O fascínio das universidades pelos primeiros-ministros
Os ex-governantes são cidadãos de pleno direito, e podem ser convidados pelas universidades através das mesmas regras que se aplicam aos outros. Não pode nunca é transparecer que há convites por medida, especiais para eles.
Há uma asserção de George Bernard Shaw que é demolidora para os docentes: “Quem sabe faz. Quem não sabe ensina.” Claro que estas duas simples frases assim associadas são uma provocação... mas até podem constituir um estímulo para que cada professor seja melhor e cada vez mais professor!
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Há uma asserção de George Bernard Shaw que é demolidora para os docentes: “Quem sabe faz. Quem não sabe ensina.” Claro que estas duas simples frases assim associadas são uma provocação... mas até podem constituir um estímulo para que cada professor seja melhor e cada vez mais professor!
Hoje o que me traz aqui é a recente notícia de que Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro entre 2011 e 2015, além de ser professor catedrático convidado no ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa), no ano letivo 2018-19 vai também lecionar como professor convidado catedrático do curso de Economia da Universidade Lusíada.
Existindo tanta precariedade no corpo docente e investigador dos estabelecimentos de Ensino Superior, este tipo de convite a ex-governantes revela o fascínio que os gestores das universidades nutrem pelos políticos ao mais alto nível.
Assim, pegando numa lista dos mais recentes primeiros-ministros de Portugal, constata-se que: (1) António Guterres, primeiro-ministro entre 1995 e 2002: foi posteriormente professor convidado a tempo parcial no Instituto Superior Técnico; (2) José Manuel Durão Barroso, primeiro-ministro entre 2002 e 2004: de São Bento saiu diretamente para a Europa para assumir a presidência da Comissão Europeia, mas depois foi convidado para dar aulas em estabelecimentos superiores em Portugal e no estrangeiro; (3) Pedro Santana Lopes, primeiro-ministro entre 2004 e 2005: na sua biografia publicada pela Assembleia da República indicou como profissão advogado e docente universitário; e é um facto que (4) José Sócrates, primeiro-ministro entre 2005 e 2011, depois de ser primeiro-ministro não deu aulas (foi estudar para Paris) mas, como ex-secretário de Estado do Ambiente, foi professor convidado da Universidade Independente em 1996-1997, logo após a conclusão da sua licenciatura naquele estabelecimento.
Os ex-governantes são cidadãos de pleno direito, e podem ser convidados pelas universidades através das mesmas regras que se aplicam aos outros. Não pode nunca é transparecer que há convites por medida, especiais para eles. O exemplo mais impactante sobre a sociedade vem dos que ocupam ou ocuparam os mais altos cargos no Estado.
Não deve haver dois pesos e duas medidas. Todo o sistema de ensino superior, universitário e politécnico, tem o Estado como avalista. Quer no caso das universidades públicas, quer no caso das universidades privadas, as regras de contratação ou convite a novos docentes não podem esquecer o princípio ético da igualdade de oportunidades para todos os cidadãos. Não será também no ensino superior que se transmitem e exemplificam os valores da democracia, dos direitos humanos e da justiça social?
Quanto à minha preferência, não tenho dúvidas: tendencialmente o ensino superior deve ser público, gratuito, democrático, de qualidade e capaz de promover na sociedade portuguesa a realização dos valores que são essenciais para o seu desenvolvimento.
As aulas nas universidades, pelo menos nas ditas “públicas”, deviam ser públicas, ou seja, segundo o trecho dos estatutos de alguns antigos colégios universitários, "a elas pode assistir qualquer pessoa que tiver obtido do regente (professor responsável) esta permissão, a qual sob nenhum pretexto pode ser negada, contanto que essa pessoa se apresente com a decência devida”.
Se as aulas tiverem boa audiência, com alunos e professores atentos, motivados e críticos, as frases de George Bernard Shaw “quem sabe faz; quem não sabe ensina” caem pela base e o ensino sai reforçado, triunfante e, sobretudo, útil.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico