Santana de 2018 recupera Santana de 2005

O ex-líder do PSD inspirou-se no seu programa eleitoral de 2005 para escrever os princípios fundadores do seu novo partido.

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Pedro Santana Lopes Daniel Rocha

Incentivos fiscais nos seguros de saúde e a abertura à privatização da segurança social são dois exemplos em que a declaração de princípios do novo partido de Pedro Santana Lopes se confunde com o programa eleitoral com que o ex-líder do PSD se apresentou (sozinho, sem o CDS) às eleições antecipadas em 2005. Foi derrotado pela maioria absoluta de José Sócrates.

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Incentivos fiscais nos seguros de saúde e a abertura à privatização da segurança social são dois exemplos em que a declaração de princípios do novo partido de Pedro Santana Lopes se confunde com o programa eleitoral com que o ex-líder do PSD se apresentou (sozinho, sem o CDS) às eleições antecipadas em 2005. Foi derrotado pela maioria absoluta de José Sócrates.

Na declaração de princípios que consta do manifesto eleitoral de 2005, o ex-primeiro-ministro inscreveu o PSD (referindo-se sempre a PPD/PSD) como um “partido personalista” e que “valoriza o liberalismo e a livre iniciativa”, expressões que fazem parte do léxico social-democrata e que agora são recuperadas na fundação da Aliança.

Numa era pré-troika, o discurso era muito mais condescendente com a União Europeia. Agora, Santana mostra-se mais crítico mesmo em relação à moção que escreveu para se candidatar à liderança do PSD em Janeiro deste ano. Há outras matérias em que o tempo fez evoluir o discurso. No manifesto eleitoral da campanha 2005 – que originou a campanha com o vídeo do “menino guerreiro” – o PÚBLICO encontrou vários pontos que foram recuperados para a declaração de princípios do novo partido:

Saúde

No manifesto do PSD de 2005, Santana propunha-se “introduzir incentivos [fiscais] à utilização de seguros de saúde”, o que é equivalente ao que consta agora na Aliança, mas que não foi assumido na moção da candidatura à liderança do PSD. Neste ponto, o texto é mais vago, defendendo “um sistema de saúde plural assente num modelo de liberdade de escolha.”

Segurança Social

Já assumindo a sustentabilidade do sistema como um problema, o então primeiro-ministro defendia políticas para “introduzir um maior equilíbrio entre o regime de repartição e o regime de capitalização, por premiar a vida activa e reflectir na formação (cálculo) das pensões o esforço contributivo ao longo da vida, os ganhos de produtividade dos trabalhadores no activo e o perfil demográfico (esperança de vida) no momento da reforma.” Na Aliança é assumido que o sistema público poderá ser “complementado pelo investimento particular de esquemas de previdência alternativos e individualizados.” Em Janeiro deste ano, Santana não foi tão longe e ficou-se pela defesa da necessidade de “alargar a base contributiva preferencialmente através do crescimento económico e da criação de emprego, diversificar as fontes de rendimento na reforma e criar formas de financiamento num sistema assente em diferentes modelos”.

Educação

Em 2005, a possibilidade de opção de escola era um princípio inscrito na proposta eleitoral e o cheque-ensino uma solução que se queria testar como projecto-piloto. Em 2018, Santana Lopes preferiu sublinhar a necessidade de concretizar a descentralização de competências do sistema educativo para as autarquias. Este ponto é partilhado pela moção e pelo novo partido.

Descentralização

A descentralização administrativa de competências já era uma “prioridade absoluta” em 2005, com o objectivo de "corrigir as assimetrias regionais". Este aspecto constava mesmo dos dez pontos iniciais do manifesto. Depois, no programa, Santana Lopes propunha medidas para a coesão territorial, que se torna o “imperativo absoluto” na declaração de princípios da Aliança. Assumindo que a política regional ser “uma alavanca do crescimento económico equilibrado e sustentado em todo o território”, o manifesto de 2005 propunha reduzir “as disparidades regionais, relacionadas com o PIB per capita, entre as regiões portuguesas, aproximando-as da região com PIB mais alto”. No momento em que o país discutia medidas para o interior, após as tragédias dos incêndios de 2017, a moção de candidatura de Santana Lopes à liderança do PSD foi directa a defender a deslocalização de equipamentos e de serviços públicos para cidades do interior.

Europa

É um dos pontos em que, porventura, é mais visível a distância de 13 anos entre os dois programas. Em 2005, Santana Lopes colocava o PSD como “empenhado na construção europeia”. Agora, recusa aceitar “dogmas sobre a construção europeia”. E defende que Portugal “precisa de reforçar a sua atitude face à União Europeia”, deixando implícita uma crítica ao comportamento do bom aluno. Um tom de eurocepticismo, que é agora visível a menos de um ano das eleições europeias, e que não constava na moção ao congresso deste ano. 

Fiscalidade

Uma das bandeiras do novo partido é a redução da "forte carga fiscal". No contexto de 2005, Santana Lopes propunha simplificar o IRS e o IRC mas só defendia a redução das taxas nominais depois de tomar medidas como a diminuição da despesa, a eliminação progressiva dos benefícios fiscais e um combate “persistente à fraude e evasão fiscais”. “Não aumentar a carga fiscal directa ou indirecta” era um dos dez compromissos assumidos no manifesto eleitoral de 2005. 

Crescimento económico

No programa da Aliança, a meta do crescimento económico é quantificada: “o país a crescer 3% e acima da média europeia”. Mas há 13 anos já estava estabelecido o compromisso de aumentar a produtividade em Portugal, como "condição essencial de criar e distribuir mais riqueza". Não havia objectivos quantificados.

Estado

A reforma do Estado só mais tarde viria a estar com toda a força na agenda dos políticos. Em 2005, Santana Lopes já se referia ao “peso excessivo do Estado”. No novo partido, o ex-líder social-democrata preconiza a reformulação do papel do Estado e a “diminuição do seu peso em sectores não ligados a áreas estratégicas”, sem especificar quais.

Vida e família

Há 13 anos, Santana Lopes colocou como princípio geral a defesa "de forma inabalável a vida e a família, sem deixar de atentar às progressivas mudanças que surgem na sociedade, consequência das vontades dos homens e das mulheres". No novo partido são considerados "basilares os laços familiares na organização social". Meses depois da votação da legalização da eutanásia no Parlamento - em que os deputados do PSD tinham liberdade de voto, o que foi muito contestado - o antigo líder dos sociais-democratas escreveu a rejeição das "visões utilitaristas, materialistas e egoístas da vida humana". Uma perspectiva que aponta para uma visão mais conservadora e que tem sido criticada por contrastar com o cunho liberalista que Santana quer dar ao seu novo partido. 

Justiça

A justiça é uma das áreas que é quase apagada na declaração de princípios da Aliança quando em 2005 Santana Lopes batalhava pela “celeridade processual”, pela “simplificação procedimental” e pela “eficácia da repressão criminal”. O programa abre a porta a uma revisão constitucional “no sentido de reforçar a legitimidade do poder judicial no seu todo” e mostra o PSD disponível para um pacto de regime para a reforma de justiça.