Um oásis chamado Sonic Blast onde não coube mais ninguém para ver os extraplanetários Earthless

À oitava edição, o festival onde impera uma amálgama do rock psicadélico dos anos 1960 e do rock setentista mais pesado esgotou pela terceiro ano consecutivo. Em ano de consolidação, destacaram-se ainda os Causa Sui, Kadavar, Ufomammut e a agressividade sónica dos Mantar.

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No Minho, incubadora de festivais de Verão desde que o mais antigo, em Vilar de Mouros, se renovou numa versão rock, em 1971, há quase uma obsessão por se continuar a tentar descobrir o que mais há para fazer nesse departamento. Dos mais antigos e maiores, com sucesso, Paredes de Coura estabeleceu-se como o mais sólido, o Ermal arrancou com força, mas ficou pelo caminho, e o Woodstock português tenta recuperar a saúde da segunda metade dos anos 1990, marcada por um dos seus regressos e década em que se dá o ponto de partida para a quantidade imensurável de eventos do género que hoje existem em solo nacional.

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No Minho, incubadora de festivais de Verão desde que o mais antigo, em Vilar de Mouros, se renovou numa versão rock, em 1971, há quase uma obsessão por se continuar a tentar descobrir o que mais há para fazer nesse departamento. Dos mais antigos e maiores, com sucesso, Paredes de Coura estabeleceu-se como o mais sólido, o Ermal arrancou com força, mas ficou pelo caminho, e o Woodstock português tenta recuperar a saúde da segunda metade dos anos 1990, marcada por um dos seus regressos e década em que se dá o ponto de partida para a quantidade imensurável de eventos do género que hoje existem em solo nacional.

Na mesma região, num circuito mais underground, o SWR Metal Fest é um dos pilares do metal mais extremo e o Milhões de Festa, desde que se fixou em Barcelos, em 2010, o que mais curiosidade despertou nos últimos anos pela diversidade do cartaz.

Quase na mesma altura, neste “Crescente Fértil” desenhado com a forma de uma clave de sol, começaram a ser cravadas no Moledo as fundações de outro festival que se destaca pela coesão do programa e por ter conseguido encontrar um espaço que ainda não tinha sido coberto.

À oitava edição, à imagem das duas anteriores, com lotação esgotada, o Sonic Blast afirma-se como o oásis dos que querem beber o som do fuzz e do eco do reverb em doses que nunca são suficientes. Foram aproximadamente três mil pessoas por dia que testemunharam neste último fim-de-semana (sexta-feira e sábado) a terceira casa cheia consecutiva para receber um alinhamento de bandas que, generalizando, nascem de um cruzamento feliz entre os Black Sabbath e os Pink Floyd.

Ali, naquele recinto do Centro Cultural do Moledo, onde também há uma piscina que durante a tarde se transforma em palco, como acontece no Milhões de Festa, traçou-se uma linha muito bem definida onde cabe todo o espectro do doom/stoner/psych-rock. Só não cabe mais ninguém porque os bilhetes não chegam para a procura, nem o espaço aguenta.

Quem ficou da parte de fora não viu de perto, mas conseguiu espreitar pelas muitas áreas abertas que desvendam o palco principal, a actuação arrebatadora dos Earthless, a viagem consistentemente e constantemente feita de desvios dos Causa Sui ou o regresso, desde a passagem por Moledo em 2013, dos Kadavar, que no ano passado cancelaram com a promessa de que voltariam.

O tempo é lento e a música não pára

O tempo nesta freguesia de Caminha passa devagar. O dia de concertos começa cedo - à hora do almoço já se toca no palco da piscina -, e até ao final da tarde não há ansiedade que se intrometa entre o sol e as muitas centenas que escondem quase na totalidade o relvado em torno da zona dedicada aos mergulhos.

Durante dois dias passaram por lá bandas como Greengo, Talea Jacta, Electric Octopus e Solar Corona, candidatos a num futuro próximo seguirem os passos dos The Black Wizards ,que já por lá passaram e, este ano, fecharam o palco principal no dia de encerramento do festival.

É quando na piscina se toca o último acorde da tarde que todos os caminhos (de distância curta) vão dar ao palco principal, num terreno contíguo. Reúnem-se ali parte dos nomes mais relevantes que nos últimos anos têm contribuído para a consolidação deste nicho que começou a ganhar expressão na década de 1990, quando os Sleep lançaram Holy Mountain ou os Kyuss editaram Welcome to the Sky Valley.

Descendentes directos dessa linhagem e com membros que passaram pelos Fu Manchu, os Nebula, no primeiro dia, ao início da tarde, apresentaram-se revigorados após um hiato de sete anos, terminado o ano passado. A fórmula não foge aos fundamentos do stoner rock. Não era também outra coisa que esperava quem lá foi para os ver. Correram a discografia iniciada em 1999, com To the Center, e estacionaram no último álbum, Heavy Psych, de 2009, para tocarem Aphrodite. Aproveitaram ainda para adiantar o que aí vem em Dezembro, mês de lançamento de um novo disco. Os californianos tocaram Man’s best friend, com riff impetuoso quebrado por um breakdown suportado em baixo e bateria, ritmo sólido a dar espaço para um solo de guitarra arábico.

Os Nebula serviram de ponte entre os italianos Ufomammut - mais densos, mais graves, num registo mais próximo do sludge, e, desde 8, lançado o ano passado, também mais etéreos -, e os dinamarqueses Causa Sui, que garantiram naquele dia o maior número de pessoas dentro do recinto. Trouxeram com eles o novo Vibraciones Doradas, do qual tocaram Seven hills, um épico de quase oito minutos, em certos momentos balançante, noutros mais galopante, com uma secção rítmica criativa e inventiva e solos de guitarra que têm como destino o céu.

