“O desafio da economia de biscates é tornar os empregos dignos”
A emergência de actividades como a Uber ou a Airbnb trazem novos desafios ao mundo do trabalho, defende Jeff Johnson, economista da Organização Internacional do Trabalho. O mais importante, alerta, é garantir que o emprego é digno e produtivo.
O mundo do trabalho está a sofrer profundas transformações com a robotização da economia e com a emergência de novas actividades baseadas nas plataformas digitais, o que cria pressões e oportunidades para o futuro. Para Jeff Johnson, director adjunto do Departamento de Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o grande desafio que a economia de biscates (a chamada gig economy) enfrenta é conseguir que o emprego criado seja digno e respeite os direitos dos trabalhadores. O economista, que nos últimos anos se tem dedicado ao estudo do futuro do trabalho, não tem dúvidas de que os empregos repetitivos têm os dias contados, o que obrigará a reconverter um elevado número de trabalhadores. As empresas, garante, quererão cada vez mais trabalhadores com capacidade de trabalhar em equipa, com inteligência emocional e que compreendam a diversidade do mundo. E são essas competências que a escola também tem de ajudar a desenvolver, defende.
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O mundo do trabalho está a sofrer profundas transformações com a robotização da economia e com a emergência de novas actividades baseadas nas plataformas digitais, o que cria pressões e oportunidades para o futuro. Para Jeff Johnson, director adjunto do Departamento de Estudos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o grande desafio que a economia de biscates (a chamada gig economy) enfrenta é conseguir que o emprego criado seja digno e respeite os direitos dos trabalhadores. O economista, que nos últimos anos se tem dedicado ao estudo do futuro do trabalho, não tem dúvidas de que os empregos repetitivos têm os dias contados, o que obrigará a reconverter um elevado número de trabalhadores. As empresas, garante, quererão cada vez mais trabalhadores com capacidade de trabalhar em equipa, com inteligência emocional e que compreendam a diversidade do mundo. E são essas competências que a escola também tem de ajudar a desenvolver, defende.
Estamos a assistir a grandes avanços na automatização e na robotização da economia. De que forma estas alterações vão determinar o futuro do trabalho?
Globalmente, há várias dimensões que estão a mudar a natureza do trabalho. A mais abordada nos meios de comunicação social é, de facto, a que está relacionada com a inovação e com a tecnologia. A forma como integramos a tecnologia e a inovação nos processos produtivos e como usamos a inteligência artificial nos modelos de negócios está a mudar a forma como trabalhamos e isso cria pressões e oportunidades para o futuro. Mas este é apenas um dos factores. Estamos também a assistir a grandes mudanças demográficas e confrontados com as alterações climáticas. Todos estes factores estão a conduzir a alterações na forma como trabalhamos, nos processos produtivos e até na forma como consumimos.
As actividades baseadas nas plataformas digitais, como a Uber ou a Airbnb, também têm vindo a crescer e trazem consigo novas formas de trabalhar e novas relações entre os trabalhadores e as empresas. Como é que os governos podem fazer face aos problemas laborais que emergem do desenvolvimento destas plataformas?
A resposta tem de ser encontrada não só pelos governos, mas em diálogo com as empresas e com os trabalhadores. Estamos perante novas formas de trabalho e a questão é saber se temos de adaptar a legislação dos vários países para responder às novas preocupações ou se precisamos, sobretudo, de obrigar as empresas a cumprir a lei. Na Alemanha, assim como noutros países, está-se a olhar para estes trabalhadores como sendo trabalhadores por conta de outrem e a tentar enquadrá-los no quadro legal. Nos últimos anos, temos vindo a mudar os modelos de negócios e é preciso saber como adaptamos estas formas alternativas de trabalho, garantindo que o trabalho é digno e produtivo.
O que está a dizer é que temos de aprender a viver com estes novos negócios?
Uma coisa de que por vezes nos esquecemos é que temos de garantir que a actividade económica tem de servir a sociedade e não outra coisa. Temos de garantir que estas actividades acrescentam valor às nossas sociedades.
No caso de alguns trabalhadores, estas plataformas digitais proporcionam-lhes uns biscates que lhe permitem ganhar algum dinheiro enquanto estudam, por exemplo. Mas para outros, este é o único emprego que conseguem, com o que isso implica ao nível dos direitos e do acesso à protecção social. Como é que aqui se encontra algum equilíbrio?
