Ivanka Trump tinha o jogo a seu favor, por que pôs ponto final na sua marca de roupa?

A fraca qualidade dos produtos sem uma identidade definida e os danos que o pai, na Casa Branca, faz diariamente aos Estados Unidos tornaram insustentável um negócio assente apenas na atracção de um apelido famoso

Foto
Kevin Lamarque/REUTERS

A notícia de que a conselheira da casa Branca (e Primeira Filha), Ivanka Trump, encerrou a sua marca de roupa homónima só pode ser classificada como um pequeno desenvolvimento, um evento microscópico que, na escala das tragédias económicas, não merece mais do que umas notas de finados no violino.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A notícia de que a conselheira da casa Branca (e Primeira Filha), Ivanka Trump, encerrou a sua marca de roupa homónima só pode ser classificada como um pequeno desenvolvimento, um evento microscópico que, na escala das tragédias económicas, não merece mais do que umas notas de finados no violino.

A notícia até poderá ser considerada como um desenvolvimento positivo por todas as pessoas que decidiram boicotar os seus produtos em protesto contra as políticas da Administração Trump. Mas não deixa de ser surpreendente.

Há trabalhadores que vão perder os seus empregos — embora não Ivanka, claro — e isso nunca deverá ser motivo de celebração. Talvez alguns possam inscrever-se nos programas de requalificação profissional que Ivanka prometeu que seriam postos em prática pela Administração do seu pai. Mas surpreende que o negócio tenha fracassado, tendo em conta que a sua fundadora conseguiu catapultar-se para um dos cargos mais poderosos da Casa Branca, cargo esse que tentou explorar  vergonhosamente para promover os seus interesses comerciais, provavelmente violando várias cláusulas da Constituição relativas a emolumentos, sem qualquer tipo de repercussão ou consequência.

No caso de Trump, ela até conseguiu induzir outros funcionários da Casa Branca a violar a lei, para que pudesse lucrar com a promoção dos seus produtos em programas de televisão, como aquela que fez Kellyanne Conway para uma audiência nacional, no ano passado. O seu novo cargo executivo apresentou a Trump inúmeras novas oportunidades para encontrar potenciais novos sócios ou parceiros de negócios, para ter a sua marca registada outros países ou explorar novas avenidas de financiamento.

Por isso, como é que isto foi acontecer? Como pode Ivanka Trump perder um jogo que estava totalmente a ser favor?

A mais simples e óbvia explicação para o fracasso de qualquer empresa é que o seu produto é mau. Portanto, o negócio de Ivanka terá falhado porque as suas roupas eram terríveis e ninguém as comprava. Mas o que quer dizer terrível neste contexto? Que a qualidade dos materiais era má? Que as peças eram desagradáveis esteticamente? Que a marca foi mal definida?

Not made in America

A apreciação de cada um destes argumentos depende muito dos critérios de cada um. Muito se disse sobre o facto de os produtos da marca de Trump serem fabricados no estrangeiro, com recurso a mão-de-obra barata e a materiais de qualidade inferior. Mas essa também é a realidade de muitas marcas populares de pronto-a-vestir.

Foto
Homem no interior da Trump Tower, ao pé de um expositor da marca de Ivanka, com um boné da campanha do pai Kevin Coombs/REUTERS

A estética foi parcialmente furtada a outros designers de moda. Por exemplo, a casa de moda italiana Aquazzurra processou Trump, alegando que ela copiou a sua irónica sandália Wild Thing, à venda por seis vezes o preço da versão de 65 dólares de Ivanka. As duas partes chegaram a acordo em Novembro, antes do início do julgamento.

Mas de forma geral, o estilo combina peças informais e sóbrias, numa gama de cores que podem ser sucintamente descritas como “básicas”. Havia uma série de vaporosos vestidos de inspiração floral, que tanto podem ser classificados como “divertidos e atraentes” como “confortáveis”, em função das inseguranças da cliente-alvo.

Se havia alguma coerência no desenho, não dá para perceber qual é pelas críticas. Fiz uma experiência e publiquei no Twitter uma foto de um típico vestido Trump: manga curta com uma saia pelo joelho, com um padrão às flores vermelho que, segundo a descrição de Ivanka, é “apropriado para o dia e a noite”, apesar de ser mais adequado ao clube de leitura do que ao clube nocturno.

