A Singapura imaginada de Yeo Siew Hua ganha um Locarno em baixo de forma

A Land Imagined é um vencedor honroso para a edição 2018 do certame suíço, encimando um palmarés equilibrado e diplomático no qual não constam produções portuguesas

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O realizador Yeo Siew Hua e a actriz Luna Kwok celebram o Leopardo de Ouro com que saíram da 71ª edição do Festival de Locarno Locarno Festival

Ao atribuir o Leopardo de Ouro a A Land  Imagined, do singapurano Yeo Siew Hua e o Prémio Especial do Júri a M, da francesa Yolande Zauberman, o júri presidido pelo cineasta chinês Jia Zhangke safou-se o melhor que pôde das armadilhas que a competição 2018 de Locarno lhe colocava.

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Ao atribuir o Leopardo de Ouro a A Land  Imagined, do singapurano Yeo Siew Hua e o Prémio Especial do Júri a M, da francesa Yolande Zauberman, o júri presidido pelo cineasta chinês Jia Zhangke safou-se o melhor que pôde das armadilhas que a competição 2018 de Locarno lhe colocava.

Num palmarés razoavelmente equilibrado, Jia, a actriz Isabella Ragonese, os realizadores Tizza Covi e Sean Baker e o escritor Emmanuel Carrère galardoaram diplomaticamente alguns dos melhores filmes de um Concurso Internacional pouco inspirado – melhor actor para Ki Joobong por Hotel by  the  River, de Hong Sangsoo, melhor actriz para Andra Guti, por Alice T., de Radu Muntean, menção especial para Ray & Liz, de Richard Billingham. A “carta fora do baralho” foi a melhor realização para o muito divisivo Tarde para Morir  Joven de Dominga Sotomayor; as ausências mais gritantes são La Flor de Mariano Llinás (que já tinha sido premiado em Buenos Aires, onde teve estreia mundial) e Diane, de Kent Jones (vencedor no certame nova-iorquino de Tribeca).

Nos Cineasti del Presente, competição dedicada a jovens realizadores em tempo de primeira e segunda obra, a actriz Laetitia Dosch e os realizadores Andrei Ujica e Ben Rivers optaram por atribuir o Leopardo de Ouro ao documentário experimental de Sara Fattahi, Chaos (sobre o quotidiano de mulheres sírias que perderam família na guerra), e o prémio do júri a Closing Time de Nicole Vögele (sobre um comerciante chinês que, um belo dia, parte em viagem em fuga do seu quotidiano).

É um final em “meias-tintas” para um festival que pareceu estar em baixo de forma. Depois de uma belíssima competição no 70º aniversário em 2017, Locarno 2018 sofreu por comparação, embora Carlo Chatrian, o director de saída, tenha assumido uma opção por nomes jovens ou menos conhecidos “porque essa é também a vocação de Locarno”. A Land Imagined e encaixam certamente nesse caderno de encargos, no modo como abordam questões centrais do mundo contemporâneo através de pontos de entrada descentrados: o modo como o filme de Yeo Siew Hua brinca com géneros (o filme negro e o realismo social) para falar do passado, do presente e do futuro de Singapura terá certamente ressoado com o próprio olhar de Jia Zhangke sobre a China; o documentário de Yolande Zauberman sobre o abuso sexual na comunidade ultra-ortodoxa israelita é também um retrato de um sobrevivente, contado com energia e esperança.

Mas o Leopardo de Ouro atribuído em 2015 ao veterano coreano Hong Sangsoo por Sítio Certo, Hora Errada significava que dificilmente Hotel by the River seria o vencedor - nunca um cineasta foi duas vezes contemplado com o prémio máximo de Locarno. A estatueta de melhor actor (inteiramente merecida, diga-se já) para Kim Joobong funciona assim como “prémio de consolação” para o melhor filme que vimos este ano em Locarno. E o Leopardo de realização à chilena Dominga Sotomayor é a surpresa do palmarés: Tarde para Morir Joven é um filme formalmente sedutor mas que se inscreve numa linhagem extremamente formatada do “filme de festivais”.

