“Ljubomir-Cooper-Stanisic” e “Alexandre-Clooney-Silva” à volta dos tachos e da sustentabilidade
O mediático chef jugoslavo, consultor no hotel de Samodães, Lamego, está a convidar os amigos para irem cozinhar com ele. Os jantares a quatro mãos são experiências gastronómicas marcantes que promovem uma alimentação saudável e sustentável.
Ljubomir Stanisic já despiu a jaleca há umas horas. Está agora de calções e t-shirt sentado a uma mesa do bar do Six Senses Douro Valley, o hotel nas margens do rio onde é chef consultor, a fazer a retrospectiva do jantar da noite anterior. “Sou amigo do Alexandre há mais de dez anos e nunca tínhamos cozinhado juntos”, reflecte. Alexandre é Alexandre Silva, o chef do Loco, em Lisboa, uma estrela Michelin. “Não gosto muito desta coisa de partilhar cozinhas. Na verdade, não gosto muito de pessoas”, atira, imperturbável. Alexandre, sentado numa cadeira ao lado, também ele de calções e t-shirt, ri-se.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ljubomir Stanisic já despiu a jaleca há umas horas. Está agora de calções e t-shirt sentado a uma mesa do bar do Six Senses Douro Valley, o hotel nas margens do rio onde é chef consultor, a fazer a retrospectiva do jantar da noite anterior. “Sou amigo do Alexandre há mais de dez anos e nunca tínhamos cozinhado juntos”, reflecte. Alexandre é Alexandre Silva, o chef do Loco, em Lisboa, uma estrela Michelin. “Não gosto muito desta coisa de partilhar cozinhas. Na verdade, não gosto muito de pessoas”, atira, imperturbável. Alexandre, sentado numa cadeira ao lado, também ele de calções e t-shirt, ri-se.
Quem conhece a personalidade de Ljubomir, chef jugoslavo de 40 anos, sabe que ele é assim, provocador. E quem não conhece é capaz de o achar arrogante, às vezes desagradável. Que o diga a hóspede do Dubai com quem partilhámos a mesa na véspera. Foi ela, aliás, que deu o mote para o título desta reportagem: na Open Kitchen do hotel, os dois cozinheiros, atarefados, ultimavam o desfile de 18 pratos que iriam servir dali a pouco e a hóspede, desinibida, cirandava por ali. Ljubomir pediu-lhe que se sentasse. “Você parece o Bradley Cooper [no filme Burnt, de 2015, no qual o actor interpreta um chef de cozinha que caiu em desgraça e procura depois redimir-se conquistando uma terceira estrela Michelin para um restaurante de Londres] e o seu colega, que é um gentleman, parece o George Clooney.”
Não é à toa que a hóspede é para aqui chamada. Nesta tarde de domingo, quando estamos à conversa com os dois chefs, ela continua a rondar. Quando terminamos dirige-se de novo a Ljubomir, pede-lhe desculpa pela noite anterior e diz-lhe isto: “A comida foi incrível. Foi uma das melhores experiências que já tive.” Tudo está bem quando acaba bem: não é esse o melhor elogio que podem dar um chef?
Voltemos à noite anterior e sentemo-nos à mesa, para provar o que Ljubomir e Alexandre Silva prepararam para nós. Ainda não sabemos, mas esperam-nos quatro horas, quatro, a ver desfilar os pratos dos chefs. Começamos com o “mata-bicho” de Ljubomir, uma sanduíche de bacon com alcatra e caviar de lima: primeiro apontamento crocante da refeição e um dos poucos que incluirá carne na sua confecção. Nas próximas horas, andaremos sobretudo à volta do peixe e dos vegetais.
À mesa, onde se acomodam 14 comensais, entre hóspedes do hotel e jornalistas, chega agora Alexandre Silva, que serve um rolo de alga nori com fígado de tamboril, um dos momentos mais gabados da noite. Seguimos para ostra com caril verde, depois para berbigão com gelatina, haveremos de passar por camarão e mexilhão, até que chegamos ao ravioli com carbonara de queijo da Serra e trufa. E vão sete pratos, mas este, para já, leva a taça.
No dia seguinte, quando nos explica que estes jantares a quatro mãos nunca envolvem grande combinação entre os dois chefs que partilham a cozinha, Ljubomir revela que o ravioli não estava no plano inicial. “Tínhamos pensado fazer oito pratos, quatro cada um. Mas depois, com os produtos que eu tinha pedido ao meu chef executivo para comprar, acabámos por fazer mais. O pregado, por exemplo, deu para três pratos.” Lá chegaremos, chef, ao pregado, para já ainda nos deliciamos com a textura delicada do queijo da Serra e o sabor pronunciado da trufa. Em boa hora levaram o ravioli para o menu!
