Ataques de Trump à imprensa estão no "limiar do incitamento à violência"
Zeid Ra’ad al-Hussein, alto-comissário para os direitos humanos das Nações Unidas, diz que comentários de Trump sobre a imprensa podem ser repetidos por líderes de outros países e deixam os jornalistas mais vulneráveis.
O jordano Zeid Ra’ad al-Hussein está de saída do cargo de alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU: vai abandoná-lo no fim de Agosto. Mas, antes de sair, deu uma entrevista ao jornal britânico Guardian, publicada nesta segunda-feira, onde criticou a retórica da Administração norte-americana. Os ataques de Trump à imprensa estão “muito próximos do incentivo à violência”, disse.
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O jordano Zeid Ra’ad al-Hussein está de saída do cargo de alto-comissário para os Direitos Humanos da ONU: vai abandoná-lo no fim de Agosto. Mas, antes de sair, deu uma entrevista ao jornal britânico Guardian, publicada nesta segunda-feira, onde criticou a retórica da Administração norte-americana. Os ataques de Trump à imprensa estão “muito próximos do incentivo à violência”, disse.
Ver o líder de um dos países mais influentes do mundo dizer que os os jornalistas são “inimigos do povo norte-americano”, “muito desonestos” e que “distorcem a democracia” é, no entender de Zeid Ra’ad al-Hussein um potencial “desencadeador de eventos” que podem afectar negativamente os jornalistas. “Facilmente pode levar a danos contra os jornalistas que estão a fazer o seu trabalho e potencialmente a alguma autocensura”, afirmou o príncipe jordano. “Nesse contexto aproxima-se muito do incitamento à violência.”
No entender do alto-comissário, cabe a um tribunal decidir se Trump é ou não culpado de incitamento à violência e, salvaguarda, o veredicto será sempre dependente das circunstâncias. Zeid dá um exemplo: se um jornalista fosse esfaqueado enquanto cobre uma manifestação, provavelmente Trump seria culpado.
Além do perigo óbvio para os jornalistas norte-americanos, junta-se também o perigo de imitação: o exemplo de Trump já está a ser seguido por outros líderes autoritários que perseguem os media. Por exemplo, no Camboja, o primeiro-ministro Hun Sen usou uma linguagem semelhante quando fechou organizações mediáticas independentes.
“Os EUA criam um efeito de demonstração, que depois é acolhido por outros países onde a liderança tende a ser autoritária ou aspira a sê-lo”, afirmou Zeid.
O alto-comissário, que foi escolhido para o cargo em 2014, quando Obama era presidente dos Estados Unidos, admitiu que o compromisso do Governo de Trump em relação aos direitos humanos é muito diferente. “A administração Trump parece ter-se distanciado das administrações anteriores na defesa dos direitos humanos em termos globais”, avaliou.
Exemplo disso foi a saída dos EUA do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, entre alegações que o órgão da ONU era "anti-israelita".
No entender do alto-comissário, a retórica do actual Presidente está direccionada contra as minorias e a imprensa, fazendo lembrar duas das piores eras do século XX – coincidentes com as duas grandes guerras. Isso vê-se em políticas como as que obrigam a separar crianças das suas famílias, quando tentam entrar em território norte-americano. Aqui, a linguagem de Trump é “usada de forma a focar-se apenas em grupos de pessoas que tradicionalmente sofrem bastante com a intolerância, preconceito e chauvinismo”, diz o alto-comissário, comparando esta linguagem à que era usada na década de 1930 e antes da Primeira Guerra Mundial, quando a violência era direccionada a “grupos vulneráveis pelo bem do ganho político”.
Em vésperas da sua saída, Zeid Ra’ad al-Hussein deixa um conselho para a sua sucessora, Michele Bachelet, ex-prisioneira política e ex-presidente chilena: que se mantenha corajosa e que não tente um segundo mandato. “Seria muito suspeito de qualquer comissário tentar um segundo mandato porque me faria questionar que tipo de negócios estão a ser orquestrados e se estão a ser negociados nas costas das vítimas”, disse.
O jordano Zeid Ra'ad al-Hussein tornou-se conhecido não só pelas declarações claras em defesa dos direitos humanos, mas também pelos ataques às nações que não os defendem — comportamento que lhe valeu várias inimizades. Em Julho, anunciou que não iria cumprir um segundo mandato de quatro anos por acreditar que não teria o apoio de grandes potenciais como a Rússia, os Estados Unidos e a China.