Quando pedi uma descrição do estilo, as respostas variaram entre “casa de campo” e “sofá”. Até a página oficial de Ivanka Trump, que presumivelmente é escrita por pessoas interessadas em apresentar as mais apelativas descrições dos seus produtos, parece confusa: quase todos os itens são descritos como “lisonjeiros” ou “enaltecedores”, o que parece insinuar que o principal objectivo das roupas é mascarar qualquer presumível defeito físico da pessoa que as enverga.

É possível que a evolução do mercado do retalho seja mais responsável pelo malogro da marca Ivanka Trump do que qualquer potencial problema com os seus produtos — ou com a própria Ivanka.

Marshal Cohen, um especialista do sector e analista chefe do Grupo NPD, disse-me recentemente que o pronto-a-vestir tem exibido um crescimento muito menor do que outros segmentos do mercado do retalho. A tendência para uma moda informal-descartável significa que os designs têm de ser renovados a uma velocidade brutal, o que torna o modelo de negócio difícil de se suster, especialmente quando os produtos dependem das vendas de grandes volumes em armazéns multimarcas (eles próprios com dificuldades em concorrer com as vendas directas online).

Inconveniência?

Mas a explicação de Ivanka Trump é que a única razão pela qual está a fechar a sua empresa é porque não tem tempo para se dedicar a ela, uma vez que está totalmente comprometida com o seu trabalho (não-remunerado) na Administração do seu pai. Essa explicação, além de bizarra, não colhe. As pessoas que se querem afastar de negócios que estão a correr bem costumam contratar alguém para o seu lugar — algo que se acreditava que Ivanka tinha feito. Ou então vendem a uma empresa concorrente, obtendo um lucro ainda maior.

Não há memória de alguém que tenha construído uma instituição que funciona bem e é rentável decidir, de repente, desistir do negócio a sangue frio, ostensivamente atirando os seus funcionários para o desemprego e abrindo mão de lucros futuro, por capricho.

Uma explicação mais plausível para o fecho da empresa em vez da sua venda seria que o valor dos seus bens fosse significativamente menor do que a dívida acumulada; que o investimento se tivesse tornado uma inconveniência ou obstáculo político; ou que as actividades comerciais pudessem ser objecto de um escrutínio jurídico indesejado, por exemplo no âmbito de uma investigação federal. Mas como se trata de uma empresa não cotada, e Ivanka Trump tem sido tão opaca como o seu pai a explicar os seus negócios, nunca se vai saber.

Outra explicação, simpática mas altamente improvável, era que a marca de Ivanka não passava de uma vaidade pessoal da qual se fartou ou aborreceu. Trump não seria a primeira socialite a usar o dinheiro da família para lançar uma marca de roupa com o seu nome e pouco tempo depois decidir que prefere gastar o seu tempo a fazer outra coisa qualquer, porque conduzir um negócio é mais difícil do que parece. Não seria sequer a primeira vez que um Trump colava o seu famoso apelido a um produto que não tinha qualquer capacidade para promover (por exemplo, vodka, bifes ou companhias aéreas), e depois quando a coisa não resultava, arrancava de fininho a etiqueta, à espera que ninguém reparasse.

Mas qualquer que fosse o caso, o problema era que o estatuto que deveria estar associado ao nome Trump simplesmente não compensava a má qualidade do produto.

Desprestígio

Há que ser justo: é extraordinariamente difícil construir e sustentar uma empresa apenas em função do estatuto social. A coisa torna-se ainda mais difícil quando esse estatuto se vê fragilizado porque o teu pai decidiu usar a sua posição como líder do mundo livre para diminuir drasticamente a imagem do país a nível internacional, ou o prestígio do cargo de Presidente a nível interno. Quando as pessoas começam a reparar que tu estás a contribuir para esta erosão, aumentam as probabilidades de que não estejam dispostas a contribuir ou facilitar o teu sucesso financeiro.

Há umas semanas vi uma mulher a pegar num sapato da marca de Ivanka Trump numa prateleira de saldos do Bloomingdales e imediatamente largá-lo com uma expressão de repulsa depois de ler o nome na etiqueta. Não me pareceu que tivesse sido o preço que a desmotivou.

Se juntarmos a isto um mercado do retalho a viver tempos difíceis, as potenciais taxas alfandegárias sobre os produtos manufacturados na China (obrigadinha, papá) e uma gestão totalmente ausente, percebemos que mesmo perante as oportunidades, os privilégios e toda a publicidade grátis que a Casa Branca permite, pode ser difícil obter bons resultados. No caso de Ivanka, o que falta saber é se o seu novo capricho — a Administração Trump — pode ter o mesmo desfecho.

 Presidente executiva da empresa de comunicação digital Insurrection

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post