Sempre que viajo, faço questão de andar de Uber, para poder falar com os condutores. Há pessoas que, de facto, consideram estes trabalhos como um biscate e como uma forma de sustentarem o seu estilo de vida. No extremo oposto temos pessoas que aceitam este tipo de empregos como um emprego de último recurso, têm de fazer alguma coisa para sobreviver e esta é a solução que encontram. A questão é que não queremos apenas que as pessoas sobrevivam, queremos que as pessoas possam escolher. E é aqui que a sociedade e o diálogo social têm um papel relevante para assegurar que estas actividades asseguram um emprego com direitos. Temos de perceber que o problema não se resolve apenas com medidas num país. Em muitos casos, o empregador pode estar num país, a plataforma noutro e o trabalhador noutro totalmente diferente e, por isso, é preciso garantir que os sistemas funcionam de tal forma que dão uma protecção adequada neste contexto.
E como é que se garante essa protecção?
A primeira pergunta que temos de fazer é se estes trabalhadores são efectivamente independentes e fazem apenas um biscate. Quando olhamos para os condutores da Uber, ou de outras actividades semelhantes, eles são trabalhadores independentes ou respondem a ordens e a indicações da empresa? Esta é uma oportunidade para os governos trabalharem de perto com as organizações de trabalhadores e de empregadores para determinarem isso e, a partir daí, definirem qual a protecção adequada.
A economia de biscates (gig economy) é, de certa forma, uma antecipação de como será o trabalho no futuro? Trabalhadores que prestam serviços, trabalham por projecto, sem uma relação formal com o empregador e sem direitos mínimos assegurados?
Estamos a assistir a uma mudança na forma como trabalhamos e a economia de partilha está a ganhar terreno. Se esse é o futuro, é uma boa questão. O desafio é como tornar estes empregos decentes e produtivos.
Nós, enquanto consumidores, podemos influenciar o processo de mudança?
Os consumidores têm uma responsabilidade que devem assumir ao escolher comprar bens e serviços que apoiam o trabalho produtivo e não a exploração.
Neste processo de robotização, mudança demográfica e climática, que empregos estão em risco de desaparecer e que empregos novos vão surgir?
A inovação, a tecnologia e a inteligência artificial tornam obsoletos os trabalhos repetitivos, que acabarão por desaparecer. Estamos a falar em trabalhos repetitivos no sector da indústria, ou em empregos no sector financeiro, em que os algoritmos podem facilmente assegurar algumas tarefas. Mas continuaremos a necessitar de competências relacionadas com a ciência, a matemática ou a tecnologia. No futuro o emprego estará muito assente em competências relacionadas com a capacidade de trabalhar em equipa, de levar as pessoas a comprar bens e serviços e com a capacidade de interacção. Já estamos a assistir a um declínio dos empregos repetitivos nos países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico], mas continuaremos a ter emprego no sector dos serviços. Os empregos na área da saúde e da assistência, do entretenimento, do lazer ou da hotelaria vão continuar a existir.
Neste processo, há trabalhadores que vão ficar de lado? Tradicionalmente os jovens e as mulheres são muito penalizados nestes processos de mudança.
À medida que a indústria foi sofrendo alterações, houve sempre trabalhadores a precisar de ser reconvertidos. A questão é como seguimos em frente. Os governos têm de desenvolver mecanismos de transição da escola para o trabalho e têm de apostar na reconversão dos trabalhadores e ajudá-los a encontrar novas oportunidades de emprego
No caso dos jovens, temos milhares, na Europa, que não estão a estudar, nem em formação, nem a trabalhar (os chamados NEET) e que estão condenados a ficar de fora?
Essa é uma questão muito importante, como é que nós, enquanto sociedade, garantimos que os jovens têm as competências que os empregadores procuram hoje e, sobretudo, no futuro? Mais uma vez, o diálogo social é aqui muito importante. Os empregadores têm de trabalhar ao lado dos governos para assegurar que os currículos escolares são adequados. Lembro, contudo, que o papel da educação não é apenas preparar as pessoas para o mercado de trabalho, mas criar melhores cidadãos. Temos de garantir que conseguimos encontrar um equilíbrio entre as necessidades do mercado de trabalho e o reforço do papel dos jovens enquanto cidadãos. Há um conjunto de competências que são muito importantes, além das competências cognitivas. Temos de garantir que, além das aprendizagens, os jovens desenvolvem outras competências para saberem trabalhar em equipa, desenvolver a inteligência emocional e compreender a diversidade do mundo. Lembro, contudo, que não são apenas os jovens que têm necessidade de requalificação, há uma grande porção da população, principalmente a que trabalha na indústria, que também precisa de se requalificada.