Mamíferos marinhos perderam gene essencial para a defesa de pesticidas
Baleias, golfinhos, manatins, dugongos e algumas espécies de focas e leões-marinhos ficaram sem um gene funcional que protege os mamíferos terrestres dos organofosfatos.
De corpos ágeis e barbatanas, os mamíferos marinhos mostram-nos a sua destreza enquanto passeiam pelo oceano. Mas por trás dessa desenvoltura, escondem uma história evolutiva particular: descendem de mamíferos que passaram da terra para o mar. Muito se terá passado durante essa transição. Agora uma equipa de cientistas dos Estados Unidos desvenda que durante a adaptação para o meio aquático a maioria dos mamíferos marinhos perdeu um gene funcional que actualmente os poderia defender contra os organofosfatos – compostos químicos orgânicos usados em fertilizantes e pesticidas.
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De corpos ágeis e barbatanas, os mamíferos marinhos mostram-nos a sua destreza enquanto passeiam pelo oceano. Mas por trás dessa desenvoltura, escondem uma história evolutiva particular: descendem de mamíferos que passaram da terra para o mar. Muito se terá passado durante essa transição. Agora uma equipa de cientistas dos Estados Unidos desvenda que durante a adaptação para o meio aquático a maioria dos mamíferos marinhos perdeu um gene funcional que actualmente os poderia defender contra os organofosfatos – compostos químicos orgânicos usados em fertilizantes e pesticidas.
No laboratório de Nathan Clark, na Universidade de Pittsburgh (EUA), estudam-se os mecanismos pelos quais os organismos mudam e se adaptam quando entram em novos ambientes. “Anteriormente, já tínhamos analisado como é que os genes mudaram nos mamíferos quando se adaptaram ao ambiente aquático”, conta Nathan Clark e um dos autores do artigo científico publicado esta sexta-feira na revista Science. “Neste estudo, questionámos quais seriam os genes que se tornaram não funcionais quando grupos de mamíferos voltaram ao oceano [afinal, originalmente os mamíferos começaram por evoluir do mar para a terra].”
Ao analisarem sequências de ADN de cinco espécies de mamíferos marinhos e de 53 espécies de mamíferos terrestres, os cientistas descobriram que o gene PON1 tinha perdido a sua função nos mamíferos marinhos, enquanto continuava a ser funcional nos terrestres. E qual a função deste gene? Nos mamíferos terrestres (incluindo os humanos), o PON1 reduz os danos celulares causados por átomos de oxigénio instáveis e protege dos organofosfatos.
Além da análise ao ADN, a equipa testou amostras de sangue de vários mamíferos marinhos com um subproduto de organofosfato. “O sangue não quebrou o subproduto de organofosfato como acontecia com os mamíferos terrestres, indicando que, a menos que um outro mecanismo biológico esteja a proteger os mamíferos marinhos, eles poderão estar susceptíveis ao ‘envenenamento por organofosfato”, lê-se num comunicado da Universidade de Pittsburgh.
Que mamíferos marinhos perderam este gene funcional? Animais das três linhagens destes mamíferos que se tornaram aquáticos em diferentes tempos: todas as baleias e golfinhos (cetáceos); todos os manatins e dugongos (sirénios); algumas espécies de focas e leões-marinhos (pinípedes). Algumas espécies de focas ainda têm uma cópia funcional do PON1.
As baleias (que também tiveram um antepassado parecido com uma raposa) e os golfinhos terão perdido logo o PON1 depois se terem separado do seu antepassado comum com o hipopótamo há 53 milhões de anos. Os manatins (assim como os dugongos) ficaram sem ele há 64 milhões de anos quando divergiram do seu antecessor comum com os elefantes. Já as focas perderam-no há mais de 21 milhões de anos.
“Não sabemos exactamente por que é que o perderam”, salienta Nathan Clark. “Com base nos nossos conhecimentos, a nossa hipótese é que perderam o gene de forma a se puderem ajustar ao mergulho subaquático, que causa stress oxidativo nos seus corpos.” Contudo, há ainda uma segunda hipótese relacionada com a oxidação dos ácidos gordos. Ora, o PON1 é considerado necessário para reparar os danos nas moléculas de ácidos gordos causados por átomos de oxigénio. Como a dieta dos mamíferos marinhos tem mais ácidos gordos ricos em ómega-3 – que são mais resistentes à oxidação –, então o PON1 pode ter-se tornado desnecessário.
O que pode ensinar sobre os humanos
Até agora, ainda não se conhecem as reacções dos mamíferos marinhos quando estão em contacto com os organofosfatos. “A perda da actividade do PON1 removeu a maior defesa destes mamíferos contra os organofosfatos, o que pode significar que eles estão susceptíveis a danos provocados por estas neurotoxinas”, refere Nathan Clark, exemplificando que ratinhos aos quais foi retirado o gene se tornaram mais susceptíveis à neurotoxicidade dos organofosfatos. Há peixes, aves e insectos – no caso dos últimos, alguns são combatidos com os pesticidas referidos – que também não têm PON1. Estes mamíferos podem assim estar na mesma situação.
O cientista alerta ainda que há organofosfatos (como os clorpirifós) que entram nos cursos de água depois de terem sido pulverizados nos campos e que os mamíferos marinhos podem sofrer efeitos neurotóxicos com isso. No artigo científico são dados mesmo exemplos concretos nos EUA: “Na Florida, o uso agrícola de pesticidas de organofosfatos é comum e o escoamento desagua no habitat dos manatins.”
Por isso, a equipa quer estudar melhor os manatins e golfinhos para perceber se os organofosfatos os têm afectado de forma negativa. Querem saber também por que perderam o PON1. Para isso, vão estudar mais espécies de mamíferos marinhos, assim como a sua dieta alimentar e mergulho.
Além disso, Nathan Clark destaca que o conhecimento das mudanças genéticas em diferentes contextos pode ajudar a perceber como os genes funcionam em todos os organismos, incluindo nos humanos. E concretiza: “O PON1 é um gene que fornece protecção contra doenças cardíacas nos humanos, mas ainda não percebemos completamente como faz isso.” Por isso, está-se a tentar perceber mais sobre o que faz este gene ao estudar outros mamíferos. “Esse conhecimento deverá dizer-nos mais sobre o que o PON1 faz nos humanos e como alcança um efeito protector contra a aterosclerose (doença arterial).” Nada como nos compreendermos através de outros mamíferos, que até já andaram em terra firme, como nós.