A troika sai da Grécia, mas a austeridade continua
Esta segunda-feira é o dia do fim do famigerado programa imposto pelos credores à Grécia. Mas "não existe saída nenhuma" se há compromissos para os próximos 30 anos, diz Tania Antonakakou, 25 anos. A melhoria dos indicadores macroeconómicos não tem reflexo no dia-a-dia, diz o jornalista Bruno Tersago.
Electra quase pede desculpa, não percebeu bem. “Saída do programa?”, pergunta. “Ahhh, ouvi qualquer coisa”, diz a rir, e logo passa para um tom sério: “Na verdade, isso é uma grande piada.”
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Electra quase pede desculpa, não percebeu bem. “Saída do programa?”, pergunta. “Ahhh, ouvi qualquer coisa”, diz a rir, e logo passa para um tom sério: “Na verdade, isso é uma grande piada.”
Esta segunda-feira é o dia da saída formal da Grécia do programa de austeridade, o terceiro desde 2010, que marcará o fim de uma fase na crise grega, a maior depressão económica registada em tempo de paz, tão profunda como a Grande Depressão dos EUA nos anos 1930, e ainda mais longa. Mas na Grécia ninguém está a suster a respiração à espera de melhorias imediatas, e quando se diz imediatas, quer dizer nas próximas décadas.
Tania Antonakakou é peremptória: “Não existe saída nenhuma – assinámos acordos duros para os próximos 30 anos”.
Alex diz que, mesmo com saída, há problemas que se vão manter, desde o nível micro (“as pessoas continuam a não ter dinheiro para o básico”) até ao macro (“como vamos poder ter acesso a dinheiro barato?”, pergunta, referindo-se às hipóteses de o país conseguir financiamento nos mercados com juros baixos.)
Vários entrevistados, que falaram por telefone, Skype ou chat (alguns pedindo para ser citados apenas pelo primeiro nome), notam que fazem parte do pequeno clube dos “sortudos”, que são “a excepção”.
Tania, 25 anos: “Tenho muita sorte, estou numa indústria óptima [marketing digital] e a minha vida no trabalho tem corrido bem. Mas no meu círculo não é assim”, nota. “Tenho amigos a trabalhar seis horas por dia e receber menos de 150 euros por mês, e não têm seguro [de saúde]” – na Grécia, o seguro é pago pelo empregador.
Crise é o novo normal
“Claro que todos os gregos esperam um regresso à normalidade”, diz Pantelis Makkas, artista visual de 43 anos. “Mas não acho que saibam o que é normal. É trabalhar dez horas por dia e receber 500 euros? Para muitos de nós isso tornou-se o normal.” Depois da saída do programa, “não espero mudanças imediatas”, diz.
“A crise é o novo normal”, resume Bruno Tersago, jornalista e correspondente na Grécia de media belgas e holandeses. “Na vida do dia-a-dia ninguém vê as melhorias, estas aconteceram apenas nos indicadores macroeconómicos.”
Neste novo normal, anteriores necessidades básicas são agora luxos. Alex estima que mais de metade dos gregos não consiga ir ao dentista se precisar. “A maioria das pessoas vive a pensar no que pode cortar a seguir. Na electricidade, não se pode cortar”, diz – mas alguns cortaram mesmo: mais de 40% dos gregos não conseguem pagar electricidade, segundo a agência Reuters. “Trocar o carro pelo autocarro? Já o fizemos em 2011. No telemóvel? Na Grécia a média de gasto mensal de um cartão pré-pago é de três euros”, nota. “Onde cortar mais? Se ganhas 500 euros e tens 700 euros de despesas, estás automaticamente na bancarrota…”
Este é um problema também para o Estado arrecadar impostos: muitas pessoas não conseguem pagar. O diário Kathimerini falava num círculo vicioso de sobrecarga fiscal: com o aumento de contribuições para a segurança social, fica menos rendimento disponível para retirar o IRS, por exemplo.
“Ao fim do mês, continua a não sobrar nada”, aponta Bruno Tersago. “Há pessoas a cortar todas as despesas que podem, até às vezes na comida, para conseguirem pagar os impostos.”
