Morreu Uri Avnery, decano do campo da paz de Israel

Jornalista foi o primeiro israelita a entrevistar Yasser Arafat e um dos pioneiros, em Israel, na defesa da existência de dois Estados, um israelita e um palestiniano.

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Uri Avnery participa numa manifestação contra colonatos judaicos em Jerusalém Oriental, território palestiniano ocupado por Israel Baz Ratner/Reuters

Uri Avnery, uma das mais antigas e constantes vozes do chamado “campo da paz” em Israel, morreu esta segunda-feira, num hospital em Telavive, aos 94 anos.

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Uri Avnery, uma das mais antigas e constantes vozes do chamado “campo da paz” em Israel, morreu esta segunda-feira, num hospital em Telavive, aos 94 anos.

Avnery foi uma figura controversa: “símbolo da esquerda dura”, para o diário de grande circulação Yeditoh Ahronoth, “guerreiro pela paz”, para o Jerusalem Post, ou “o primeiro defensor da solução de dois Estados” em Israel; um israelita e outro palestiniano, no Ha’aretz, onde por vezes escrevia.

O encontro com Yasser Arafat, o líder palestiniano na altura da invasão do Líbano por Israel, faz parte da controvérsia. Avnery passou de Beirute oriental, controlada por Israel, para a parte ocidental da capital libanesa, onde entrevistou Arafat – uma entrevista dedicada à hipótese de paz.

Considerado um “traidor” por este encontro, Avnery ainda foi questionado pela polícia, mas não foi acusado de qualquer crime. Demoraria mais de dez anos até que as negociações secretas entre israelitas e palestinianos terminaram com acordos interinos que previam um Estado palestiniano ao lado de Israel. Estes acordos, segundo os quais deveria ter lugar uma transição gradual de poder nos territórios palestinianos ocupados, nunca foram levados a cabo até ao fim; palestinianos e israelitas culpam-se mutuamente pelo seu falhanço. 

Em 1993, ano da assinatura dos acordos, Uri Avnery funda o Bloco da Paz (Gush Shalom), porque não encontrava noutros grupos o foco na ocupação da Cisjordânia por Israel.

Avnery era muito crítico das acções militares israelitas nos territórios ocupados. A sua organização chegou a enviar cartas a militares destacados para os territórios dizendo-lhes que eram culpados de crimes equivalentes a crimes de guerra.

Helmut Ostermann, chamava-se assim então, emigrou com os pais, aos dez anos, da Alemanha onde Hitler acabara de ser eleito para a Palestina controlada pelos britânicos. Uri Avnery juntou-se, aos 15 anos, ao grupo sionista Irgun (era demasiado novo para combater, e mais tarde deixou o grupo, desconfortável com a posição anti-árabe). Imediatamente após a declaração de independência de Israel, em 1948, lutou na guerra que se seguiu integrado na brigada Givati, na frente Sul, e ficou ferido com gravidade em combate.

Fervoroso defensor do Estado de Israel, foi também um firme crítico das suas falhas. O seu último artigo no Ha’aretz criticava a lei do Estado-nação, aprovada há um mês, que determina que “Israel é a pátria histórica do povo judaico e, nela, ele tem um direito exclusivo à autodeterminação nacional”.