António Casalinho, o bailarino que se habituou a ganhar

Jovem português acumula reconhecimento internacional e trouxe os últimos prémios do Concurso Internacional de Ballet de Varna, na Bulgária. Estuda em Leiria, mas a escola que o influencia é cubana. Aos dez anos, já sabia que queria fazer da dança carreira. Aos 15, é apenas uma questão de tempo.

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A primeira vez que Elena Cangas Martínez viu António Casalinho em palco foi num vídeo, em 2016, antes de vir a Portugal dar aulas no Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, em Leiria. O jovem bailarino português dançava o ballet de repertório O Corsário, recorda a professora da Escola Nacional de Ballet de Cuba, para logo de seguida reproduzir a reacção que então teve: “Não... Não é possível, uma criança tão pequena com este nível!” O episódio foi há mais de dois anos e António tem hoje 15.

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A primeira vez que Elena Cangas Martínez viu António Casalinho em palco foi num vídeo, em 2016, antes de vir a Portugal dar aulas no Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, em Leiria. O jovem bailarino português dançava o ballet de repertório O Corsário, recorda a professora da Escola Nacional de Ballet de Cuba, para logo de seguida reproduzir a reacção que então teve: “Não... Não é possível, uma criança tão pequena com este nível!” O episódio foi há mais de dois anos e António tem hoje 15.

Quando chegou pela primeira vez a Leiria, onde passa desde então vários meses por ano ao abrigo de um protocolo entre as duas escolas, Cangas Martínez “já sabia que o que teria na sala de aula era um génio”. Entretanto, já este ano, foi uma das professoras que ajudaram António Casalinho a preparar-se para o Concurso Internacional de Ballet de Varna, cidade búlgara à beira do Mar Negro. Na competição tida como as “olimpíadas da dança” conquistou a medalha de ouro na categoria de juniores, o prémio especial para jovens talentos Emil Dimitrov, o prémio especial para os bailarinos mais promissores e o prémio especial para os mais jovens em competição (estes dois últimos ex-aequo).

O regresso a Portugal com esta bagagem aconteceu na quarta-feira. No dia seguinte, o PÚBLICO encontrou António Casalinho já de volta ao trabalho, nas salas do conservatório de Annarella Sanchez, onde treina seis dias por semana. Na recepção, dois cestos com smartphones amontoados indiciam que ali dentro não são permitidas distracções.

Num “dia normal”, António começa o treino às 14h30, depois de uma manhã na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira, localizada mesmo ali ao lado. De segunda a sábado, são cerca de seis horas por dia, descreve. Os cálculos são fáceis de se fazer e dão 36 horas de treino por semana. O tempo é investido no ensaio de solos, variações, repertório, carácter, flexibilidade e contemporâneo.

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António Casalinho nas salas do conservatório de Annarella Sanchez Adriano Miranda

Mas não é só o cálculo do salto e da rotação nos treinos que lhe interessa. Quando António Casalinho está sentado nas cadeiras da escola, a sua disciplina preferida é a matemática. Na organização de uma semana, entre ensaios e escola, ainda assim tem tempo para “estar em casa com a família e às vezes sair com os amigos ou ir ao cinema”, diz. “Claro que não tenho o mesmo tempo que as outras pessoas, mas isso não impede que me divirta.”

O seu percurso começou aos oito anos, inspirado por colegas de turma que já praticavam ballet, o que o levou a fazer uma audição na academia da professora e coreógrafa cubana Annarella Sanchez. “Ela ligou aos meus pais”, conta. Acabou por ficar nas suas aulas. Já experimentou vários estilos, do sapateado às danças de salão, passando pelo jazz, acabando por se especializar em ballet. Antes dos dez já tinha começado a competir.

Dos oito aos 15, diz, dedicou-se "a trabalhar pouco a pouco até aqui". O "aqui" é o reconhecimento internacional, do qual o prémio de Varna é apenas a mais recente etapa. Pelo caminho, e entre outras distinções, o jovem de Leiria conquistou o Youth America Grand Prix em 2016 e novamente em 2018. Em 2017 concorreu ao programa televisivo Got Talent, que também ganhou.

De Cuba para Leiria

O reconhecimento internacional também não é estranho à casa de Annarella. Já neste mês de Julho, uma comitiva da escola recebeu 28 medalhas na Dance World Cup, em Barcelona. Annarella Sanchez, professora e coreógrafa cubana que há duas décadas fundou a instituição e lhe deu nome, explica que a componente artística da educação dos alunos vem da escola cubana de ballet, “um modelo de ensino específico, reconhecido no mundo inteiro”. Daquela ilha das Caraíbas saíram vários bailarinos para grandes companhias internacionais, como é o caso de Carlos Acosta ou Rolando Sarabia.

