Jorge Ferreira, o quarto português a atingir a elite do xadrez mundial
O xadrezista conquistou recentemente o título de Grande Mestre e vai agora dedicar-se a um doutoramento em Filosofia.
Jorge Ferreira é o nome de maior destaque do xadrez português nos últimos anos e, provavelmente, o seu maior talento. A prová-lo está o seu estatuto de número um nacional desde há várias épocas e a conquista do recente título de Grande Mestre, o mais alto galardão outorgado pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE), e que apenas três outros portugueses alcançaram, António Antunes, já retirado há mais de uma década, Luís Galego e António Fernandes.
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Jorge Ferreira é o nome de maior destaque do xadrez português nos últimos anos e, provavelmente, o seu maior talento. A prová-lo está o seu estatuto de número um nacional desde há várias épocas e a conquista do recente título de Grande Mestre, o mais alto galardão outorgado pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE), e que apenas três outros portugueses alcançaram, António Antunes, já retirado há mais de uma década, Luís Galego e António Fernandes.
A viagem que o levou do total desconhecimento do jogo até ao topo do xadrez nacional durou 13 anos e foi notável. Pouco depois de completar os 11 anos a sua professora de educação física da escola EB2,3 de Paranhos, Porto, lançou-lhe o desafio de aprender xadrez, para poder participar numa simultânea que iria ocorrer no dia seguinte com a mestre FIDE feminina, Ariana Pintor. E, de um dia para o outro, aprendeu as regras básicas do jogo e conseguiu, durante a sessão de exibição, ser o jogador que maior resistência colocou a Ariana.
O feito valeu-lhe uma medalha, mas acima de tudo despertou-lhe uma intensa atracção pelo xadrez e uma enorme vontade de aprender as subtilezas deste complexo jogo. Procurou um espaço em que pudesse praticar a modalidade e filiou-se naquele que é o seu clube de sempre, o Grupo Desportivo Dias Ferreira, de Matosinhos. Poucas semanas depois, a participação no seu primeiro torneio federado e a conquista do primeiro lugar do escalão de sub-12, fortaleceu ainda mais a sua vontade de evoluir.
Os pais oferecem-lhe o primeiro livro de xadrez, que devora, e a partir daqui a sua sede de conhecimento leva-o a uma procura incessante de mais informação, que lhe permite um desenvolvimento meteórico do seu nível xadrezístico. Por duas vezes é campeão nacional escolar e, aos 15 anos, alcança o título de Mestre FIDE, ao ultrapassar a barreira dos 2300 pontos no ranking internacional, e tornando-se, por larga margem, o mais jovem português a atingir esta categoria. Em 2012 é campeão de sub-18, na que seria a sua última prova nacional nos escalões jovens, pois, nos anos seguintes a federação portuguesa permite-lhe participar nos Europeus e Mundiais sem necessitar de uma qualificação prévia. E a experiência acumulada garante-lhe, um ano depois, a conquista da terceira e definitiva norma para o título de Mestre Internacional.
Faltava-lhe o derradeiro passo para atingir o topo, o título de Grande Mestre. E, em 2015, liderando a sua equipa no campeonato nacional da I Divisão, conquista “in extremis” a primeira norma, vencendo os seus dois últimos duelos, um deles com o venezuelano Eduardo Iturrizaga, jogador do “top-100” mundial.
Entretanto, a vida académica afastou-o do tabuleiro e o título ficou adiado, ao ingressar na Universidade de Amesterdão, no Instituto de Lógica, Linguagem e Computação, para a realização do mestrado, depois de ter concluído a licenciatura em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde foi o melhor aluno. Durante os próximos dois anos dedicou-se por inteiro ao “Masters of Sciences in Logics", escrevendo uma tese em lógica filosófica que termina com a atribuição da qualificação mais elevada (cum laude) “ Distinção e Louvor” tendo sido considerado o melhor estudante de Filosofia desse mestrado.
Ainda antes de a tese estar concluída enviou currículos para as instituições mais prestigiadas do mundo para se candidatar ao doutoramento em filosofia e acabou por ser aceite na Universidade de Nova Iorque, que lhe atribuiu uma das bolsas mais procuradas e difíceis de obter, a “MacCracken Fellowship”, num valor de 37 mil dólares anuais.
Entre o final do mestrado e o início do doutoramento abriu-se uma janela temporal que aproveitou para se voltar a dedicar ao xadrez e os resultados não podiam ter sido melhores. No Europeu individual disputado em Batumi, Geórgia, alcançou o 30.º lugar entre os mais de 300 participantes, em igualdade pontual com o 8.º classificado e ficando a apenas oito lugares da classificação para a Taça do Mundo, a segunda mais importante prova individual da FIDE. Mesmo assim, realiza uma performance de quase 2700 pontos, que lhe garantiu, folgadamente, a segunda norma de Grande Mestre, com um ponto a mais do que o necessário para a alcançar.
Jorge Ferreira contou ao PÚBLICO as peripécias que levaram à impossibilidade de alcançar a qualificação para a Taça do Mundo: “A comitiva portuguesa era constituída por mim e pelo André Sousa, que na altura ainda tinha 17 anos, e quando nos preparávamos para passar a alfândega para apanhar o avião, o André foi impedido porque a sua autorização para viajar como menor estava caducada. Ficámos retidos umas horas até a situação se resolver e tivemos que arranjar uma viagem alternativa que demorou mais e nos fez chegar a Batumi só a tempo de disputar a segunda jornada. Como o primeiro critério de desempate era o número de jogos disputados, fiquei em último entre os jogadores com a mesma pontuação. Fora outro o critério de desempate e talvez me tivesse apurado. De qualquer forma, fiquei muito satisfeito com o meu desempenho e o resultado deu-me ainda mais confiança para o nacional por equipas que acabou dia 22 deste mês, onde conquistei a norma que me faltava para o título”.
Convocado para a selecção nacional que participará nas Olimpíadas da modalidade, que se disputarão de 23 de Setembro a 6 de Outubro, também em Batumi, declinou o convite e apresentou ao PÚBLICO as razões da sua recusa: “Com muita pena minha tive de recusar integrar a selecção, pois o momento não podia ser pior. Na mesma altura tenho de me apresentar em Nova Iorque para o início do doutoramento e creio que, nesta fase em que nem sequer conheço os meus orientadores, faltar não seria eventualmente bem visto.”
Relativamente ao futuro, Jorge Ferreira espera vir a seguir a carreira académica, mas mesmo sabendo que terminado o doutoramento quase todas as portas na sua área de especialização estarão abertas, espera vir a fazê-lo em Portugal. Quanto ao xadrez o seu grande objectivo já foi concretizado, mas espera voltar a ter uma prática mais frequente quando a sua vida voltar a estabilizar e, nessa altura, tentar alcançar os 2600 pontos de ranking e talvez, conseguir um lugar no “top-100” mundial.