Não chateiem!
Se o que Louçã fez é uma desonestidade intelectual, Catarina Martins superou o seu mentor
Os dirigentes do BE comportam-se genericamente como se estivessem grávidos de vanguardismo e empanturrados de superioridade moral. Eles são a vanguarda e a elite moral que está do lado certo da história. Eles são os ungidos pelo espírito revolucionário, os eleitos a quem foi dado o dom e a graça de anteciparem o futuro Sol na terra, os iluminados predestinados a conduzir as ignorantes e impreparadas massas até aos amanhãs que cantam. Agem com um extremismo e um radicalismo discursivo que impossibilitam e reduzem a caricatura qualquer tentativa de debate político saudável e positivo. Eis senão quando, a máscara caiu.
A demissão de Ricardo Robles era inevitável. Não porque Robles decidiu ser empresário imobiliário e agiu usando a favor do sucesso dos seus negócios as leis da República. É bom saber que Robles tem espírito empreendedor e sabe fazer bons negócios. Desde que pague ao Estado os impostos sobre as mais-valias que lucra, tudo bem, pois beneficia através deles toda a sociedade. Desejo-lhe até uma vida de sucesso empreendedor. Quanto mais ganhar, mais carga fiscal pagará, a bem de todos nós.
A demissão era inevitável por uma questão de coerência e credibilidade. Ninguém pode bramir e erguer bandeiras políticas, como a da defesa da habitação para todos, e entrar em contradição moral na condução das suas acções individuais e privadas. Sobretudo, alguém que tem uma atitude e discursiva de superioridade moral.
Robles demitiu-se da Câmara de Lisboa. Fez bem. Pecou por tarde. Mas o assunto não acaba aqui. E não acaba aqui devido ao comportamento que, perante este caso, tiveram a líder do BE, Catarina Martins, e o pai tutelar do partido, o conselheiro de Estado e comentador político Francisco Louçã.
É inacreditável a atitude de Louçã, no seu espaço de comentário na SIC, logo na sexta-feira, quando o caso foi conhecido. Começando por elogiar o escrutínio democrático dos políticos, que é uma das missões do jornalismo, acabou a tentar esvaziar a crise política que estava instalada no partido de que foi fundador, refugiando-se e limitando-se ao aspecto da legalidade formal que presidiu ao negócio feito por Robles — questão que nunca esteve em causa. Omitiu, porém, o problema de fundo, o da coerência política e da credibilidade dos políticos. Neste caso, de Robles.
Mas se o que Louçã fez é uma desonestidade intelectual, Catarina Martins superou o seu mentor. No domingo, em defesa do seu camarada e primeiro vereador eleito pelo BE em Lisboa, Catarina Martins aplicou as piores técnicas demagógicas e populistas. Indignou se contra as alegadas mentiras que os jornais escreveram sobre o impoluto Robles — pois claro, quando as notícias não nos agradam, mata-se o mensageiro.
Catarina Martins teve o topete de atirar lixo para cima do Presidente da República. Reivindicou, como sendo do BE, o conteúdo de uma lei que o deputado do PCP António Filipe já esclareceu resultar de uma alteração na especialidade proposta por si. Atirou se contra o PSD, acusando este partido de, ao ter pedido a demissão de Robles, liderar uma campanha para destruir a luta política do BE no domínio da habitação — uma luta que o próprio Robles enterrou sozinho, sem precisar de ajuda de ninguém, e com direito a toque de finados e missa do sétimo dia.
Já agora, quando a deputada socialista Helena Roseta há décadas carrega esta bandeira da habitação praticamente sozinha e na legislatura em que o Governo do PS avança com medidas para sanar o sector, não é despudor Catarina Martins erguer o BE como mártir e baluarte desta causa?
Catarina Martins teve mesmo o descaramento de dizer que Robles agiu de forma legítima, pois a sua propriedade ia ser alugada a preços acessíveis e não vendida. Uma tese arranjada pelo próprio empresário de imobiliário na sexta -feira à tarde, depois de a notícia rebentar, para remendar o facto de ter tido o edifício à venda durante meses com o lucro potencial de 4,7 milhões de euros.
Só resta um comentário: não chateiem!
PS: Esta crónica de opinião volta a 25 de Agosto.
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Os dirigentes do BE comportam-se genericamente como se estivessem grávidos de vanguardismo e empanturrados de superioridade moral. Eles são a vanguarda e a elite moral que está do lado certo da história. Eles são os ungidos pelo espírito revolucionário, os eleitos a quem foi dado o dom e a graça de anteciparem o futuro Sol na terra, os iluminados predestinados a conduzir as ignorantes e impreparadas massas até aos amanhãs que cantam. Agem com um extremismo e um radicalismo discursivo que impossibilitam e reduzem a caricatura qualquer tentativa de debate político saudável e positivo. Eis senão quando, a máscara caiu.
A demissão de Ricardo Robles era inevitável. Não porque Robles decidiu ser empresário imobiliário e agiu usando a favor do sucesso dos seus negócios as leis da República. É bom saber que Robles tem espírito empreendedor e sabe fazer bons negócios. Desde que pague ao Estado os impostos sobre as mais-valias que lucra, tudo bem, pois beneficia através deles toda a sociedade. Desejo-lhe até uma vida de sucesso empreendedor. Quanto mais ganhar, mais carga fiscal pagará, a bem de todos nós.
A demissão era inevitável por uma questão de coerência e credibilidade. Ninguém pode bramir e erguer bandeiras políticas, como a da defesa da habitação para todos, e entrar em contradição moral na condução das suas acções individuais e privadas. Sobretudo, alguém que tem uma atitude e discursiva de superioridade moral.
Robles demitiu-se da Câmara de Lisboa. Fez bem. Pecou por tarde. Mas o assunto não acaba aqui. E não acaba aqui devido ao comportamento que, perante este caso, tiveram a líder do BE, Catarina Martins, e o pai tutelar do partido, o conselheiro de Estado e comentador político Francisco Louçã.
É inacreditável a atitude de Louçã, no seu espaço de comentário na SIC, logo na sexta-feira, quando o caso foi conhecido. Começando por elogiar o escrutínio democrático dos políticos, que é uma das missões do jornalismo, acabou a tentar esvaziar a crise política que estava instalada no partido de que foi fundador, refugiando-se e limitando-se ao aspecto da legalidade formal que presidiu ao negócio feito por Robles — questão que nunca esteve em causa. Omitiu, porém, o problema de fundo, o da coerência política e da credibilidade dos políticos. Neste caso, de Robles.
Mas se o que Louçã fez é uma desonestidade intelectual, Catarina Martins superou o seu mentor. No domingo, em defesa do seu camarada e primeiro vereador eleito pelo BE em Lisboa, Catarina Martins aplicou as piores técnicas demagógicas e populistas. Indignou se contra as alegadas mentiras que os jornais escreveram sobre o impoluto Robles — pois claro, quando as notícias não nos agradam, mata-se o mensageiro.
Catarina Martins teve o topete de atirar lixo para cima do Presidente da República. Reivindicou, como sendo do BE, o conteúdo de uma lei que o deputado do PCP António Filipe já esclareceu resultar de uma alteração na especialidade proposta por si. Atirou se contra o PSD, acusando este partido de, ao ter pedido a demissão de Robles, liderar uma campanha para destruir a luta política do BE no domínio da habitação — uma luta que o próprio Robles enterrou sozinho, sem precisar de ajuda de ninguém, e com direito a toque de finados e missa do sétimo dia.
Já agora, quando a deputada socialista Helena Roseta há décadas carrega esta bandeira da habitação praticamente sozinha e na legislatura em que o Governo do PS avança com medidas para sanar o sector, não é despudor Catarina Martins erguer o BE como mártir e baluarte desta causa?
Catarina Martins teve mesmo o descaramento de dizer que Robles agiu de forma legítima, pois a sua propriedade ia ser alugada a preços acessíveis e não vendida. Uma tese arranjada pelo próprio empresário de imobiliário na sexta -feira à tarde, depois de a notícia rebentar, para remendar o facto de ter tido o edifício à venda durante meses com o lucro potencial de 4,7 milhões de euros.
Só resta um comentário: não chateiem!
PS: Esta crónica de opinião volta a 25 de Agosto.