A tradição vem de longe e do trabalho seminal de Alicia e Fernando Alonso no ballet cubano. O par é reconhecido por ter impulsionado o ensino do ballet naquela ilha, que teve um novo fôlego com o triunfo da revolução cubana em 1959.

Foi sobre estas fundações que Annarella Sanchez, em Portugal desde 1996, construiu a sua academia, adaptando o método cubano aos requisitos do ensino português. Actualmente, a escola tem cerca de 160 alunos, divididos em dois grupos: os 80 que querem seguir um percurso profissional frequentam o conservatório; os outros 80 que não querem fazer carreira da dança frequentam a academia. A escola tem protocolos com a Escola Secundária Afonso Lopes Vieira (do 7.º ao 12.º ano de escolaridade) e com a Escola Correia Mateus (5.º e 6.º) para que os estudantes tenham ali o complemento académico à formação artística.

Há estudantes portugueses, como é o caso de António Casalinho, mas a maioria dos alunos vem de outros pontos do globo para Marrazes, a freguesia da periferia do concelho de Leiria onde está localizado o conservatório. A lista enumerada por Annarella Sanchez começa em Espanha e vai até à Austrália, passando por Paraguai, Argentina, Estados Unidos, França, Brasil ou Roménia. As aulas também são leccionadas por professores com experiência internacional, sendo que a maioria é estrangeira. Como factores de atractividade, a professora e coreógrafa refere o bom corpo docente, o ensino de qualidade a “um preço razoável” e um nível de vida que “não é caro”.

O número de alunos relativamente reduzido é explicado pela responsável com a necessidade de “personalizar” a formação dos jovens, algo que seria impossível se o ensino fosse massificado. O estabelecimento recebe professores da Escola Nacional de Ballet de Cuba, que vão a Leiria leccionar, sendo que a escola é privada e suportada pelos pais.

“Domínio técnico impressionante”

Não há uma fórmula imbatível para gerar um bailarino de excelência. “É difícil, quando tens uma criança pequena, prever o que vai acontecer”, explica Cangas Martínez. Há demasiadas variáveis. Fisicamente, "não ter defeitos ortopédicos, ser alinhado e bem proporcionado”, ajuda, tal como ter flexibilidade no tronco, nas pernas e nos pés. São também importantes "a coordenação e a musicalidade".

Mas, além da constituição de um corpo, há características intelectuais que podem determinar o nível. “Às vezes, [os bailarinos] têm todas as condições físicas e não são inteligentes para dançar.” No sentido contrário, há também quem “não tenha todos os requisitos físicos, mas com inteligência e com vocação consegue dançar”. Quem entra no seu conservatório, resume Annarella, “tem de saber o que quer, de trabalhar para isso e de ser muito disciplinado”.

E António reúne todas essas condições, refere Elena Cangas Martínez. “Não é porque obteve os resultados que obteve que deixa de se esforçar”, afirma. “É espectacular, um rapaz especial, e não apenas no palco. Mostra-se tão simples e natural, esforça-se sempre e tem um domínio técnico em aula que é impressionante.”

A professora descreve o aluno também com movimentos. Distende e recolhe os braços, acompanhando as palavras lisonjeiras com gestos graciosos. “Genial, genial, genial”, repete, sobre a actuação do jovem em Varna. “Quando fez a terceira volta, deixou-me sem palavras. Não havia nada a dizer.”

Os prémios ajudam a projectar uma carreira que há muito decidiu que quer seguir, reconhece António Casalinho —“Mas não são as competições que fazem com que um bailarino seja um bom bailarino”, ressalva. “Há gente que não vai a competições e se torna num bom bailarino”, acrescenta.

Diz com assertividade que é da dança que quer fazer carreira. Para já, deve continuar em Portugal. “Enquanto estudante, é melhor ficar aqui. Consigo chegar mais longe onde estou”, considera. Numa fase mais avançada, a nível profissional, pensa sair do país, uma vez que “a nível de companhias Portugal ainda não está muito desenvolvido”.

O discurso da professora Elena não deixa dúvidas sobre as condições para que o jovem português possa prosseguir essa via. “Ele ultrapassa os parâmetros técnicos e artísticos de qualquer companhia [de bailado] do mundo”, declara. “Só lhe falta terminar de crescer, amadurecer artisticamente, fazer carreira e reunir um repertório”. E isso é só uma questão de tempo.