As pensões dos futuros pensionistas

A trajectória do envelhecimento demográfico tem vindo a exercer uma forte pressão sobre a gestão das finanças públicas e da dívida pública e sobre as políticas públicas de pensões.

A Comissão Europeia publicou este ano dois importantes relatórios: o Pension  Adequacy  Report 2018 e o The  Ageing  Report 2018, ambos com informação relevante sobre pensões. O primeiro relatório estuda as consequências de longo prazo do envelhecimento populacional nas sociedades europeias, incluindo os impactos específicos na evolução dos sistemas de pensões, e o segundo relatório apresenta uma visão sobre as políticas públicas de pensões prosseguidas pelos países europeus com o foco na adequação do rendimento na reforma.

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A Comissão Europeia publicou este ano dois importantes relatórios: o Pension  Adequacy  Report 2018 e o The  Ageing  Report 2018, ambos com informação relevante sobre pensões. O primeiro relatório estuda as consequências de longo prazo do envelhecimento populacional nas sociedades europeias, incluindo os impactos específicos na evolução dos sistemas de pensões, e o segundo relatório apresenta uma visão sobre as políticas públicas de pensões prosseguidas pelos países europeus com o foco na adequação do rendimento na reforma.

São óbvios os ganhos de uma leitura conjunta dos dois relatórios, já que em diversos domínios relacionados com pensões, designadamente no tema da adequação do rendimento na reforma, encontramos informação complementar que é útil na compreensão dos impactos do envelhecimento demográfico nas nossas sociedades e na reflexão sobre os problemas e desafios que se levantam.

As perspectivas do Ageing Report 2018 para Portugal não são animadoras, na linha das previsões já antecipadas pelo Instituto Nacional de Estatística. Confirmam uma trajectória mais acentuada do envelhecimento da população em Portugal quando comparada com a média dos países europeus, devido, especialmente, à elevada erosão da base da pirâmide com a forte diminuição do peso relativo dos jovens em relação à população total. Vamos perder até 2070 2,3 milhões de pessoas, ou seja, cerca de 22% da população: somos 10,3 milhões, seremos 8 milhões.

Importa olhar, também, para a evolução da estrutura demográfica. A população com 65 ou mais anos vai aumentar 27%, será três vezes a população jovem e a população com 80 ou mais anos vai crescer 165%, ultrapassará o peso da população jovem. O rácio de dependência (relação entre a população com 65 ou mais anos em percentagem da população entre os 15 e 64 anos) mais do que duplicará no horizonte temporal considerado nas projecções: de 32,1% em 2016 para 67,2% em 2070.

A trajectória do envelhecimento demográfico tem vindo a exercer uma forte pressão sobre a gestão das finanças públicas e da dívida pública e sobre as políticas públicas de pensões. É neste contexto que, na última década, os países europeus (e da OCDE) realizaram reformas nos seus sistemas públicos de pensões, com o foco, na sua maioria, na redução dos défices orçamentais e na salvaguarda da sustentabilidade financeira destes sistemas, actuando, em particular, no aumento da idade de reforma, através do estreitamento das condições de antecipação da saída do mercado de trabalho e da ligação da idade de reforma e/ou dos benefícios das pensões à esperança de vida.

Portugal também acompanhou este caminho, com especial relevo para a reforma de 2007 e das alterações posteriormente introduzidas no factor de sustentabilidade.

Esta opção determinou, no entanto, uma crescente redução das pensões futuras, ou seja, uma deterioração das taxas de substituição (relação entre a primeira pensão e o último salário), que fazem perigar níveis dignos de protecção na velhice. As gerações mais novas serão as mais atingidas.

Diversos países combinaram as medidas dirigidas à redução estrutural da despesa pública com um mix de medidas estruturais dirigidas à salvaguarda da adequação do rendimento na reforma. De entre estas medidas, são de realçar as medidas para promover o reforço da poupança complementar para a reforma.

Portugal não seguiu, porém, este caminho. Não admira, portanto, que tenhamos hoje um sistema complementar atrofiado. Em 2016, apenas 6,2% da população activa - 320 mil trabalhadores – estava abrangida por planos complementares de iniciativa colectiva (fundos de pensões) e de iniciativa individual (PPR). Apenas 139 mil pensionistas beneficiavam de pensões pagas por fundos de pensões e PPR, ou seja, cerca de 5% do total de pensionistas dos regimes contributivos.

