Osso de uma menina revela que tinha mãe neandertal e pai denisovano
Um pequeno osso encontrado na gruta Denisova, nos montes Altai, na Sibéria, confirma a mistura de dois humanos que se separaram há 390 mil anos e indica que estas uniões poderiam ser comuns.
Com a análise de um fragmento de um osso encontrado numa gruta na Sibéria construiu-se uma história especial. De acordo com o estudo publicado esta quinta-feira na revista Nature, o osso pertenceu a uma menina que viveu há 50 mil anos e que teria cerca de 13 anos quando morreu. O mais interessante é que esta adolescente terá sido o resultado da união de uma mulher neandertal e de um homem denisovano, dois humanos já extintos que antecederam a nossa espécie (e que também se reproduziram com ela) e que coexistiram na Eurásia. As rotas de migração já sugeriam a possibilidade do encontro destas duas espécies humanas, mas o estudo agora publicado fornece uma prova clara do previsível cruzamento.
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Com a análise de um fragmento de um osso encontrado numa gruta na Sibéria construiu-se uma história especial. De acordo com o estudo publicado esta quinta-feira na revista Nature, o osso pertenceu a uma menina que viveu há 50 mil anos e que teria cerca de 13 anos quando morreu. O mais interessante é que esta adolescente terá sido o resultado da união de uma mulher neandertal e de um homem denisovano, dois humanos já extintos que antecederam a nossa espécie (e que também se reproduziram com ela) e que coexistiram na Eurásia. As rotas de migração já sugeriam a possibilidade do encontro destas duas espécies humanas, mas o estudo agora publicado fornece uma prova clara do previsível cruzamento.
Chamam-lhe Denisova 11, um nome demasiado técnico para conferir sequer um leve toque ficcional à história que se conta no artigo publicado na revista Nature. A equipa de cientistas coordenada por especialistas do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, em Leipzig, na Alemanha, apresenta os resultados da sequenciação do genoma do fragmento do osso encontrado na famosa gruta da Sibéria onde foi descoberto um novo grupo de humanos desconhecido até 2010, os denisovanos, que viveram até há cerca de 30 mil anos.
No artigo da Nature, os autores começam por contextualizar que as populações de neandertais e denisovanos coexistiram na Eurásia (os neandertais no Oeste e os denisovanos no Leste) até serem substituídos pela nossa espécie “há cerca de 40 mil anos”. E se os restos de neandertais já foram encontrados em vários locais, as provas físicas da existência dos denisovanos estão até agora circunscritas à gruta Denisova. O pedaço de osso chamado Denisova 11 foi encontrado em 2012 e une estes dois humanos, uma vez que agora se demonstrou que pertence a uma menina que tinha uma mãe neandertal e um pai denisovano.
“Sabíamos de estudos anteriores que neandertais e denisovanos deveriam ter tido, ocasionalmente, filhos juntos. Mas nunca pensei que seríamos tão sortudos ao ponto de encontrar um descendente dos dois grupos”, diz Viviane Slon, investigadora do Instituto Max Planck e uma das principais autoras do estudo, no comunicado de imprensa sobre o trabalho. A análise genética do osso que terá cerca de dois centímetros de comprimento revelou que a mãe da criança era geneticamente mais próxima de neandertais que viveram na Europa ocidental do que a população neandertal que viveu na gruta Denisova.
“Isto mostra que os neandertais migraram entre a Eurásia ocidental e oriental dezenas de milhares de anos antes do seu desaparecimento”, refere o comunicado. “Um aspecto interessante deste genoma é que nos leva a aprender coisas sobre duas populações – os neandertais do lado da mãe e os denisovanos do lado do pai”, explica Fabrizio Mafessoni, também do Instituto Max Planck e outro dos co-autores do estudo.
Sobre o lado paterno de Denisova 11, os cientistas adiantam que o progenitor tinha pelo menos um antepassado neandertal na sua árvore genealógica. Alguém que estaria, referem nos cálculos que apresentam no artigo, à distância de 300 e 600 gerações anteriores. “A partir deste genoma único, somos capazes de detectar múltiplas interacções entre neandertais e denisovanos ”, diz Benjamin Vernot, o terceiro co-autor do estudo. Múltiplas mas ao mesmo tempo limitadas, já que os investigadores sublinham que apesar destas provas de união os dois grupos permaneceram geneticamente distintos um do outro. “As misturas entre os arcaicos e modernos grupos de hominíneos podem ter sido frequentes quando se encontraram”, lê-se no artigo, que esclarece que as “zonas de sobreposição” podem ter sido restringidas no espaço e no tempo, uma vez que os neandertais habitaram a Eurásia Ocidental e os denisovanos ocuparam “partes desconhecidas da Eurásia oriental”. Estas restrições associadas a uma eventual reduzida aptidão dos indivíduos com ascendência mista podem, segundo os autores, explicar por que os dois grupos de humanos (neandertais e denisovanos) permaneceram geneticamente distintos apesar dos comprovados encontros.
“É impressionante termos encontrado esta criança neandertal/denisovana entre o punhado de antigos indivíduos cujos genomas já foram sequenciado ”, acrescenta Svante Pääbo, director do Departamento de Genética Evolutiva no Instituto Max Planck e principal autor do estudo. “Os neandertais e os denisovanos podem não ter tido muitas oportunidades de se encontrar. Mas quando isso aconteceu, eles devem ter acasalado frequentemente – muito mais do que pensávamos anteriormente.”
A verdade é que já foram identificados indivíduos com uma herança mista dos dois grupos de humanos mas desconhece-se ainda a extensão deste cruzamento. Aliás, antes desta descoberta, os investigadores tinham relatado a presença de vestígios de ADN neandertal no genoma de um dos mais conhecidos exemplares descobertos na gruta de Denisova, uma ponta de um dedo (um pequeno osso da falange) chamado de Denisova 3 e classificado como denisovano. “Portanto, dos seis indivíduos encontrados na gruta Denisova cujo ADN nuclear está disponível, dois (Denisova 3 e Denisova 11) mostram provas de fluxo genético entre neandertais e denisovanos”, notam os autores no artigo. “Dos três genomas recuperados de humanos modernos que viviam numa época em que os neandertais estavam presentes na Eurásia (aproximadamente há 40 mil anos), um indivíduo (Oase 1) teve um antepassado neandertal quatro a seis gerações antes na sua árvore genealógica”.
Conseguir estas duas importantes descobertas – Oase 1 e Denisova 11 – e recuperar este passado a partir dos poucos indivíduos que tiveram o seu ADN analisado ao pormenor é algo “notável”, consideram os cientistas. Ainda mais quando sabemos que este fragmento do osso agora analisado estava entre mais de dois mil pedaços de ossos não identificados e recuperados na gruta de Denisova. Era, afinal, um pedaço especial da nossa história.