O “baixo de forma” de 2018 estendeu-se ao concurso secundário Cineasti del Presente, onde o júri presidido por Andrei Ujica passou ao lado dos títulos mais interessantes mostrados a concurso (Sophia Antipolis de Virgil Vernier é uma ausência gritante) e atribuiu o prémio máximo ao desastroso Chaos, exemplo do que pode acontecer quando boas ideias se perdem numa concretização “ao lado”.

A presença competitiva portuguesa, pela primeira vez em vários anos, sai de Locarno sem prémios. Na secção paralela Signs of Life, que apenas começou a ser competitiva em 2017 e onde foram apresentados os filmes de Dídio Pestana e Eugène Green, o vencedor foi The Fragile House, do chinês Lin Zi, enquanto o júri da melhor Primeira Obra, transversal a todo o certame, escolheu Alles Ist Gut (Cineasti del Presente)estreia na realização da alemã Eva Trobisch. 

No concurso Pardo di Domani de curtas-metragens, onde concorriam Marco Amaral e Manel Raga Raga, o júri premiou, na categoria internacional, a curta franco-belga de Emmanuel Marre D’un château à l’autre e, na categoria suíça, Los que desean, de Elena López Riera. O Prémio do Público, votado pelos espectadores das sessões ao ar livre na Piazza Grande, foi para BlacKkKlansman – O Infiltrado de Spike Lee (que chegará às salas portuguesas daqui a um mês). 

A 72ª edição de Locarno, a primeira com o(a) sucessor(a) de Carlo Chatrian na direcção artística, correrá um pouco mais tarde do que é habitual, de 7 a 17 de Agosto de 2019 – e terá como missão fazer esquecer aquele que foi um dos menos inspirados anos recentes do certame.

PALMARÉS

Concurso Internacional

Leopardo de Ouro: A Land Imagined de Yeo Siew Hua (Singapura, França, Holanda)

Prémio Especial do Júri: M de Yolande Zauberman (França)

Melhor Realizador: Dominga Sotomayor por Tarde para Morir Joven (Chile, Brasil, Argentina, Holanda, Qatar)

Melhor Actriz: Andra Guti por Alice T. de Radu Muntean (Roménia, França, Suécia)

Melhor Actor: Ki Joobong por Hotel by the River de Hong Sangsoo (Coreia do Sul)

Menção Especial: Ray & Liz de Richard Billingham (Reino Unido)

Cineasti del Presente

Leopardo de Ouro: Chaos de Sara Fattahi (Áustria, Síria, Líbano, Qatar)

Prémio Especial do Júri: Closing Time de Nicole Vögele (Alemanha, Suíça)

Melhor Realizador Emergente: Tarik Aktas por Dead Horse Nebula (Turquia)

Menção Especial: Fausto de Andrea Bussmann (México, Canadá) e L’Époque de Mathieu Bareyre (França)

Pardi di Domani (Curtas-Metragens)

Pardino d’Oro Concurso Internacional: D’un château l’autre de Emmanuel Marre (Bélgica, França)

Pardino d’Oro Concurso Suíço: Los que desean de Elena López Riera (Suíça, Espanha)

Pardino d’Argento Concurso Internacional: Heart of Hunger de Bernardo Zanotti (Holanda)

Pardino d’Argento Concurso Suíço: Abigaïl de Magdalena Froger (Suíça)

Nomeação para os Prémios Europeus de Cinema: Los que desean

Signs of Life

The Fragile House de Lin Zi (China)

Melhor Primeira Obra

Alles Ist Gut de Eva Trobisch (Alemanha)

Prémio do Público

BlacKkKlansman - O Infiltrado de Spike Lee (EUA, China)