Há quase 2000 processos contra médicos à espera de desfecho

Só nos primeiros seis meses deste ano, os três conselhos disciplinares da Ordem abriram 563 processos disciplinares a médicos. São três por dia. Casos mediáticos de 2017 aguardam resolução.

Foto
Rui Gaudencio

Há pouco mais de um ano, o médico Manuel Pinto Coelho defendia, numa entrevista ao Expresso, a ingestão de água do mar diluída, a exposição ao sol sem uso de protector e desaconselhava o consumo de estatinas em muitos casos de colesterol elevado. Dias depois, no mesmo jornal, eram as palavras do cirurgião Gentil Martins que levantavam nova polémica ao dizer que a homossexualidade era “uma anomalia”. Estas declarações resultaram, na altura, em processos junto do Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos. Mas ainda não existem conclusões.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há pouco mais de um ano, o médico Manuel Pinto Coelho defendia, numa entrevista ao Expresso, a ingestão de água do mar diluída, a exposição ao sol sem uso de protector e desaconselhava o consumo de estatinas em muitos casos de colesterol elevado. Dias depois, no mesmo jornal, eram as palavras do cirurgião Gentil Martins que levantavam nova polémica ao dizer que a homossexualidade era “uma anomalia”. Estas declarações resultaram, na altura, em processos junto do Conselho Disciplinar do Sul da Ordem dos Médicos. Mas ainda não existem conclusões.

Nos primeiros seis meses deste ano, os três conselhos disciplinares da Ordem dos Médicos abriram 563 processos contra clínicos, de acordo com dados enviados ao PÚBLICO. É uma média de três por dia. O número faz parte do bolo de 1917 queixas ainda em análise (e junta processos que transitaram de anos anteriores). Na lista estão estes dois casos mediáticos, assim como o processo aberto a um médico anestesista que, em Abril de 2017, numa entrevista à SIC, associava a vacina do sarampo ao autismo.

O presidente do conselho disciplinar do Sul diz que estes processos “estão em curso” e a “seguir o seu trajecto normal”. Carlos Pereira Alves explica que “foram distribuídos pelos relatores e estão a ser analisados”. “O relator faz a sua análise, se achar necessário pede informações aos intervenientes, a colégios da especialidade e é isso que está a acontecer agora”.

São os casos mediáticos que acabam por dar mais visibilidade a uma das funções da Ordem dos Médicos que o bastonário classifica, a par da formação, das mais importantes. “Quando queremos oferecer qualidade nos serviços prestados aos doentes temos de ter em conta a qualidade técnico-científica, a formação e a qualidade dos nossos deveres éticos e deontológicos”, afirma Miguel Guimarães.

“O Dr. Pinto Coelho fez várias afirmações sobre o tratamento do colesterol. Houve médicos que me reportaram que alguns doentes deles deixaram de fazer estatinas depois de o terem ouvido. Os potenciais efeitos nos doentes não são imediatos, serão passados uns anos. Em relação às vacinas, provavelmente não haverá nada com um valor tão provado como as vacinas. Salvam milhões de vidas todos os anos”, diz o bastonário. É por isso que considera estas situações “graves”.

“Divulgarem informações que não têm suporte científico desta forma é grave, porque pode ter implicações nas pessoas. É por isso que têm processos disciplinares”, acrescenta Miguel Guimarães, assumindo que o deixa “muito preocupado” os processos ainda não estarem concluídos.

Cinco expulsões

Pereira Alves afirma que para o conselho disciplinar do Sul “não há processos mediáticos ou não mediáticos”. “Há processos e os processos correm os seus trâmites normais. O tempo que demoram depende da sua complexidade. Há processos que são quase imediatos, outros em que é preciso ouvir colégios e outros especialistas. Essas coisas têm os seus timings.” Questionado sobre se é o caso destas situações, diz não poder especificar a fase exacta dos procedimentos por não ter conseguido falar com os relatores.

De acordo com os dados da Ordem dos Médicos, das centenas de processos abertos pelos três conselhos disciplinares nos últimos cinco anos e meio, mais de três mil foram arquivados e 290 deram origem a condenações. Destas, 37 foram suspensões e outras cinco foram expulsões, as duas sanções mais graves.

De volta a 2018, a grande maioria dos processos activos no primeiro semestre pertencem ao conselho disciplinar do Sul: 1348. O Norte tem 162 e o Centro 407. Foi também o Sul, em comparação com os outros dois conselhos disciplinares, que abriu mais processos no mesmo período. Quanto a casos encerrados este ano, até ao final de Junho, o Sul tinha 214, o Norte 165 e o Centro 87. Em qualquer um dos conselhos, a maioria dos processos foi arquivada. E em todos eles houve também condenações: 10 no Sul, 19 no Norte e cinco no Centro.

Carlos Pereira Alves diz que “o Sul tem mais processos, porque tem mais médicos”. Nesta região estão inscritos perto de 25 mil clínicos. O conselho disciplinar tem 17 membros, mais do que em anos anteriores. Essa foi uma das medidas que tomaram para agilizar a resposta. Outra foi digitalizar os processos para que a circulação seja mais rápida. E houve um reforço da parte administrativa. Também estão a tomar medidas para que as respostas dos colégios aos pedidos de pareceres possam ser mais rápidas. “Estamos a fazer um esforço para melhorar a resposta, mas é um esforço frustrado pelo aumento de queixas”, salienta.

Aumentar

Mais queixas

Os motivos das reclamações são vários — desde situações relacionadas com a organização dos serviços, falta de meios, a forma como o médico falou com o doente, a não realização de exames que o doente contava fazer, situações de alegada negligência até casos que são encaminhados pelo Ministério Público e pela Entidade Reguladora da Saúde.

Também a presidente do conselho disciplinar do Centro refere que “as queixas têm aumentado”, por um lado porque os cidadãos estão mais alerta para os seus direitos. Mas Isabel Luzeiro dá conta também de um acréscimo de queixas de relacionamento entre médicos, que pensa ter a ver “com a exaustão” dos profissionais.

As especialidades das quais recebem mais queixas são medicina do trabalho e medicina geral e familiar. O conselho disciplinar do Centro tem sete elementos e a secção regional tem 8930 inscritos. A presidente explica que tomaram medidas para agilizar os processos e que conseguiram “ganhar no tempo em relação a anos anteriores”.

É Isabel Luzeiro que faz a primeira avaliação de todos os processos, fase que designa de averiguação. Da reunião com todos os elementos resultam ou uma proposta de arquivamento ou a continuidade do processo disciplinar. Se for o último caso, fazem-se pedidos de informação aos serviços e aos colégios da especialidade. Por vezes têm também de esperar pela conclusão de processos que correm na justiça antes de tomarem uma decisão final.

No Norte, medicina geral e familiar, ginecologia e ortopedia são as especialidades com mais queixas. A região tem 18.718 clínicos inscritos. O conselho disciplinar é composto por 11 elementos. A presidente diz que também eles têm feito “um esforço grande” para serem céleres nas averiguações. Fátima Carvalho explica que têm uma reunião semanal onde avaliam as queixas entradas durante a semana. “Vemos se estão conformes e, se não estiverem, pedimos os esclarecimentos necessários. Se estiver conforme, pedimos os dados clínicos, o processo clínico se for caso disso, documentação e vemos o que têm a dizer o médico ou os médicos arguidos. Em alguns casos pedimos logo parecer aos colégios.” Há ainda uma reunião mensal. Na semana anterior a esta os processos são distribuídos aos elementos do conselho. São discutidos depois na semana seguinte. “Isto permite que não haja processos parados.”