Uma tribo reunida pela festa, seja ela qual for

No Meo Sudoeste, para muitos o que importa é viver cada momento ao limite, independentemente de quem está em cima do palco. Esta quinta-feira, mesmo sem Hardwell, a festa fez-se.

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O cartaz parecia enguiçado. Hardwell faltou devido a “doença súbita”, Jason Derulo apareceu lesionado. Mas, olhando para a multidão que às três da manhã saltava furiosamente ao som dos Wet Bed Gang, chamados à pressa para substituir o DJ holandês, dir-se-ia que grande parte do público não sentiu a falta desse chamariz de quinta-feira no Meo Sudoeste. O grupo de rappers lisboetas, repetentes no festival, teve uma plateia dedicada que entoou praticamente todas as letras em uníssono, do princípio ao fim.

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O cartaz parecia enguiçado. Hardwell faltou devido a “doença súbita”, Jason Derulo apareceu lesionado. Mas, olhando para a multidão que às três da manhã saltava furiosamente ao som dos Wet Bed Gang, chamados à pressa para substituir o DJ holandês, dir-se-ia que grande parte do público não sentiu a falta desse chamariz de quinta-feira no Meo Sudoeste. O grupo de rappers lisboetas, repetentes no festival, teve uma plateia dedicada que entoou praticamente todas as letras em uníssono, do princípio ao fim.

Justificou-se assim plenamente que os Wet Bed Gang tivessem passado a actuação a chamar “família” a quem ali estava à frente. Este tratamento é comum em concertos de alguns rappers, mas no Sudoeste parece fazer um sentido que não faz noutro sítio. A “tribo” de que fala o slogan do festival existe mesmo, materializa-se num descampado junto à Zambujeira do Mar durante uma semana e esfuma-se num repente. Ouvindo I love it, das Icona Pop, antes de Jason Derulo subir ao palco, constata-se que faz ali pouco sentido a parte da letra que diz "You're from the 70s but I'm a 90s bitch". À espera do cantor norte-americano estão sobretudo adolescentes e pré-adolescentes, mas há muito boa gente dos 70s e dos 80s, mais até do que dos 90s.

E a mistura de pessoas é notável. Há rapazes equipados com o fato-de-treino da selecção nacional de futebol dos pés à cabeça, raparigas que, mal entradas na puberdade, investem nos decotes, os pais sonolentos que vieram vigiar, o avô com ar de cowboy que veio com a mulher só porque sim, porque lhe apetecia divertir-se. A tal tribo. Que vive segundo a máxima YOLO (You  Only Live Once) que as redes sociais popularizaram e entretanto caiu em desuso. Que sente numa semana o entusiasmo da liberdade e da transgressão, propiciado pelo campismo, pelo álcool e pela comunhão constante entre quem dá música e quem a recebe.

Para ouvir Derulo, o recinto enche-se para aí a um terço, o que não é nada pouco porque o campo é enorme e a concorrência é feroz. No cardápio de diversões há uma roda gigante com luzes impróprias para epilépticos, 25 mesas de matraquilhos, uma coisa chamada The King que é como um pêndulo gigante que eleva as pessoas no ar e as vira ao contrário. Há, ainda e sempre, a parafernália das bancas dos patrocinadores, com o seu cortejo de luzes e brindes, que, apesar de marcante, não é esmagador, uma vez que o recinto é amplo.

A um canto fica o Moche Ring, um palco mais clubbing – descontemos o facto de quase todo o festival ser um gigantesco clubbing – que fica dentro de uma pista de carrinhos de choque sem os ditos. É ali que, depois de Derulo se ir embora, ouvimos Estraca, rapper da Musgueira, cantar rimas afiadas sobre uma juventude que perde as ilusões, batalha para sair do círculo perigoso do bairro e se depara depois com uma classe dirigente corrupta e pouco comprometida. Em Suicídio político, pede à pequena mas ruidosa plateia que ponha os “dedos no ar forte para o sistema”, anuncia que veio “para fazer barulho, não para fazer comichão” e desfia nomes em tom pouco elogioso: Durão Barroso, Miguel Relvas, Ricardo Salgado, Isaltino Morais, Santana Lopes e vários outros. No Sudoeste também se cria consciência política?

Braço a menos, show a mais

À hora marcada para Jason Derulo, o cabeça-de-cartaz, mostrar o que sabe, aparece em vez dele Jae Murphy, o DJ a quem cabe fazer um aquecimento. Seguem-se dançáveis infalíveis, como Harlem shake, Jump around, Danza kuduro, I don't care e outros êxitos gritados pela multidão em êxtase.

Ao fim de 20 minutos lá aparece o artista, com o braço esquerdo ao peito. Certamente lhe faz falta tê-lo à disposição, a julgar pelas complicadas coreografias que acompanham cada música. “O médico disse-me para eu ficar em casa, mas eu respondi-lhe que nem pensar que não vinha a Portugal”, diz ao fim de um par de canções, derretendo o já pouco que havia a derreter na assistência.

O concerto começa num tom mais pop e evolui rapidamente para um registo de electrónica pesada que em nada se distingue de tantas outras propostas que encheram o espaço musical nos últimos anos. Ainda assim são vários os momentos em que Derulo consegue demonstrar a amplitude da sua voz, passeando-a entre agudos melosos e graves poderosos, capaz de levar o público à histeria ou às lágrimas, por vezes na mesma canção.

Sempre sorridente, o artista esforça-se por ignorar o braço aleijado e acompanha em permanência os bailarinos exuberantes, movendo-se ao ritmo que Jae Murphy impõe do seu computador lá atrás, e que controla os momentos em que o palco cospe fogo, fumo e confettis. Ultrapassados Swalla, o hit que canta com Nicki Minaj e Ty Dolla $ign, Talk dirty e Tip toe, certamente alguns dos motivos que arrastaram tanta gente até ao Sudoeste, Jason Derulo e metade da banda acabam o concerto em tronco nu e o cantor livra-se mesmo do atilho que lhe prende o braço. É a excitação total. Ao som de outro sucesso, Want to want me, milhares de confetti esvoaçam em câmara lenta. Festa rija e convincente.

O Meo Sudoeste despede-se este sábado da Zambujeira do Mar com os concertos de Diogo Piçarra e Shawn Mendes. Para o ano, com novo cartaz virá nova tribo. Mas a aura de sítio longe do mundo continuará a mesma.