Trump nem precisa de usar a palavra "preto" para ser racista
É quase irrelevante se é verdade ou não a revelação da antiga assessora do Presidente dos EUA Omarosa Manigault Newman de que Trump teria utilizado a palavra "preto", quando ele pode usar tantas outras palavras que provocam as mesmas reacções.
Diz-se muitas vezes que o Presidente Trump é descuidado com o uso que faz da linguagem. Isso é subestimar um homem que demonstra a precisão de um piloto de combate quando faz ataques racistas e sexistas. As suas palavras têm um efeito claro – estimular e normalizar o preconceito – enquanto garante uma fachada de negação para si mesmo e para quem o apoia.
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Diz-se muitas vezes que o Presidente Trump é descuidado com o uso que faz da linguagem. Isso é subestimar um homem que demonstra a precisão de um piloto de combate quando faz ataques racistas e sexistas. As suas palavras têm um efeito claro – estimular e normalizar o preconceito – enquanto garante uma fachada de negação para si mesmo e para quem o apoia.
É por isso que, de certa forma, é quase irrelevante se é verdadeira ou não a revelação estrondosa que a sua antiga assessora Omarosa Manigault Newman fez no seu novo livro de que Trump teria utilizado a palavra preto (que nos EUA é insulto racial utilizado para se referir a pessoas de pele negra) e de que existe uma gravação disso algures. Trump negou-o no Twitter, mas a sua porta-voz Sarah Huckabee Sanders disse “não poder garantir” que tal gravação não existe.
O Presidente Donald Trump não precisa de usar esta palavra em específico, quando pode utilizar tantas outras que provocarão as mesmas reacções.
Consideremos a linguagem utilizada pelo presidente na terça-feira de manhã para descrever Manigault Newman, uma célebre concorrente do concurso The Apprentice e que se tornou a contratação afro-americana mais proeminente da Casa Branca de Trump.
“Quando se dá uma oportunidade a uma louca chorona e lhe damos um emprego na Casa Branca, parece que simplesmente não resulta. O general Kelly fez um óptimo trabalho ao despedir aquele cão!”, escreveu Trump na sua conta do Twitter, com 53,8 milhões de seguidores.
Aquele cão.
Estas duas palavras evocam séculos de vergonhosa história em que pessoas de pele negra eram tratadas como animais.
Os defensores de Trump irão certamente dizer que ele já usou comparações com cães quando se referia a homens brancos. Mas isso foi sempre ao falar sobre os seus falhanços ou transgressões: Mitt Romney “engasgou-se que nem um cão” quando concorreu à presidência; o jornalista David Gregory, o comentador Erick Erickson e o apresentador de televisão Glenn Beck foram todos despedidos “como” cães. Eles não eram cães.
Esta é a diferença quando o seu alvo é uma mulher ou uma pessoa não-branca: Trump transforma-os muitas vezes em algo menos do que pessoas. Os membros do gangue latino MS-13 são “animais”, cujos actos são amplificados para que se receiem todos os imigrantes ilegais. A antiga Miss Universo Alicia Machado disse que Trump lhe chamou “Miss Piggy” quando ganhou peso depois do concurso.
Se Trump é criticado por um afro-americano, a sua primeira reacção é atacar o seu intelecto. Quando se refere à congressista democrata Maxine Waters, Trump salienta vezes e vezes que a mesma tem “um QI muito baixo.”
Este mês, Trump tweetou sobre uma entrevista que viu na CNN, cujos protagonistas eram dois homens negros: “Lebron James acabou de ser entrevistado pelo homem mais burro da televisão, Don Lemon. Ele fez com que Lebron parecesse inteligente, o que não é tarefa fácil.” Também disse que Manigault Newman “não é esperta.”
As palavras são por si próprias evasivas o suficiente para desencorajar qualquer pessoa de atribuir o mais vergonhoso rótulo à pessoa que as utiliza.
Durante a campanha de 2016, perguntei directamente a Hillary Clinton durante um debate democrata: Donald Trump é racista?
Ela respondeu evasivamente: “As pessoas podem tirar as suas próprias conclusões sobre ele.”
Os seus defensores irão argumentar que todos estes comentários não revelam nada mais sinistro do que uma natureza defensiva. “O Presidente procura estar em igualdade e diz as coisas como elas são. Combate fogo com fogo,” disse Sanders. Mas é difícil argumentar tal coisa, quando se avalia há quantas décadas Trump faz das pessoas não-brancas "Os Outros" e alimenta a divisão racial para alcançar as suas ambições.
Em 1989, enquanto Trump ponderava concorrer a mayor de Nova Iorque, a violação e agressão de uma mulher branca, banqueira de investimentos, enquanto corria, chocou a cidade. O magnata do ramo imobiliário publicou anúncios de página inteira em quatro jornais importantes da cidade, exigindo a pena de morte para os cinco adolescentes – quatro negros e um hispânico – que tinham sido acusados do crime. Depois de anos na prisão, as suas condenações acabaram por ser anuladas, mas Trump nunca pediu desculpa ou mostrou arrependimento das suas presunções.
“Donald Trump foi o instigador de tudo,” disse Yusuf Salaam, um dos homens erradamente condenados.
Trump começou a sua corrida à presidência da mesma forma, liderando uma campanha para difamar o primeiro Presidente afro-americano do país, ao exigir a certidão de nascimento para provar se teria realmente nascido nos EUA.
E o comentário mais lamentável de uma presidência que tem feito bastantes: a afirmação de Trump de que “ambos os lados” tinham culpa da violência e morte em Charlottesville no ano passado, quando nacionalistas brancos se manifestaram na cidade e um deles atropelou mortalmente uma mulher, que fazia parte dos grupos que ali se tinham juntado para protestar contra a marcha de extrema-direita.
No último fim-de-semana, Trump assinalou o aniversário da tragédia com um tweet onde condenava “todos os tipos de racismo.”
Esta foi outra escolha interessante de palavras, uma vez que o racismo não precisa de tal qualificador. No fim, só existe um tipo de racismo. Apenas encontra muitas formas de se expressar.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução de Ana Silva