Sobre a adequação do rendimento na reforma, ambos os relatórios apresentam dados relevantes. O Ageing Report 2018 prevê uma trajectória de redução da taxa de substituição (relação entre a pensão média dos novos pensionistas e o salário médio da economia na data da reforma): de 68,3% em 2016 para 55,9% em 2070. Trata-se de uma redução significativa que contrasta com uma redução ainda mais significativa projectada no relatório de 2015 (Ageing Report 2015): de 57,5% em 2013 para 30,7% em 2060. Esta discrepância de reduções, de um estudo para o outro, carece de uma explicação, uma vez que entre 2015 e 2018 não foram tomadas medidas políticas que expliquem a melhoria obtida no relatório deste ano.

Seja como for, estes níveis de taxas de substituição colocam em risco a adequação das pensões e, portanto, potenciam o aumento de beneficiários com pensões muito baixas. Nestas circunstâncias, a Segurança Social será chamada a apoiar estes pensionistas com prestações sociais complementares financiadas pelos impostos. A contrapartida financeira será o aumento da despesa pública com os regimes não contributivos.

O Pension Adequacy Report 2018 confirma a redução das taxas de substituição. Apresenta um exercício interessante de simulação da sua evolução para diferentes hipóteses de trabalho: carreira completa de 40 anos, carreiras longas e carreiras curtas, efeitos de interrupção de carreira com base em diferentes eventos, considerando cenários de rendimento médio, alto e baixo, etc. Este exercício permite compreender para cada país quais são os factores que potenciam o risco futuro de inadequação do rendimento na reforma.

Para mitigar este risco, o relatório desenvolve um conjunto de recomendações que os países europeus devem seguir. Podem ser arrumadas em dois grandes grupos:

- Dirigidas ao desenvolvimento da poupança complementar para a reforma

O relatório defende que as pensões complementares devem ser parte integrante dos sistemas de pensões nacionais. O enfoque no desenvolvimento das pensões complementares é colocado na necessidade de os parceiros sociais serem activamente envolvidos na definição das políticas e de o sistema dispor de quadros regulatórios que promovam os planos de pensões de base profissional de iniciativa colectiva (2º Pilar), apontando para a vantagem da natureza mandatória destes planos de pensões para os trabalhadores abrangidos. O relatório sublinha a importância dos incentivos fiscais que incidem sobre os produtos de poupança e sobre as contribuições ou através de subsídios (flat rate) pagos pelo Estado nas contas dos beneficiários. Outros aspectos críticos apontados são: a transparência e a informação às pessoas sobre os seus direitos e as regras dos planos de pensões para que possam tomar decisões atempadas e racionais sobre carreira e poupança, a flexibilidade no pagamento dos benefícios que melhor proteja o pensionista do risco de longevidade ao longo da reforma, a garantia da portabilidade de direitos e a vantagem de a adesão dos trabalhadores aos planos de pensões de participação voluntária ser feita por defeito (opt-out) em vez da manifestação expressa (opt-in).

- Dirigidas ao aumento efectivo da idade de reforma e da permanência no mercado de trabalho

O relatório identifica quatro áreas em que as políticas públicas devem intervir para apoiar a formação de carreiras completas e longas: educação, aprendizagem ao longo da vida, saúde e condições de trabalho.

O investimento na educação deve constituir uma prioridade. Aumentando as oportunidades de emprego com o nível de educação e sendo previsível que as gerações mais novas e as futuras gerações disponham de melhor educação, é expectável o aumento da sua participação no mercado de trabalho. Por outro lado, a educação tem efeitos positivos na aprendizagem ao longo da vida, na saúde e nas condições de trabalho, contribuindo indirectamente para aumentar a participação no mercado de trabalho.

Estas recomendações assentam muito bem a países como Portugal, que apresentam dificuldades acrescidas em relação à sustentabilidade social dos seus sistemas públicos de pensões. Os pensionistas do futuro agradecem…

Cidadania Social – Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais – www.cidadaniasocial.pt