"Caso Özil": terão os germano-turcos "nacionalidade condicional"?
A saída de Mesut Özil da selecção de futebol da Alemanha continua a provocar debate. A AfD diz que é "exemplo de integração falhada" e a Turquia dá-lhe os parabéns.
O jogador Mesut Özil anunciou a sua saída da selecção da Alemanha no domingo, mas o debate que provocou continuou a encher páginas de jornais com artigos de opinião e entrevistas sobre os germano-turcos e a sua integração, incluindo o aproveitamento político do caso, sobretudo do partido anti-imigração AfD e do regime turco.
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O jogador Mesut Özil anunciou a sua saída da selecção da Alemanha no domingo, mas o debate que provocou continuou a encher páginas de jornais com artigos de opinião e entrevistas sobre os germano-turcos e a sua integração, incluindo o aproveitamento político do caso, sobretudo do partido anti-imigração AfD e do regime turco.
Ao sair, Özil acusou o presidente da Federação de Futebol Alemã, e muitos adeptos alemães, de racismo. Ecoando palavras semelhantes de outros jogadores de ascendência estrangeiros, desabafou: “Sou alemão quando ganhamos e imigrante quando perdemos”.
Uma série de alemães de origem turca entraram no debate, queixando-se em coro de serem “alemães até à revogação” da nacionalidade, ou “alemães apenas quando se portam bem”; cidadãos a quem a nacionalidade foi dada como “um privilégio” e se não se portam como é esperado são “mal agradecidos”. O que é ainda pior para quem teve sucesso, nota a especialista em Migrações Martina Sauer numa entrevista ao jornal Die Zeit. “As pessoas pensam que fizeram tudo o que era esperado delas e ainda assim são vistas como estrangeiras”, diz.
“Nasci e estudei na Alemanha”, disse Özil. “Porque é que as pessoas não podem aceitar que sou alemão?”
Esta quinta-feira, o presidente da Federação Alemã de Futebol, Reinhard Grindel, disse que olhando para trás, lamenta a sua actuação no que ficou conhecido como “caso Özil” – e que começou há cerca de dois meses, quando dois jogadores alemães de origem turca a jogar em Inglaterra, Özil e Ilkay Güdogan, tiraram fotografias com o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em plena campanha eleitoral.
Erdogan tem levado a cabo purgas e detenções (muitas de jornalistas), e detido também vários cidadãos alemães ou germano-turcos de visita à Turquia desde a tentativa falhada de golpe, em 2016 – levando a mais fricção na relação entre a Alemanha e a Turquia. Mas Grindel (que na sua carreira política anterior, notou Özil, era anti-imigração) recusa que tenha sido racista.
Após a divulgação da fotografia com Erdogan, Özil e Güdogan foram recebidos pelo Presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, que incluiu um comunicado conjunto, e o caso poderia ter ficado por aí. Mas não ficou, e a pertença de Özil na equipa nacional foi posta em causa. Quando a Alemanha começou o Campeonato do Mundo e não estava a jogar bem; o país entrou em choque com a eliminação. O bode expiatório foi Özil, mesmo que tenha sido uma figura essencial na equipa que venceu o anterior Mundial.
A ironia de tudo isto ter acontecido num Mundial na Rússia não passou ao lado de alguns comentadores. Orkan Özedmir, um político do Partido Social Democrata (SPD) de Berlim, critica Özil pelo encontro com Erdogan, mas nota que quem tem origens estrangeiras é avaliado por um padrão diferente. “Quantas fotos tirou a Federação de Futebol Alemã com responsáveis sauditas?”, perguntou numa entrevista no diário Tagesspiegel. “Quão críticos foram ao facto de o Mundial se ter realizado na Rússia?”
Outra ironia é Özil ter sido criticado quando optou por renunciar ao passaporte turco para ter nacionalidade exclusiva alemã (foi também alvo de jogadores turcos que jogam pela Turquia). O próprio jogador já falou, em tempos, de como aos 17 anos o funcionário do consulado da Turquia que tratou do processo o maltratou, a ele e ao seu pai, por não terem "um grama de orgulho" e "não gostarem da Turquia".
Ícone "multikulti"
Nascido na cidade de Gelsenkirchen (na zona do Vale do Ruhr, Oeste da Alemanha) de pais de origem turca, Özil entrou para a selecção nacional alemã em 2009 com vários jogadores nascidos no estrangeiro ou com pais estrangeiros (como Cacau, Khedira, Boateng ou Podolski) que no campeonato em 2010 entusiasmou o país e ficou conhecida como a selecção multikulti. Özil era um dos principais rostos desta multiculturalidade.
Nessa altura, outra fotografia de Özil com uma personalidade política causou polémica: tratou-se da chanceler, Angela Merkel. Mas então o alvo da irritação da federação foi Merkel, que fez uma visita surpresa ao balneário da selecção e divulgou uma imagem da visita. Foi acusada de usar a equipa de futebol para ganhos políticos e acabou por pedir desculpas.
O entusiasmo anterior por esta equipa, e a visão da selecção de futebol como um espelho de uma sociedade multicultural faz, diz a emissora alemã Deutsche Welle, com que a saída de Özil seja, agora, “tão perturbadora para a sociedade alemã”.
O partido anti-imigração AfD (que nas últimas sondagens aparece com 17% de intenções de voto, o mesmo que o SPD) aproveitou o caso e uma das suas líderes, Alice Weidel, tweetou que Özil era “um caso de integração falhada”.
Na Turquia, o caso mereceu a atenção da imprensa e até de um ministro, o da Justiça. Abdulhamit Gül deu os parabéns a Özil por “ter marcado o golo mais bonito contra o vírus do fascismo”.
Já o ministro dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Heiko Maas, disse que no “caso Özil” “haverá poucas pessoas que se portaram bem”, mas alertou para o perigo de fazer deste caso um exemplo: “Não me parece que um multimilionário a viver na Inglaterra possa dar muitos indícios sobre a capacidade alemã de integração”.