Escola investigada por recusa de matrícula a aluno sem mão
Família denuncia caso de jovem com malformação congénita impedido de inscrever-se em Multimédia numa escola profissional de Oeiras. Inspecção-Geral da Educação está a averiguar
A Escola Profissional Val do Rio, em Oeiras, está a ser investigada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência por alegadamente ter recusado, há cerca de um mês, a inscrição de um aluno no curso de Multimédia por este não ter uma mão. A investigação foi confirmada ao PÚBLICO pelo Ministério da Educação.
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A Escola Profissional Val do Rio, em Oeiras, está a ser investigada pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência por alegadamente ter recusado, há cerca de um mês, a inscrição de um aluno no curso de Multimédia por este não ter uma mão. A investigação foi confirmada ao PÚBLICO pelo Ministério da Educação.
O director da Escola Profissional Val do Rio, em Oeiras, é acusado de discriminação, depois de alegadamente ter desencorajado um aluno com deficiência motora a inscrever-se nos cursos oferecidos pelo estabelecimento de ensino.
“Olha, tu esquece lá esse curso, porque esse curso para ti não dá, porque não tens a mão, por isso para ti não dá”. Esta terá sido uma das frases alegadamente ditas por José Carlos Tavares, director daquela escola, durante uma entrevista que manteve com Carlos Miguel, de 17 anos, e o pai deste, como parte integrante do processo de candidatura.
É o que Carlos Ferreira contou durante as conversas com o PÚBLICO, realizadas também na presença do filho. Nesta denúncia, o pai alega que o jovem foi alvo de discriminação e preconceito por ter nascido sem a mão direita, em resultado de uma malformação congénita.
Em resposta ao PÚBLICO, José Carlos Tavares rejeita a acusação: “Esta informação é totalmente falsa. É uma mentira completa, sem pés nem cabeça. Nem este aluno nem nenhum outro foi alguma vez excluído devido à condição motora.”
A averiguação da Inspecção-Geral da Educação e Ciência começou na sequência de contactos entre o PÚBLICO e o Ministério da Educação. Confrontada na última semana pelo PÚBLICO com o teor da denúncia apresentada pelo pai do aluno, a tutela indicou que o caso passaria a ser “averiguado pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência”.
Estado financia com dois milhões
Apesar de ser privada, a Escola Profissional Val do Rio é financiada pelo Estado, por isso os seus alunos não pagam propinas. Uma das condições estipuladas na lei para que este financiamento seja autorizado é a promoção da “igualdade de oportunidades”. Segundo informações divulgadas pelo ministério, o financiamento do Estado para esta escola é de cerca de dois milhões de euros para o período entre 2017/2018 a 2019/2020.
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação enviou uma resposta na qual refere que nas escolas públicas todos os alunos são aceites, enquanto nas escolas privadas podem ser adoptados outros critérios. No entanto, nas escolas apoiadas pelo Estado, como é o caso da Escola Profissional Val do Rio, “tem de ser garantido o respeito pelas prioridades definidas no despacho sobre as matrículas”. Uma das prioridades que consta no despacho (n.º6/2018), refere-se às crianças “com necessidades educativas especiais de carácter permanente”.
Carlos Miguel concluiu o 9.º ano na Escola Básica Integrada Rainha Dona Leonor de Lencastre, no Cacém, onde teve conhecimento do curso Técnico Multimédia da escola Val do Rio. Numa primeira fase o aluno realizou uma pré-inscrição online, obrigatória naquela escola, a que se seguiu uma entrevista presencial com o director. Este último procedimento também é obrigatório e destina-se a seleccionar os candidatos e a “orientar o aluno e a sua família para uma escolha acertada do curso”, tal como refere José Carlos Tavares.
De acordo com o pai do aluno, durante a entrevista, realizada no dia 25 de Junho, Carlos Miguel foi várias vezes alvo de mensagens discriminatórias por parte do director, de forma a desencorajá-lo a ingressar no curso de Multimédia. As alegadas justificações utilizadas por José Carlos Tavares baseavam-se na falta de capacidades motoras do jovem, como por exemplo esta que também foi referida pelo pai do jovem: “Vamos supor que estamos numa entrevista e mandam parar a entrevista. Depois temos de retomar a entrevista em 5 minutos. Nesses 5 minutos temos que desmontar as câmaras, o tripé, etc… Achas que consegues montar um tripé assim sem a mão?”
Matemática é um problema?
Confrontado com esta afirmação, José Carlos Tavares negou este tipo de argumentos, e referiu que a opção de não ingressar no curso de Técnico Multimédia foi do aluno: “Na entrevista (…) o aluno tinha como opção escolhida o curso de Técnico Multimédia. Após as primeiras perguntas sobre o seu percurso académico, o candidato revelou que tinha frequentemente negativa a Matemática. Depois foi apresentado o curso de Multimédia e evidenciada a existência da disciplina de Matemática (200 horas) no plano curricular. De imediato, a reacção do aluno foi ‘eu não quero matemática.’ O aluno reiterou as suas dúvidas quanto ao curso de Multimédia, pela presença da matemática.”
