que isto aconteça. Há muitos detalhes que devem ser tidos em conta e uma medida cega de quota máxima, por exemplo, nunca irá funcionar, até pode trazer grandes injustiças, distorções para o mercado do AL e imobiliário, batalhas judiciais e até pedidos de indemnização, aliás como tem ocorrido lá fora. Um bom exemplo de que a fórmula encontrada está errada é a corrida aos registos que a simples veiculação da existência desta medida trouxe em algumas freguesias de Lisboa, e que mostra como o desconhecimento do funcionamento de mercado pode causar justamente o efeito contrário daquilo que a lei pretendia.