Nos Causa Sui detectam-se as influências à primeira. Têm kraut, o psicadelismo sónico e elegância de uns Colour Haze, que ali tocaram no ano passado, e a imprevisibilidade do prog rock. Não são raras as vezes em que arriscam momentos mais jazz. Miles Davis é uma das referências que, depois do concerto, nos confessaram terem como influência. Concretizam essa fusão com sucesso e transformam as composições em estruturas empolgantes, sobretudo pela forma coma a guitarra dialoga com o baixo, fazendo com que o segundo instrumento não sirva apenas de reforço para a percussão. Talvez inspirada pelas projecções que acompanharam a actuação, uma fã junta-se à banda em palco para celebrar o momento com uma dança exótica - particularidades do rock’n’roll, que reserva a capacidade de criar a ilusão de que o ouvinte ou espectador é também um rock star.

É destes momentos de contágio que vive a música feita ao vivo. Carta fora do baralho no alinhamento daquele dia, num registo mais cru e directo, o duo germânico Mantar, dono de um sludge que resvala muitas vezes para o black metal e para o crust, contagiou a audiência com a agressividade de uma guitarra suja e pestilenta, apoiada por uma bateria furiosa e despretensiosa. Há poucos anos arriscavam nos primeiros concertos em Portugal onde tocaram para poucas dezenas. No Sonic Blast estavam milhares.

Antes tinham tocado os Samsara Blues Experiment. São competentes quanto baste, mas falta-lhes decidir que caminho devem trilhar. Todas as fusões são bem-vindas e, no caso dos berlinenses, fica a sensação durante o set de que há mais do que uma banda em palco. Se por vezes parecem uma banda heavy doom tradicional, noutras são uma banda chapa quatro de psych-rock. Terminado o primeiro dia, aguardava-se um segundo que estava guardado para Earthless, Kadavar e The Atomic Bitchwax.

Um caldeirão de fuzz

No Moledo não há pressas. Os alinhamentos das seis bandas que por dia passam pelo palco principal são longos e há sempre tempo para tocar mais uma canção. Os Atomic Bitchwax, roqueiros de New Jersey inspirados pelo rock psicadélico dos 1960 e pelo hard rock de 1970, convidam ao air guitar e têm argumentos suficientes e estatuto para captarem a atenção do público. Porém, qualquer ajuda não é passível de ser descartada. Maybe I’m a leo, dos Deep Purple, serviu para acordar os que ainda estavam com a cabeça na piscina. Antes de saírem para o encore, regressaram ao primeiro álbum de 1999 para tocarem Birth to the earth.

No dia em que também tocaram Naxatras, 1000Mods e The Black Wizards, os Kadavar foram os primeiros a encher quase na totalidade o recinto para se redimirem do cancelamento do ano passado. Apenas com sete anos de percurso e quatro álbuns, já reúnem um núcleo de seguidores fiéis que os eleva à posição de protagonistas por onde quer que passem. Combinam em doses certas o hard, o stoner e o rock psicadélico. Rough Times, novo álbum lançado em 2017, serviu de mote para um concerto seguro sem ser rígido e, ao mesmo tempo, relaxado sem ser displicente. O fantasma dos Black Sabbath está sempre presente, mas não estará ele em todo o rock mais pesado feito depois de 1970?

É óbvio que aquele fantasma está na música que os Earthless fazem, mas o trio de San Diego remete-nos também para outros nomes. O que aconteceria se um descendente de Emerson Lake & Palmer caísse dentro de um caldeirão de fuzz? Talvez a resposta ganhe forma nas composições deste colectivo que toca parecendo improvisar. Os temas são estruturas longas que soam a canções curtas coladas por transições de tal forma subtis que nos fazem esquecer que passamos para uma outra ideia, outro ambiente ou outra paisagem. São guitarras inebriantes apoiadas numa secção rítmica contagiante e empolgante que escalam de um riff pegajoso para solos frenéticos e contundentes.

É um regresso a Portugal (o dos Earthless). Assim como os Causa Sui e os Ufomammut, já tinham estado no Milhões de Festa, que é feito na cidade onde nasceram os Black Bombaim, com quem já colaboraram. No Moledo, com o novo Black Heaven, trazem a novidade de um Isaiah Mitchell, guitarrista, a arriscar também na voz, elemento que não fazia parte das composições do passado. Já que assumiu também o papel de vocalista aproveitaram para tocar duas versões. Cherry red, dos The Groundhogs, e Communication breakdown, dos Led Zeppelin fecharam uma actuação marcada pela inspiração de um trio que não facilita no seu habitat natural, o palco, onde conseguem ser extraplanetários.

Dores de crescimento de um festival que promete não se desviar

À oitava edição, o Sonic Blast está mais do que consolidado no meio em que se move e no que ao cartaz diz respeito. Por força do crescimento galopante de público galopante nos últimos anos, faltam resolver questões logísticas que acusam as dores desse crescimento, nomeadamente na oferta escassa da praça de alimentação, que em horários mais apertados concentra filas intermináveis.

Resolver estas questões faz parte do plano que o responsável pelo festival, Ricardo Rios, ainda está a lidar com o sucesso dos últimos anos, tem para as próximas edições: “Queremos crescer em termos estruturais. A dimensão e o local são para manter, assim como espírito que aqui se vive”, diz-nos.