Braço-de-ferro entre Erdogan e Trump mantém Ancara no centro de um terramoto financeiro
Presidente turco recusa ceder às pressões dos EUA e admite procurar novos aliados. Intervenção na economia insuficiente para travar queda da lira e acalmar mercados internacionais.
Recep Tayyip Erdogan não cede. Com a lira turca a cair a pique e a economia do país a enfrentar um cenário de colapso, o Presidente da Turquia recusa curvar-se perante Donald Trump e insiste no apelo à resistência contra a “guerra económica” de Washington, a quem acusa de ter espetado uma “faca nas costas” de Ancara. Enquanto aguarda por mais “ataques”, Erdogan ordenou a intervenção do banco central na economia e abriu os braços a “novos aliados”, piscando o olho à Rússia, à China e ao Qatar.
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Recep Tayyip Erdogan não cede. Com a lira turca a cair a pique e a economia do país a enfrentar um cenário de colapso, o Presidente da Turquia recusa curvar-se perante Donald Trump e insiste no apelo à resistência contra a “guerra económica” de Washington, a quem acusa de ter espetado uma “faca nas costas” de Ancara. Enquanto aguarda por mais “ataques”, Erdogan ordenou a intervenção do banco central na economia e abriu os braços a “novos aliados”, piscando o olho à Rússia, à China e ao Qatar.
O todo-poderoso Presidente turco – reeleito para o cargo em Junho, no final de um processo de transformação política assente numa vaga de repressão sem precedentes – reafirmou esta segunda-feira que a queda da lira é o resultado de uma “conspiração”. Garantiu que a moeda turca vai regressar rapidamente a “níveis racionais”, pese a disseminação de notícias “enganadoras” sobre o seu desempenho nos últimos dias. A lira já caiu este ano cerca de 40% face ao dólar.
“Os desenvolvimentos das últimas semanas mostraram que a Turquia está sitiada. E parece óbvio que estes ataques ainda vão continuar”, afiançou Erdogan, citado pela Reuters, após um encontro com embaixadores, onde voltou a invocar o patriotismo como principal arma de arremesso contra o “unilateralismo e a falta de respeito” de Washington. “Vocês [EUA] actuam, por um lado, como parceiros estratégicos, mas por outro, dão tiros no pé do vosso parceiro estratégico”, acusou ainda.
O banco central turco assegurou que serão tomadas “todas as medidas necessárias para manter a estabilidade financeira” e para “providenciar toda a liquidez que os bancos precisarem”. Entre as medidas já reveladas, destaca-se a triplicação do valor em liras que as instituições financeiras podem pedir emprestado a partir das suas reservas em moeda estrangeira, de 7,2 mil milhões de euros para 20 mil milhões.
Garantias que ajudaram a lira a recuperar um pouco da queda face do dólar – ao início do dia bateu um novo mínimo face à moeda norte-americana (7,24 liras/dólar) –, mas insuficientes para acalmar os mercados mundiais. Nomeadamente os emergentes – como a África do Sul ou a Argentina –, que reagiram de forma negativa à instabilidade turca, com as bolsas a abrir no vermelho e com o dinheiro a fluir para activos mais seguros.
Bancos como o BBVA (Espanha) ou o UniCredit (Itália) contam-se entre as entidades europeias que registaram maiores perdas, numa lista onde também entram o Commerzbank e o Deutsche Bank (Alemanha).
Curvar-se só perante Deus
Os últimos capítulos da “conspiração” denunciada por Erdogan sucederam-se a uma velocidade vertiginosa nas últimas semanas e com consequências nefastas para a economia. A detenção do pastor protestante norte-americano Andrew Brunson na Turquia, por alegada cumplicidade com o imã Fethullah Gülen – o homem que Ancara identifica como “cabecilha” do golpe de Estado falhado de 2016 e que reside nos EUA –, levou a administração Trump a impor um conjunto de sanções económicas à Turquia e a duplicar as taxas aplicadas às importações de alumínio e aço.
O impacto das movimentações norte-americanas contra o aliado da NATO agravou-se na sexta-feira com a “celebração” do Presidente dos EUA, no Twitter, com o facto de a divisa turca estar “a deslizar muito rapidamente contra o muito forte dólar”. Os mercados tiveram uma reacção forte e aumentou o risco de contágio mundial.
Quando se esperava que Erdogan recuasse e cedesse nas acusações contra Brunson – igualmente denunciado por ligações ao PKK, o braço político da guerrilha separatista do Curdistão –, em defesa da estabilidade económica, o Presidente aderiu ao braço-de-ferro proposto por Trump e lançou o país numa espiral descendente.
“Só nos curvamos perante Deus”, assegurou o líder turco, no domingo. “Não é correcto castigar a Turquia por causa de um religioso. [Os EUA] estão a trocar um parceiro estratégico na NATO por um pastor”, acrescentou.
Embora as más relações entre Ancara e Washington já se arrastem há anos por níveis baixíssimos de empatia – um momento baixo foi a decisão turca de comprar o sistema antimíssil S-400 a Moscovo, no final de 2017 – a postura de Erdogan surpreendeu analistas políticos e economistas, atendendo à vulnerabilidade preocupante da economia do país.
Novas alianças?
Segundo o Financial Times, a Turquia necessita de atrair mais de 200 mil milhões de dólares (cerca de 176 mil milhões de euros) por ano em investimento estrangeiro para manter a sua economia à tona de água. Uma meta já de si difícil, tendo em conta as dúvidas dos investidores sobre a real independência do banco central e a inconsistente política económica do Governo – o detentor da pasta das Finanças é o genro de Erdogan, Berat Albayrak.
Mas Erdogan tem a solução: “A nossa resposta aos que lideram uma guerra comercial contra o mundo inteiro, incluindo o nosso país, é a de procurar novos mercados, novas cooperações e novas alianças”, anunciou no domingo.
Estará a pensar na Rússia, na China e no Qatar. Três “soluções” que prometem aumentar ainda mais o já de si expansivo afastamento entre Erdogan e o Ocidente, que beliscam o papel da Turquia no seio da NATO e que podem ter o condão de baralhar o mapa de alianças numa das regiões mais instáveis do globo.
Os EUA e a Aliança Atlântica têm na base militar turca de Incirlik um dos seus principais postos estratégicos para missões de combate no Médio Oriente.
Resta saber qual a disponibilidade de Moscovo, de Pequim e de Doha para estender as mãos a Ancara e, mais do que isso, quanto é que Erdogan está disposto a ceder pelo seu apoio, consciente de que a permanência na NATO continua a ser essencial para a Turquia, sobretudo na resistência à influência russa na sua vizinhança.
Certo é que o discurso confiante do Presidente da Turquia parece sugerir que não está de braços cruzados e que já terá encetado conversas em busca de novos aliados económicos. É pelo menos essa a aposta de Atilla Yesilada, da consultora da GlobalSource Partners, de Istambul.
“Penso que [Erdogan] falou com [Vladimir] Putin, que lhe poderá ter prometido empréstimos. Ele é doido mas não é louco. Vou assumir que tem uma expectativa razoável de ir buscar dinheiro a qualquer lado”, disse ao Financial Times.
O jornal britânico cita ainda diversos agentes económicos para sugerir que contactos semelhantes estarão a ser preparados com investidores chineses e qataris.
Num artigo de opinião no New York Times, Erdogan alertou mesmo para a possibilidade de a relação entre Turquia e EUA se estar a encaminhar para um ponto de ruptura: “A não ser que os Estados Unidos comecem a respeitar a soberania da Turquia e provarem que compreendem os perigos que a nossa nação enfrenta, a nossa parceria pode estar em risco”.