“A atitude de negação veio do candidato que, ao lado do pai, torceu o nariz à presença da matemática num curso técnico de Multimédia. Este episódio aconteceu logo no início da entrevista. Por muito boa vontade que existisse, iria ser difícil contrariar a posição do aluno”, acrescentou o director.
Carlos Ferreira contrariou as afirmações de José Carlos Tavares, e referiu que apesar do filho ter chumbado a matemática, é bom aluno e a disciplina não seria um entrave para que ingressasse no curso. O pai referiu ainda que o director terá questionado o aluno sobre as notas que obteve no 9.º ano, e quando se apercebeu que o jovem tinha tido negativa a matemática desencorajou-o a prosseguir por aquele curso: “Então olha esquece, porque se não és bom a Matemática, este curso tem 200h de matemática, por isso nem vale a pena. Nem vale a pena te inscreveres neste curso.”
Questionado sobre se a Val do Rio tinha ou não alunos com negativas, ou com notas menos satisfatórias a frequentar a escola, José Carlos Tavares confirmou que existem, dando o exemplo da matemática, e reconhece que muitos [alunos] ultrapassam as dificuldades graças ao esforço e trabalho dos docentes, e ao conhecimento que tiveram da disciplina durante a entrevista onde, refere, “assumiram um compromisso pessoal antes de começarem o curso”.
Matemática à parte, o pai do aluno descreve o momento que se seguiu a este episódio, onde terá interrogado o director sobre possíveis cursos alternativos que o filho pudesse frequentar, tendo-lhe sido sugerido o curso de Design, sugestão essa que foi alegadamente retirada de seguida. “O director foi à Internet pesquisar os cursos e disse-lhe [a Carlos Miguel] que o curso de Design era o único que devia dar para ele, mas que também não ia dar porque não tinha a mão, e por isso devia esquecer essa opção”.
Segundo a denúncia do pai, depois dos cursos oferecidos pela escola terem sido descartados, José Carlos Tavares terá alegadamente aconselhado Carlos Miguel a procurar outros cursos noutras escolas ou a ficar retido no 9.º ano à espera que aparecessem outras oportunidades: “Não vale a pena vir, porque nesta escola não… Tem de procurar noutras escolas, ou então ele que fique mais um ano no 9.º ano.” No decorrer da conversa, e já depois de o jovem ser desencorajado a frequentar a escola, Carlos Ferreira terá questionado o director sobre a realização dos testes psicotécnicos, que estavam agendados para dia 27 de Junho, dois dias depois da entrevista, mas a resposta que alegadamente obteve foi que não valia a pena aparecerem, e que seria ele próprio [José Carlos Tavares] a desmarcá-los na secretaria.
No contacto que foi feito pelo PÚBLICO, o director desmentiu estas afirmações: “Desminto. É totalmente falso. O que referi na conversa com o pai foi que, caso o aluno reprovasse no 9.º ano - porque segundo o pai a passagem de ano dependia dos resultados dos exames do 9.º ano [conhecidos a 13 de Julho] - no próximo ano lectivo devia procurar mais cedo a Escola Val do Rio, para evitar as listas de espera”. Quanto aos testes psicotécnicos, José Carlos Tavares rejeitou as declarações feitas pelo pai do aluno, e acrescentou: “Um dia depois da entrevista em causa, o pai contactou a escola a informar que o filho não faria os testes psicotécnicos. Ainda assim, a escola manteve a inscrição do aluno para os testes psicotécnicos e, depois da falta deste, foi efectuado um contacto telefónico para aferir se havia interesse de marcação de nova data. Não foi a escola, em momento algum, a impedir a realização dos referidos testes.”
José Carlos Tavares demonstra-se perplexo com o teor das denúncias que foram feitas, e afirma que a Escola Profissional Val do Rio já recebeu e continua a receber alunos com deficiências, e que este tipo de condição não se reflecte em qualquer tipo de impedimento no momento das inscrições. E deixou com um aviso: “Tudo o que o pai afirmou contraria os factos. O autor da calúnia poderá ser accionado judicialmente pela administração da escola.”
Texto editado por Pedro Sales Dias
Notícia actualizada às 13h30 deste sábado com declarações do director salientando que dias após a entrevista a escola contactou a família por o jovem não ter comparecido nos testes psicotécnicos. Na versão do pai, o director tinha antes garantido que não valeria a pena ir aos testes e que este iria cancelar os mesmos.
Corrigida a identificação da Escola Básica Integrada Rainha Dona Leonor de Lencastre, no Cacém, este sábado