O tuk-tuk de Paulo roda à boleia da fé
Paulo Freitas passa as “últimas férias grandes antes da universidade” ao volante de um tuk-tuk, que percorre diversos pontos religiosos — ou não estivéssemos em Braga. A banda sonora faz-se de “trocas de impressões culturais” entre motorista e clientes.
Os blocos de pedra escalam, empilhados, edifício acima. Não chegam a arranhar o céu, mas a altura que alcançam obriga a um exercício já rotineiro de quem pelo mundo se passeia: a cabeça inclinada para trás, o ângulo de 90 graus do braço e a mão, quase a saudar a vista, ligeiramente acima das sobrancelhas, a enquadrar a imagem, às vezes em bicos de pé. As câmaras fotográficas a balançar no tronco e as sapatilhas desportivas são como extensões do corpo. Pelo centro histórico de Braga, a coreografia e o dress code são repetidos pelos muitos turistas que desfilam rua acima e rua abaixo, já a romper as solas do calçado escolhido. É este um dos cenários do trabalho de Verão de Paulo Freitas.
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Os blocos de pedra escalam, empilhados, edifício acima. Não chegam a arranhar o céu, mas a altura que alcançam obriga a um exercício já rotineiro de quem pelo mundo se passeia: a cabeça inclinada para trás, o ângulo de 90 graus do braço e a mão, quase a saudar a vista, ligeiramente acima das sobrancelhas, a enquadrar a imagem, às vezes em bicos de pé. As câmaras fotográficas a balançar no tronco e as sapatilhas desportivas são como extensões do corpo. Pelo centro histórico de Braga, a coreografia e o dress code são repetidos pelos muitos turistas que desfilam rua acima e rua abaixo, já a romper as solas do calçado escolhido. É este um dos cenários do trabalho de Verão de Paulo Freitas.
O cansaço ordena paragens em esplanadas e alguns turistas espalham-se frente à fachada da Sé de Braga. O tuk-tuk vermelho de Paulo, 21 anos, parece intrometer-se na paisagem, mas é com ele — ou com eles — que também a podemos degustar sem pressas, “normalmente a 40 quilómetros por hora, a 60 só em descidas”, explica. Não sigamos já viagem: primeiro, aqueça-se o motor e descansem-se os pés.
Igual a este tuk-tuk, pintado de vermelho, só há outro em Braga e é da mesma empresa — a Braga Tuk Tuk, criada pelo pai de Paulo, Sérgio Freitas. O veículo começou a rodar pela cidade “há coisa de dois anos”, logo no início do Verão. Na mesma altura surgia o eTuk Minho, com uma proposta ambientalmente sustentável. Os negócios não chegaram tarde ao aumento da actividade turística bracarense, que tem apresentado crescimento em diversas variáveis ao longo dos últimos anos, em concordância com o resto do país — se bem que não se saiba, ao certo, quantos tuk-tuk cá vieram parar devido ao boom turístico.
De 2009 para 2016, as estâncias turísticas da cidade minhota ganharam mais mil camas. Por isso, não se estranhe que, durante o mesmo período, o número de estabelecimentos tenha subido de 24 para 35. Os meses de calor serão os maiores propulsores destes números e Paulo, que vive ao pé do centro da cidade, diz que “não há comparação entre o Verão e outras alturas do ano” – mesmo para o tuk-tuk. Contudo, há um evento anual que quase fez esgotar a capacidade hoteleira da cidade em Março último: a Semana Santa de Braga, que a pinta de roxo. É o turismo religioso a atrair turistas estrangeiros (e nacionais), que em cada canto podem ver uma igreja plantada. No espectro de cores, a do tuk-tuk de Paulo não está longe da que é associada à festividade religiosa e muitos dos roteiros disponíveis contemplam pontos de interesse com doses de fé.
O tuk-tuk vermelho corre-os a todos, faça-se o passeio só pelo centro de Braga ou até ao Santuário do Bom Jesus do Monte, que vemos pousado em cima da montanha a olhar para Braga. Na mesma linha que se desenha com aquelas árvores todas, vê-se outro santuário, o do Sameiro. O tuk-tuk aos comandos de Paulo também chega lá. Devagar, claro, que isto não se faz em menos de três horas, garante o aspirante a geólogo. A rampa da Falperra espreita ali perto da Igreja de Santa Marta (outro ponto de paragem), mas não estamos a bordo de um carro desportivo para nos metermos em trabalhos — e temos ainda o Mosteiro de Tibães, que fica para lá do ponto de partida, para visitar. Para explicar as peculiaridades de todos os monumentos bracarenses, Paulo teve de estudar “a sério” a história da cidade em preparação para o trabalho sazonal nestas que são as suas “últimas férias grandes antes da universidade”.
É que a banda sonora faz-se de “trocas de impressões culturais” entre motorista e clientes, que chegam de qualquer parte do mundo. O tuk-tuk não tem mala, mas o jovem guarda o conhecimento para si e diz que essa “é uma das melhores partes”. Isso e conduzir os amigos pela cidade no triciclo motorizado. Quando a procura excede a capacidade, lá vem Sérgio, o pai, com o segundo tuk-tuk.
Paulo não se vê a seguir carreira neste (ou em qualquer outro) negócio ligado ao turismo, mas, durante conversas sobre o futuro, lá lhe escapa: “Quando entrar na universidade, em Geologia, acho que vou sentir falta.” O que ele gosta mesmo é de vulcões — já agora, há roteiros para vulcões em tuk-tuk?