Câmara do Porto avança com queixa-crime contra ex-vereador Correia Fernandes

Antigo responsável pelo Urbanismo acusou Rui Moreira de mentir no caso da construção dos prédios na escarpa da Ponte da Arrábida.

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Correia Fernandes foi vereador do Urbanismo durante quase todo o primeiro mandato de Rui Moreira Adriano Miranda

A Câmara do Porto vai avançar com uma queixa-crime, por difamação, contra o ex-vereador do Urbanismo no primeiro mandato de Rui Moreira, Manuel Correia Fernandes. Em causa estão as declarações do arquitecto à Lusa, em que acusou o actual presidente da autarquia de mentir ao atribuir-lhe a responsabilidade pela aprovação do projecto em curso na escarpa junto à Ponte da Arrábida.

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A Câmara do Porto vai avançar com uma queixa-crime, por difamação, contra o ex-vereador do Urbanismo no primeiro mandato de Rui Moreira, Manuel Correia Fernandes. Em causa estão as declarações do arquitecto à Lusa, em que acusou o actual presidente da autarquia de mentir ao atribuir-lhe a responsabilidade pela aprovação do projecto em curso na escarpa junto à Ponte da Arrábida.

Em comunicado, o gabinete de comunicação da autarquia indica que as declarações de Correia Fernandes “põem em causa o bom nome da instituição Câmara Municipal do Porto, dos seus responsáveis e funcionários e, claro, do presidente da câmara, Rui Moreira”. Por isso, acrescenta-se no documento, a direcção jurídica da autarquia decidiu avançar com a queixa-crime por difamação, arrolar como testemunha “todos os intervenientes no processo”, incluindo funcionários da autarquia e os promotores do projecto "que participaram em reuniões com o arquitecto Manuel Correia Fernandes, tendentes a discutir os PIP [Pedidos de Informação Prévia] que este aprovou e onde consta a solução da construção de um edifício com 51 metros de cércea”.

A Câmara do Porto informa ainda que “dirigiu há meses ao Ministério Público um ofício disponibilizando-se para fornecer todos os dados que este entenda necessários ao apuramento da verdade relativamente a este empreendimento que tem sido alvo de especulação, difamação e mentira política constante” e “insta” os responsáveis políticos, desde 2001, altura em que houve a primeira aprovação para que se construa naquele local, a “declararem se se enganaram ao fazê-lo ou se, entretanto, se arrependeram e entendem que, devido aos seus erros, devem os promotores ser indemnizados”.

A questão da responsabilidade pela aprovação da empreitada em curso na escarpa da Arrábida já fora discutida pelo executivo camarário em Abril deste ano, quando o actual vereador do Urbanismo, Pedro Baganha, afirmou que fora Correia Fernandes quem aprovara o PIP que permitira a construção. Na altura, o ex-vereador socialista, que assumiu o Urbanismo até Maio de 2017, sendo depois substituído por Rui Losa até ao final do primeiro mandato, já clarificara que, apesar de ter aprovado o PIP, tinha havido um licenciamento do projecto, já da responsabilidade de Losa e a emissão do alvará de construção, emitido por Pedro Baganha.

O caso complicou-se depois de Rui Moreira publicar um artigo de opinião no Jornal de Notícias, no domingo, em que se refere exclusivamente a Correia Fernandes como o responsável pelo avançar da obra. O autarca escreveu que “é preciso ser dito, por ser verdade, que foi […] o arquitecto Manuel Correia Fernandes que aprovou o último PIP, com a configuração e dimensão do que está a ser construído.” Moreira acrescentava: “É com base nessa decisão, que nunca partilhou comigo, porque não tinha que o fazer, que os edifícios estão a ser construídos”.

Esta segunda-feira, em declarações à Lusa e reagindo a este artigo, o ex-vereador defendeu que a construção em curso “decorre” das autorizações dos seus sucessores, afirmando: “Tudo o que se diga em contrário é mentira e não vou admitir que a mesma continue a ser repetida impunemente." No mesmo dia, a câmara insistiu nas responsabilidades do arquitecto, dizendo que Rui Losa apenas aprovara uma alteração de função do projecto, que deixaria de ter um edifício destinado a um hotel para ser exclusivamente de habitação. Ao PÚBLICO, Correia Fernandes garantiu que, legalmente, essa mera alteração poderia ser justificação para o PIP por ele aprovado deixasse de ter validade, já que este instrumento obriga a que o licenciamento do projecto a que se refere cumpra, na íntegra o que fora apresentado – forma e função.