Prosseguimos com sashimi de salmonete e depois divertimo-nos com um chupa-chupa de foie gras com cereja e flores de funcho — não é só fun, é um concentrado de sabores. Já perdemos a conta aos pratos que nos passaram pela frente, mas ainda há várias surpresas na manga. A sopa de sardinha com sardinha fumada e alho francês fica na memória, mas mais ainda a carne fermentada, pregado e flor de alho francês. Ljubomir avisa que a carne tem um “sabor muito forte” e não nos engana: é forte, sim, mas inesquecível.
Com o peixe-galo, cerejas e espinafres vem para a mesa um vinho muito especial: um Porto da Quinta Vale de D. Maria de 1870, resultado de uma provocação de Ljubomir a Cristiano van Zeller. “Primeiro achei que ele estava louco, depois comecei a pensar que podia resultar”, comenta o enólogo. A reacção dos comensais revela que Stanisic tinha razão. Ainda não se vislumbra o fim do jantar — ainda servirão a bochecha de porco bísaro com moscatel, trufa, cogumelos e legumes da horta, mais as duas sobremesas, sorbet do jardim e morangos — mas este vinho é uma espécie de fecho com chave de ouro.
Sustentabilidade é fundamental
O jantar que juntou Ljubomir e Alexandre Silva foi o segundo a quatro mãos que o hotel de Samodães, Lamego, organizou este Verão. O primeiro levou o espanhol Patricio Fuentes à cozinha de Ljubomir — “Somos amigos há muitos anos, como sou amigo do Alexandre [Silva] há muitos anos. Aliás, os chefs que vão passar por aqui são todos meus amigos, porque para mim isso é que faz sentido”, explica Stanisic. O próximo encontro está marcado para o último fim-de-semana de Agosto, e trará ao Douro Hugo Nascimento, da Tasca, Peixaria e Padaria da Esquina (todos de Vítor Sobral). E em Outubro haverá mais, embora o elenco ainda não esteja fechado. O preço é de 120€ por pessoa.
Subjacente a cada um destes jantares está a filosofia “Eat with Six Senses”, replicada em vários hotéis do grupo em todo o mundo e que, em traços largos, promove uma alimentação saudável e sustentável. Explica Ljubomir: “Sustentabilidade em primeiro lugar. Nós trabalhamos com produtores que respeitam esse princípio, investimos neles para que os produtos sejam os melhores possíveis. Não usamos químicos, mas sim pesticidas naturais, temos as nossas próprias hortas, tentamos que o peixe que usamos seja todo pescado no anzol. Obviamente de vez em quando saímos da linha: a sardinha não se pesca no anzol e nem sempre recebemos o peixe em caixas de madeira, como preferimos, mas sim em recipientes de esferovite. Mas temos cuidado com o produto, com o produtor, com o planeta e connosco próprios.”
Alexandre Silva partilha deste pensamento e foi também por isso que “Ljubo” o convidou: “‘Eat with Six Senses’ é completamente a cara do Alexandre.” O chef do Loco acena com a cabeça. “Eu interesso-me muito por essa questão. Nós, os chefs, temos um dever social e a sustentabilidade é fundamental. Claro que ainda não consegues ser 100% sustentável, tudo o que está ao teu redor não te deixa. Estas preocupações encarecem muito as experiências”, comenta. E dá um exemplo: “O preço de um quilo de açúcar de coco, sem químicos, é de mais de 600% face a um quilo de açúcar refinado. E o cliente nem sempre entende por que é que uma mousse de chocolate pode ser tão cara: é cara porque o cacau não foi apanhado por uma criança de cinco anos, porque não leva açúcar refinado, porque a gordura é uma gordura como deve ser. As pessoas querem que lhes saiba bem e querem pagar três euros. Agora quando lhes pedem oito, ou dez ou doze euros… Soube-lhes bem à mesma, fez-lhes menos mal, mas isso já não querem pagar.”
Há um longo caminho a percorrer nesta matéria, concordam os dois chefs. “A população mundial aumentou e a observação sobre a alimentação é uma coisa muito preocupante. Dentro de alguns anos, não vai haver comida suficiente. E o papel dos grandes cozinheiros é saberem reinventar-se”, declara Ljubomir. Pela parte que lhe toca, garante que já está a fazê-lo. “Tive um problema de saúde e passei realmente a preocupar-me com comer saudável. E atenção que, para mim, comer um porco de 160 quilos é comer saudável. É preciso é sabermos o que estamos a comer. Um animal gordo, que teve um pasto bom, que não comeu farinhas, como um bom porco mangalitsa ou bísaro, é um alimento saudável. Já 99% do que vemos nos supermercados…”
Reticências, longas reticências, que só terminam quando lhe perguntamos pelo Terroir, o restaurante vegetariano que abriu há um ano no Six Senses. “Estou apaixonado por ele. Abrimos quatro dias por semana, os hóspedes adoram, é um verdadeiro sucesso, porque é um restaurante vegetariano que serve comida com sabor. Aproveitamos os produtos da nossa horta, criámos o nosso quilómetro 20, com mais duas hortas e sítios fantásticos de onde saem produtos fantásticos. Foste lá comer? Não? Como não?”
A Fugas esteve alojada a convite do Six Senses Douro Valley