Não há ambições
Outro problema é que os novos empregos criados após a crise são sobretudo trabalhos em part-time mal pagos, acrescenta o jornalista (o que tem reflexo na sustentabilidade do sistema de pensões). “Muitos jovens vão vivendo, mas com trabalhos que são uma treta. São impedidos de ser mais ambiciosos”, lamenta Alex.
Electra, licenciada em Sociologia, passou anos a viver assim, de emprego precário e mal pago em emprego precário e mal pago, trabalhos esgotantes, em organizações de apoio a gregos afectados pela crise ou refugiados a fugir de guerras. Os contratos eram em geral “de um mês, ou, na melhor hipótese, seis meses”, diz, pautando o discurso com baforadas num cigarro que delicadamente perguntou se incomodava antes de acender, mesmo estando longe.
Mas Electra acha que foi mesmo por isso que tomou uma decisão difícil. “Fartei-me de ser explorada. Percebi que me esperava uma vida inteira de trabalho em más condições.” Aos 34 anos, deixou tudo, voltou para casa da mãe, e nos últimos meses está a estudar para o exame de admissão à Faculdade… de Medicina.
Electra sente-se com muita sorte por poder fazer esta tentativa. “Talvez no meu caso a crise tenha sido boa porque me obrigou a pensar bem no que queria para o futuro”, diz. O futuro que, na Grécia, é sempre incerto, para todos: trabalhadores por conta de outrém, por conta própria, com contratos com ou sem termo. “Tenho 34 anos e no meu círculo de amigos só dois têm filhos.” Ninguém sabe com quanto dinheiro pode contar no mês seguinte, mesmo quem tem emprego fixo: “A minha tia tem um emprego estável e tem sete meses de salários em atraso”, conta.
Assalto à conta no banco
“Esta tragédia até é engraçada”, diz Politimi (que acabou de sair de um ciclo de muitos anos de desemprego e maus empregos), enquanto enrola um cigarro, meio sarcástica. “Estamos sempre à espera do que vai acontecer desta vez. E de cada vez, acontece mesmo alguma coisa. Ou são os cortes nas reformas, ou o Governo poder ir às contas buscar dinheiro.”
Ela explica: “Se alguém tiver dívidas ao fisco, o Governo pode ir à conta tirar dinheiro. Ainda há semanas me fizeram isso! Tiraram 100 euros que não paguei no ano passado, relativos a 2016 – por outro lado, devem-me mais de 200 euros de impostos de 2017, que ainda não pagaram”, queixa-se.
Bruno Tersago conhece bem estes dois exemplos. Por exigência profissional, conta os cortes nas pensões de reforma: já houve 14 desde o início da crise, e há mais um programado, entra em vigor em Janeiro de 2019.
Em relação à autorização para a retirada de verbas das contas bancárias, fala de “um caso obsceno”: “Uma das pessoas afectadas pelos incêndios recebeu um apoio do Estado de mil euros. Mas como tinha dívidas fiscais, foram-lhe logo retirados. O caso provocou uma grande indignação, e devolveram o apoio, mas só porque a imprensa falou dele.”
Solução fora
A solução, para Politimi, é sair da Grécia ou encontrar meios de, dentro da Grécia, trabalhar com empresas estrangeiras, diz. Estima-se que mais de 550 mil pessoas tenham emigrado desde o início da crise. Hoje, 21% da população tem mais de 65 anos.
Como é que um país envelhecido, com uma fuga das pessoas em idade activa, e cujo crescimento económico é baseado no turismo, vai conseguir ter excedentes orçamentais ano após ano até 2060? Bruno Tersago não vê como. E sublinha: “Nunca nenhum país do mundo fez o que está a ser pedido à Grécia – nem a Alemanha”.
Alex procura uma imagem para ilustrar o problema. “É como se começássemos um jogo de futebol com o marcador não a zeros, mas logo a perder 2-0”. A situação é tão desfavorável que “só com um milagre”, diz.
E depois há o tempo. “Para a economia recuperar vão ser precisas décadas. Mas a vida das pessoas não vai esperar décadas. A vida das pessoas é agora.”