Esta terça-feira, no comunicado enviado às redacções, a câmara defende que, por causa da aprovação dos PIP por Correia Fernandes, ficou “obrigada a licenciar aquela obra”. No documento, lê-se ainda: “Mesmo que o licenciamento da obra tivesse ocorrido mais tarde, foram estes dois PIP aprovados que obrigaram a Câmara Municipal do Porto a emitir as licenças, sob pena de cometer ilegalidade. Queria Correia Fernandes que, após a aprovação que deu à construção naquele local e com aquela volumetria, a Câmara do Porto invertesse as suas decisões e indemnizasse de forma milionária os promotores aos quais deu despacho favorável?”.

Já durante a tarde, o PS "repudiou" a decisão do município. Os actuais vereadores deste partido, que esteve coligado com Rui Moreira no mandato anterior, consideram que "a apresentação desta queixa-crime é absolutamente disparatada do ponto de vista jurídico. Com esta atitude, a maioria municipal chefiada por Rui Moreira tenta limitar a liberdade de expressão e condicionar o exercício do direito de crítica", insistem.

Garantindo que "não se deixarão condicionar por actos de pura perseguição política, ainda que disfarçados de queixas judiciais e realizados à custa do erário público", os vereadores liderado por Manuel Pizarro dizem ainda, em comunicado, que, ao agir desta forma, "Rui Moreira tenta uma manobra de diversão para fugir ao escrutínio de projectos imobiliários que têm causado perturbação na opinião pública e cuja tramitação deve ser exaustivamente esclarecida". E exprimem total solidariedade com Manuel Correia Fernandes, "arquitecto de méritos firmados, professor jubilado da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, cidadão com amplo e impoluto percurso cívico", descrevem.

A Câmara do Porto faz acompanhar o comunicado em que anunciou o processo por difamação de uma lista de todas as aprovações que, ao longo dos tempos, foram permitindo o avanço do projecto na escarpa da Arrábida. O primeiro PIP foi aprovado ainda em 2002, quando Nuno Cardoso estava prestes a abandonar a presidência da câmara. Seguiram-se outras aprovações que atravessaram os mandatos de Rui Rio e em que as construções previstas para o local foram sendo alteradas.

Na última grande alteração, já com Correia Fernandes, passou-se de um conjunto de vários edifícios, que formariam uma espécie de “parede” em frente à escarpa, para uma construção mais alta. O que foi licenciado são dois edifícios, com 16 pisos (já em construção) e outro com oito). Depois de ter dito à Lusa que o projecto que está ser desenvolvido é “substancialmente” diferente do que fora aprovado por ele, Correia Fernandes explicou ao PÚBLICO que o que está em causa é a “forma” da construção que, na proposta que aprovou seria “mais esbelta”, já que em matéria de área de construção e de cércea não há, praticamente, diferenças.

O PSD não quis ficar de fora desta discussão, e, segundo a Lusa, a concelhia deste partido pediu esta terça-feira à câmara esclarecimentos adicionais para que a cidade possa ficar a saber quem "por incompetência, má vontade ou eventual má-fé" permitiu que a zona ribeirinha ficasse "manchada" com a obra na Arrábida. Depois de lerem os documentos disponibilizados pela autarquia, os social-democratas indicam, em comunicado, que fica "claro" que, na escarpa da Arrábida, "todas as responsabilidades políticas por acção" cabem ao ex-presidente Nuno Cardoso (PS) e ao actual presidente Rui Moreira (independente).

A concelhia do PSD pede agora que a câmara e o seu presidente "explicitem as razões que levaram a que, desde 2013, ou seja durante cinco longos anos, a CMP não tenha sido capaz ou não tenha tido vontade de em articulação com a DGPC [Direção-Geral do Património Cultural], concretizar a definição da Zona Especial de Proteção [ZEP] Monumento Nacional - Ponte da Arrábida", mas, em resposta, também à Lusa, o município e argumenta que "a ZEP nada tem a ver com este assunto, conforme sabe o PSD, que sabe também que essa medida, inócua para este caso, é da exclusiva responsabilidade do Ministério da Cultura e que durante a governação do PSD [na câmara] nunca a ZEP foi constituída".

Questionada pela Lusa, a Câmara do Porto assinala que "o PSD Porto consegue omitir no seu comunicado 12 anos de governação municipal, liderados por Rui Rio, durante os quais foi viabilizada a construção, aprovados PIP e até passada licença de obra, situação em que o executivo de Rui Moreira encontrou" o processo da Arrábida. Acrescenta ainda a autarquia que "está muito desatento, o PSD, porquanto os documentos em causa foram consultados por vários partidos da oposição que em tempo o requereram" e que os mesmos "foram exibidos e entregues aos deputados da Assembleia Municipal, e a todos os actuais vereadores, pelo presidente da câmara em Maio último e por sua iniciativa". Com Lusa