Tom Cruise entre a terra e o céu

O mais compensador e mais divertido blockbuster do Verão de 2018.

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Vai longo o franchise da Missão Impossível (o primeiro filme estreou há 22 anos), e sempre teve algo de especial no meio da profusão de franchises, sequelas e prequelas que marcaram o cinema americano deste período (por exemplo, o facto de ter começado por chamar realizadores com reputação de auteurs: os dois tomos iniciais foram dirigidos por Brian de Palma e John Woo, já com Tom Cruise a fazer o protagonista Ethan Hunt). Hoje, ao sexto filme, e não descurando o papel de JJ Abrams na produção, Missão Impossível é  o recreio de Cruise e do seu compincha Christopher McQuarrie, que vai no segundo filme seguido a escrever o argumento e a realizar. E tal como há dois anos o episódio anterior, Rogue Nation, foi o melhor blockbuster desse Verão, também Fallout, apesar de mais frágil (a duração excessiva dá a sensação de lhe amolecer o ritmo), será o melhor, mais compensador e mais divertido blockbuster do Verão de 2018.

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Vai longo o franchise da Missão Impossível (o primeiro filme estreou há 22 anos), e sempre teve algo de especial no meio da profusão de franchises, sequelas e prequelas que marcaram o cinema americano deste período (por exemplo, o facto de ter começado por chamar realizadores com reputação de auteurs: os dois tomos iniciais foram dirigidos por Brian de Palma e John Woo, já com Tom Cruise a fazer o protagonista Ethan Hunt). Hoje, ao sexto filme, e não descurando o papel de JJ Abrams na produção, Missão Impossível é  o recreio de Cruise e do seu compincha Christopher McQuarrie, que vai no segundo filme seguido a escrever o argumento e a realizar. E tal como há dois anos o episódio anterior, Rogue Nation, foi o melhor blockbuster desse Verão, também Fallout, apesar de mais frágil (a duração excessiva dá a sensação de lhe amolecer o ritmo), será o melhor, mais compensador e mais divertido blockbuster do Verão de 2018.

A receita é a mesma: começa-se por reduzir os quiproquós narrativos a uma simplicidade digna de um macguffin (no caso, o tradicional arquivilão que se prepara para infligir uma catástrofe à humanidade), e usar essa história esquelética como fio condutor para o alinhamento das sequências de acção, que são a carne do filme. É nelas que se concentram a imaginação, a inteligência e o talento dos autores - em particular de McQuarrie, que vamos começando a ver como um mini-McTiernan, digno substituto (não é o mesmo que dizer “sucessor”) do realizador de Die Hard. Cada sequência é construida como um problema específico a decorrer num determinado espaço durante um determinado tempo, e esse princípio implica que o espectador tenha todos os dados essenciais sobre o que vai acontecer, que é maneira de poder apreciar a tensão entre o que estava previsto e o que não corre como previsto. Depois, é como um espectáculo de variedades onde em vez de números musicais há acrobacias físicas: pode ser uma cena de pancadaria no espaço exíguo de uma casa de banho pública, pode ser o centro de Paris e uma moto em contramão pela rotunda do Arco do Triunfo, pode ser - numa sequência que é espantosa - um salto em queda livre, em que se começa dentro dum avião, atravessa-se nuvens de tempestade depois das quais se revelam os pontinhos luminosos da noite parisiense, e se vem por aí abaixo, como um zoom no Google Maps, até pousar no tecto do Grand Palais.

Claro que nestes dias não se pode confiar nas imagens, há sempre a suspeita de que a proeza física (a dos actores, mas também a da câmara) esteja inquinada de batota digital. Consciente disso, McQuarrie aponta a uma espécie de derradeira reserva de verdade: o corpo e o rosto dos actores, especialmente Cruise, em movimento. Como se dissesse que à volta dele até pode ser tudo uma aldrabice mas este tipo está mesmo a cavalgar uma moto, ou empoleirado num penhasco, ou pendurado num helicóptero: há aqui um nível de básico de acção que depende disto, da nossa crença na autenticidade daqueles gestos, e que mutatis mutandis até tem qualquer coisa de “primitivo”, como se quisesse fazer de Cruise um mini-mini-Buster Keaton. Depois, essa atenção a um rosto em esforço cola às mil maravilhas com o “auto-retrato em sofrimento” que o filme constitui para Cruise (e não duvidemos da sua responsabilidade “autoral”). A abertura faz-se com um pesadelo dele com a ex-mulher, e logo a seguir põem-lhe nas mãos a Odisseia. É tudo o é que preciso saber sobre a personagem: vive afogada em culpa e remorso, e é como um Ulisses condenado à errância sem esperança de Ítaca. Daí o lado sofredor e masoquista deste Ethan Hunt, que nem tem, como 007, direito a miúdas e cocktails: para ele a acção não é um prazer, é castigo e expiaçao, e quedas constantes, como se tudo se resumisse à procura de um lugar “assim na terra como no céu”. Constatamos e relatamos isso com um sorriso: nada disto é para levar a sério. Mas não impede que, para Cruise, a Missão Impossível seja cada vez mais esse lugar onde as coisas fazem sentido e tudo, a começar por ele próprio, parece existir em justeza.

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