Desastres naturais ou desastres políticos?
Para fazer face aos desafios que se aproximam devido às alterações climáticas, vai ser preciso mais do que mensagens de texto.
Três anos depois do furacão Katrina ter provocado uma das maiores catástrofes da história recente dos Estados Unidos, vários académicos americanos compilaram as suas visões críticas no livro “There’s No Such Thing as a Natural Disaster”, com o sugestivo subtítulo “Race, Class, and Hurricane Katrina”. De facto, existem muitas razões para crermos que as catástrofes são naturais mas as suas consequências são determinadas pela (ausência de) política. Todos nos recordamos dos dedos apontados à falta de planeamento regional e urbano na discussão das mortes evitáveis nos incêndios de Pedrogão em 2017, do Funchal em 2016, e na Grécia há poucas semanas.
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Três anos depois do furacão Katrina ter provocado uma das maiores catástrofes da história recente dos Estados Unidos, vários académicos americanos compilaram as suas visões críticas no livro “There’s No Such Thing as a Natural Disaster”, com o sugestivo subtítulo “Race, Class, and Hurricane Katrina”. De facto, existem muitas razões para crermos que as catástrofes são naturais mas as suas consequências são determinadas pela (ausência de) política. Todos nos recordamos dos dedos apontados à falta de planeamento regional e urbano na discussão das mortes evitáveis nos incêndios de Pedrogão em 2017, do Funchal em 2016, e na Grécia há poucas semanas.
Nos últimos dias voltámos a viver momentos de angústia coletiva devido às temperaturas extremas. Enquanto escrevo estas linhas, o incêndio de Monchique ainda lavra e está a alastrar aos concelhos de Portimão e Silves. A CP está em crise depois da falha do ar condicionado nos Alfa pendulares durante o fim de semana. Parece que todos os anos surge uma altura em que o país se surpreende com o calor extremo.
Um relatório da Agência Europeia do Ambiente, em 2012, alertava para a vulnerabilidade das regiões europeias às alterações climáticas. Segundo as previsões do relatório, os riscos climatéricos terão como consequência um aprofundamento das clivagens entre regiões europeias, dado que as maiores vulnerabilidades estão concentradas nas regiões economicamente mais desfavorecidas, sublinhando que a crise que assolou os países do Sul da Europa diminuiu a capacidade de adaptação dos residentes aos riscos naturais que enfrentam nas próximas décadas. A Europa do Sul é especialmente vulnerável às ondas de calor, que são também um risco na Europa Ocidental, junto com as inundações na orla costeira. À Europa do Norte e de Leste saem os cromos das inundações, da orla costeira e fluviais na primeira, fluviais apenas na segunda.
Os fatores sócio-económicos e políticos pesam também nas consequências de outro evento extremo – as vagas de frio no inverno. Jonhatan Healy, um economista do ambiente do Trinity College, em Dublin, conclui que Portugal, de entre os países analisados, era aquele que tinha maior excesso de mortalidade devido ao frio (cerca de 28%, comparado com 21% na vizinha Espanha). O autor mostra que os países com temperaturas de inverno mais amenas são também aqueles em que a mortalidade sazonal é mais alta, o que ele classifica de “paradoxo da mortalidade de inverno”. O que explica este paradoxo? A qualidade das casas. Por outras palavras: o baixo nível de rendimento do país diminui o investimento em isolamento térmico das habitações que protege as pessoas de morte por doenças invernais. Os dados do Eurostat mostram que Portugal é o quinto país da União Europeia com mais pessoas – cerca de 22% – que não conseguem aquecer a casa no inverno. Quando António Mexia dizia, em Abril de 2017, que “a eletricidade não é cara, as casas é que estão mal isoladas”, tinha seguramente razão na segunda parte, mas não na primeira – Portugal tem uma das energias mais caras da Europa. Se esta fosse mais barata, podíamos evitar mortes invernais das populações desfavorecidas.
Depois do enorme choque dos incêndios do verão e outono de 2017, estamos a viver um período crítico em que perceberemos se o país se soube preparar para mais uma onda de calor. No sábado, a comunicação social deu destaque ao envio de mensagens de texto para as pessoas que se encontravam nos distritos com maior risco de incêndio. A mensagem alertava para o risco de incêndio florestal e informava qual o número de telefone a contactar e o site da Proteção Civil a consultar em caso de dúvidas. Era pouca informação, mas já era alguma. A estratégia de disseminar informação sobre desastres naturais via SMS é utilizada noutros países. Não havendo qualquer estudo acerca da sua efetividade neste contexto, sabemos que as mensagens de texto têm sido utilizadas com sucesso nos serviços de saúde para levar as pessoas a deixar de fumar ou manter terapêuticas de doenças crónicas, por exemplo. Entretanto, os bombeiros profissionais vieram queixar-se de falta de coordenação operacional no combate ao incêndio de Monchique. Fernando Curto, presidente da Associação Nacional dos Bombeiros Profissionais, disse ao PÚBLICO que “A estratégia e a táctica estão erradas. No ano passado, dizia-se que não havia meios; este ano há meios e não se consegue controlar os meios”. Para fazer face aos desafios que se aproximam devido às alterações climáticas, vai ser preciso mais do que mensagens de texto.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico