Os automata ou “robôs” dos jardins
Eram sofisticados bonecos mecânicos dos jardins do Renascimento, que procuravam divertir os visitantes e transmitir a ideia de poder e modernidade dos seus proprietários. Uma vez que imitavam a fisionomia e os movimentos dos seres animados, são considerados pelos especialistas como os antepassados dos robôs.
Um dos artefactos mais fascinantes dos jardins do Renascimento eram os automata: esculturas que, como por magia, se moviam e agiam como seres animados, causando a surpresa e a incredulidade nos visitantes, que tinham dificuldade em acreditar que não havia pessoas por detrás das máquinas.
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Um dos artefactos mais fascinantes dos jardins do Renascimento eram os automata: esculturas que, como por magia, se moviam e agiam como seres animados, causando a surpresa e a incredulidade nos visitantes, que tinham dificuldade em acreditar que não havia pessoas por detrás das máquinas.
Galateia, uma divindade grega dos mares calmos, puxada por dois golfinhos, deslizava sobre a água numa gruta que pretendia sugerir a costa da Sicília. Rochas, estalactites, conchas e búzios contribuíam para sugerir um ambiente natural no interior da gruta, onde se encontrava um ciclope chamado Polifemo, conhecido por ser um gigante imortal com um só olho no meio da testa. Sentado sobre uma rocha tocava um instrumento de sopro, de onde saía um som. Para o visitante, Galateia parecia mover-se autonomamente sobre a água, e Polifemo parecia tocar flauta. As duas figuras eram movidas pela força motriz da água, a qual accionava um dispositivo automático interno, que simulava movimentos e sons: os automata.
O sistema era constituído por uma roda hidráulica associada a uma roda dentada e a um sistema de roldanas, que faziam com que a figura da Galateia se movimentasse para trás e para a frente. Um mecanismo semelhante convertia a energia cinética da água em pressão do ar, que passava pelo tubo da flauta e originava um som. Este som dependia da forma e material do tubo, bem como da pressão da água. Os mecanismos que provocavam estas acções estavam ocultos dos olhos dos visitantes: alguns encontravam-se num compartimento lateral e outros eram cobertos por água até à altura das rochas. Enquanto o cenário da gruta era construído com rochas e conchas, as figuras eram de madeira ou metal pintados, para parecerem reais.
Mecanismos havia, constituídos por duas caixas comunicantes, que imitavam o cantar do rouxinol: a mais alta estava cheia de água e a mais baixa completamente vedada. O ar era pressionado na caixa inferior pelo esvaziamento da caixa superior, através de um tubo com uma torneira, que se abria quando se queria accionar o sistema. Outro tubo conduzia o ar da caixa inferior até ao local onde estava o pássaro. Este era de madeira ou metal pintado, com um pequeno apito que imitava o som do rouxinol, semelhante aos construídos pelos fabricantes de órgãos hidráulicos.
As imagens dos automata mostradas neste artigo encontram-se no livro Les Raisons des Forces Mouvantes (1615), da autoria do engenheiro e arquitecto Salomon de Caus. Trata-se de um livro sobre hidráulica, jogos de água, órgãos hidráulicos e outras máquinas accionadas pela força motriz da água – como os automata –, que foi particularmente importante para a divulgação destes sistemas na Europa. A obra incluía também, para além dos mecanismos dos jardins, explicações sobre os relógios hidráulicos.
Os automata eram sofisticados bonecos mecânicos dos jardins do Renascimento que procuravam, não só divertir os visitantes, mas também transmitir a ideia de poder e modernidade dos seus proprietários. Não surgiam normalmente isolados, mas sim inseridos em conjuntos complexos de grutas, fontes, jogos de água e órgãos hidráulicos, nos mais espectaculares jardins do Renascimento. Ainda hoje se podem ver em funcionamento em jardins italianos, tais como o do Palácio do Quirinal, em Roma, e o de Villa d’Este, em Tivoli, Itália.
A tecnologia utilizada nestas máquinas servia igualmente outros propósitos, para além dos lúdicos, sendo também usada na agricultura e indústria. Mas o facto de muitas destas novidades terem sido pela primeira vez experimentadas e desenvolvidas em jardins, coloca-os entre os mais interessantes objectos de estudo da história das ciências e da tecnologia.
Uma vez que os automata imitavam a fisionomia e os movimentos dos seres animados, são hoje considerados pelos especialistas os antepassados dos autómatos – ou robôs.
Historiadora de ciência
Esta série, às segundas-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação