Porque é que vocês nos odeiam mais do que o necessário? (2)
Usar os termos ‘Estado racista’ ou ‘apartheid’ para descrever Israel é demasiado simplista e desvirtua totalmente a realidade.
As reacções que chegaram à Embaixada depois da publicação da primeira parte deste artigo indicaram-me dois fenómenos: a multiplicidade dos portugueses que apoiam a democracia israelita e o facto de muitos deles sofrerem da chamada ‘síndrome da mulher agredida’: assustados pelas frequentes ondas de hostilidade mediática contra Israel, hesitam em expressar abertamente o seu apoio. E, hélas, ficam surpreendidos quando prontamente um órgão de comunicação concede (tanto) espaço ao Embaixador de Israel.
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As reacções que chegaram à Embaixada depois da publicação da primeira parte deste artigo indicaram-me dois fenómenos: a multiplicidade dos portugueses que apoiam a democracia israelita e o facto de muitos deles sofrerem da chamada ‘síndrome da mulher agredida’: assustados pelas frequentes ondas de hostilidade mediática contra Israel, hesitam em expressar abertamente o seu apoio. E, hélas, ficam surpreendidos quando prontamente um órgão de comunicação concede (tanto) espaço ao Embaixador de Israel.
A muitos devo uma explicação sobre o título que escolhi. É uma referência a uma velha anedota judaica baseada na pergunta ‘quem é um anti-semita?’, sendo a resposta ‘todo aquele que nos odeia mais do que o necessário’. Também exprime a minha convicção de que se pode, obviamente, criticar Israel (debater é, aliás, o nosso desporto de eleição). Contudo, quando se demoniza, quando termos como ‘fascista’, ‘racista’, ‘apartheid’ lhe são atribuídos e nunca àqueles com quem tem de confrontar-se, já estamos ao nível do ódio patológico.
Infelizmente, também nos media encontramos aqueles que preferem o Hezbollah, o Irão dos Ayatollahs, o Hamas, a Jihad Islâmica e semelhantes garantindo-lhes total imunidade. Nestes últimos quatro meses o leitor viu alguma reportagem escandalizada pelos 1300 fogos ateados em florestas e terrenos cultivados no sul de Israel por militantes do Hamas em Gaza? E eu que inocentemente julgava que na imprensa – bem como entre a classe política – havia muitos com sensibilidades ambientalistas.
Continuemos:
“Governo de Tel Aviv” – não existe governo em Tel Aviv, tal como não existe governo em Coimbra ou Évora. O governo de Israel e as suas instituições democráticas estão sitas em Jerusalém. É suposto os media prestarem um serviço credível de informação ou adoptarem uma agenda política, ainda que à custa da mentira?
“Israel atacou Gaza” – muitas vezes os espectadores de televisão vêem uma notícia que dá conta de uma operação militar de Israel contra Gaza. O jornalista ‘esqueceu-se’ de dizer que a organização terrorista Hamas, que governa Gaza, e o seu aliado, a Jihad Islâmica, foram quem antes lançou rockets contra cidadãos israelitas. De alguma forma, ‘perde-se’ a sequência de acontecimentos.
“O cerco israelita a Gaza” – será que o consumidor de notícias sabe que não temos outra escolha senão controlar o que entra em Gaza, porque os seus governantes seguem uma carta de princípios que estipula a eliminação do Estado de Israel? E que, ao invés de cuidar da sua população que vive miseravelmente, investe apenas na sua máquina de guerra? Será que sabe que Israel transfere diariamente mercadorias, comida e medicamentos em centenas de camiões para Gaza? E que, também diariamente, palestinianos doentes são transferidos para tratamentos em Israel? Haverá aqui alguém que se põe ao serviço de um lado ou, até pior, contra o outro à custa da verdade?
“Palestina” – foi alguma vez explicado aos portugueses que este foi um nome atribuído pelos romanos à terra de Israel quando expulsaram o povo judeu, tentando arrasar assim também com o seu sentimento de pertença ao país? Que o termo ‘povo Palestino’ é recente, que nunca houve um Estado Palestiniano e que mesmo quando a ONU estipulou a Partição, na Resolução 181 de Novembro de 1947, foi entre dois Estados, o Judaico e o Árabe? E que a liderança judaica encabeçada por Ben Gurion aceitou este compromisso enquanto os árabes o rejeitaram? Que entre 1948 e 1967 a Faixa de Gaza estava sob ocupação egípcia e que a Cisjordânia (ou, na sua denominação bíblica, Judeia e Samaria) estava sob ocupação jordana e que nenhum destes países árabes sonhou sequer permitir ao povo ocupado estabelecer um Estado Palestiniano? Saberão os portugueses que, como parte do acordo de paz entre o Egipto e Israel, este ofereceu aos palestinianos uma autonomia que (mais uma vez) rejeitaram? E que, provavelmente, se tivesse sido garantida uma boa vizinhança com Israel já teriam um Estado? Saberá o leitor que Israel concordou com a solução com dois Estados-nação e que os palestinianos estão prontos a falar de uma solução de dois Estados mas nunca de dois Estados para dois povos? Porque os palestinianos que pediram durante anos, com o apoio massivo da Europa, o reconhecimento do seu direito à autodeterminação, não reconhecem o mesmo direito ao povo judeu: “Nunca reconheceremos Israel como Estado judaico”, declarou Abu Mazen, em demanda pelo reconhecimento de um Estado para o seu povo.
É este o âmago do conflito e é importante que o leitor o saiba, mesmo que os media não se esforcem para o dar a conhecer e que a UE não faça suficiente pressão sobre a liderança palestiniana no intuito de reconhecer o nosso direito à autodeterminação.
“Colonatos” – os media descrevem-nos como a razão do não-atingimento da paz. A UE apressa-se a denunciar Israel pela construção de qualquer par de casas. Mas será este verdadeiramente o obstáculo? Quando não existiam colonatos, os árabes reconheceram Israel? Estavam prontos para fazer a paz connosco? E quando, por pressão do Presidente Obama, a sua construção foi congelada durante quase um ano, o Presidente Abu Mazen sentou-se à mesa das negociações? E porque não ter uma porção de população judaica num futuro Estado Palestiniano, exactamente como temos uma porção de população árabe em Israel? Os colonatos não foram e não serão um obstáculo se os palestinianos aceitarem a existência de um Estado judaico e desistirem de fantasiar com a destruição de Israel usando a guerra, o terrorismo ou a demografia – a que chamam o Direito de Retorno.
E daqui passo à contextualização da controversa Lei da Nacionalidade. ‘Estado racista’ e ‘apartheid’ são dois termos com que a extrema-esquerda há muito já nos havia baptizado. Atreveu-se a usar estes mesmos termos contra os nossos vizinhos que perseguem as suas minorias, incluindo as muitas comunidades cristãs no Médio Oriente? Contra aqueles que apedrejam mulheres sob acusação de adultério? Contra os que enforcam homossexuais pela sua orientação sexual?
Ironicamente, é muito provável que só devido ao ataque que nos foi dirigido por causa desta Lei é que o leitor tenha tomado conhecimento de que em Israel os árabes podem votar e ser eleitos para o Parlamento e que os árabes-israelitas são os únicos, em todo o Médio Oriente, que participam num processo democrático eleitoral. E talvez valha a pena acrescentar que neste Estado, em que dizem vigorar o apartheid, a minoria árabe está integrada em todas as áreas da sociedade, incluindo juízes em todos os tribunais (até no Supremo), oficiais das Forças Armadas e diplomatas de carreira.
A Lei da Nacionalidade provoca em Israel um debate inflamado, como é normal num país democrático como o nosso, que vive uma realidade complexa. Muitos acreditam que é desnecessária, outros criticam a sua semântica.
Neste caso, também é necessário entender o contexto, mesmo que não se concorde com a Lei. O sentimento em Israel, de cerco, que mencionei na primeira parte do artigo, intensificou-se nos últimos anos pelo facto do direito do povo judeu a um pequeno Estado ser questionado.
A moda da extrema-esquerda europeia, para quem a fundação do Estado de Israel foi um erro, e o seu apoio ao movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que é uma rede internacional que aparentemente combate a “ocupação”, mas na prática é parte de um esforço concertado de deslegitimação do Estado de Israel; e a recusa dos palestinianos, mesmo os dados como pragmáticos, em reconhecer o direito do povo judeu à sua autodeterminação, na fórmula completa de dois Estados para dois povos, em muito contribuíram para esse sentimento.
O extremismo crescente dos membros do Knesset do partido Joint Arab List, que enquanto prestam juramento ao Estado de Israel e suas leis, como quaisquer outros parlamentares, proferem declarações radicais contra a legitimidade de um Estado para o povo judeu, enquanto existem 57 Estados muçulmanos, dos quais 21 são árabes. A grande maioria dos cidadãos árabes-israelitas é leal ao Estado mas o crescente extremismo no sector árabe alimenta o extremismo no sector judaico.
Pode-se rejeitar e ser contra a Lei tal como ela é, como sucede com muitos cidadãos israelitas, judeus e árabes, no seu todo. Aliás, de acordo com uma sondagem feita esta semana à população judaica (80% do total), 52% concordam com a necessidade da Lei (potencialmente baseados nas razões que invoquei atrás), mas 60% exigem que se inclua um artigo que garanta igualdade a todos os cidadãos, judeus ou não, no espírito da nossa Declaração de Independência de 1948.
Usar os termos ‘Estado racista’ ou ‘apartheid’ é demasiado simplista e desvirtua totalmente a realidade. A democracia israelita enfrenta desafios que nenhuma outra democracia ocidental tem de enfrentar. Porém, a realidade em Israel não mudará, isto é, os seus cidadãos, todos eles, ainda que religiosa e etnicamente diversos, continuarão iguais perante a Lei. Este princípio de igualdade está ancorado na Declaração de Independência, nas leis que já existem e na solidez das nossas instituições judiciais.
Se eu fosse português seria um apoiante desta forte e única democracia num tão próximo Médio Oriente. E insistiria para que respeitassem o meu direito a receber informação fidedigna sobre Israel, a sua complexidade e os desafios que enfrenta.