Vaca-loura ilustrada: um prémio e um alerta para uma espécie ameaçada

Rita Cortês venceu a 6ª edição dos prémios internacionais de ilustração científica e de natureza Illustraciencia.

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Era uma daquelas crianças que desenha compulsivamente e, ao contrário da maioria, não parou de o fazer ao chegar aos 10 ou 12 anos — e isso, garante, é boa parte do segredo do sucesso (já lá vamos). Rita Cortês de Matos acompanhava muitas vezes o pai, arqueólogo, nos seus trabalhos de terreno e cedo se apaixonou pelo desenho arqueológico. Foi nesse ramo que fez a primeira — e até há dois anos a única — formação na área: um curso intensivo de Verão no Campo Arqueológico de Mértola. Não demorou até que conseguisse desenhar profissionalmente, sempre na área de Arqueologia, mas a vida académica e profissional seguiu por outras estradas. Não indefinidamente: a portuguesa de 49 anos venceu esta semana a 6ª edição dos prémios internacionais de ilustração científica e de natureza Illustraciencia, na Categoria Científica.

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Era uma daquelas crianças que desenha compulsivamente e, ao contrário da maioria, não parou de o fazer ao chegar aos 10 ou 12 anos — e isso, garante, é boa parte do segredo do sucesso (já lá vamos). Rita Cortês de Matos acompanhava muitas vezes o pai, arqueólogo, nos seus trabalhos de terreno e cedo se apaixonou pelo desenho arqueológico. Foi nesse ramo que fez a primeira — e até há dois anos a única — formação na área: um curso intensivo de Verão no Campo Arqueológico de Mértola. Não demorou até que conseguisse desenhar profissionalmente, sempre na área de Arqueologia, mas a vida académica e profissional seguiu por outras estradas. Não indefinidamente: a portuguesa de 49 anos venceu esta semana a 6ª edição dos prémios internacionais de ilustração científica e de natureza Illustraciencia, na Categoria Científica.

Rita Cortês fez um curso de Educação Física, tornou-se professora. E com o estatuto de trabalhadora estudante completou de seguida um curso de História — e depois um mestrado em História dos Descobrimentos. O caderno de desenhos foi ficando em branco à medida que os anos passavam. Há coisa de 15 trocou a capital por Beja, tornou-se mãe a tempo inteiro. E no Alentejo recuperou o lápis de carvão. Fez-se uma das organizadoras do Festival de Banda Desenhada de Beja, ao lado dos ilustradores Paulo Monteiro e Susa Monteiro, ilustrou três livros infantis, deu corpo ao Urban Sketchers de Beja. “É um percurso diferente”, sorri ao resumir o longo currículo ao P3, ainda a recuperar do “inesperado” prémio que recebeu esta terça-feira. “Ficar entre os 40 melhores já era fantástico. Concorri sem acreditar que poderia ganhar”, disse. 

A aventura da ilustração científica começou há dois anos, quando, dando corpo a uma antiga paixão de desenhar plantas e insectos, decidiu inscrever-se num curso de Desenho Científico na Universidade de Lisboa, viagem conduzida pelo “pai da ilustração portuguesa moderna” nesta categoria, Pedro Salgado (vencedor deste mesmo prémio na edição anterior).

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Em busca de um “tema original” para concorrer ao Illustraciencia, Rita Cortês, 49 anos, cruzou-se com o escaravelho vaca-loura, animal que nunca tinha conhecido ao vivo. Pediu ajuda ao Vacaloura.pt — projecto coordenado pela Associação Bioliving em parceria com a Unidade de Vida Selvagem do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, com a Sociedade Portuguesa de Entomologia e com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas — e com as indicações da iniciativa lusa foi parar a um site internacional com diversas informações sobre o animal.

“Fui às referências bibliográficas deles e iniciei a minha investigação”, contou. Pelo percurso académico e de investigação, o treino de Rita Cortês para essa pesquisa era grande. Leu dezenas de documentos, viu milhares de fotografias, percebeu o ciclo de vida da vaca-loura, observou as antenas, as patas, todos os pormenores.

Para finalizar a ilustração vencedora, Rita Cortês passou cerca de um mês e meio a trabalhar (“e porque havia um prazo de entrega, se não tinha demorado mais”, diz), a “lápis sob [película de] poliéster, uma espécie de papel vegetal que dá muita clareza” à imagem, e colorida digitalmente.  Na ilustração científica, sublinha, a ideia não é desenhar um escaravelho, é conseguir uma imagem do que possa ser “o representante de todos os escaravelhos”. E, no caso, pode até tornar-se ícone deste animal “em perigo pelo desaparecimento do seu habitat”.

Desenhar, diz Rita Cortês, “não é uma questão de jeito”. Voltamos à infância? “Se olhar para um dos meus desenhos de criança não são melhores nem piores do que os desenhos das outras crianças”, garante. “A única diferença é que não deixei de desenhar”, revela como quem dá uma fórmula.

 A vaca-loura — nome comum da espécie Lucanus cervus — é o maior escaravelho da fauna nacional e é reconhecido pelas enormes mandíbulas que os machos apresentam. Em parceria com a Ciência Cidadã, está a ser feito em Portugal um censo para reunir informação sobre a distribuição e o estado das populações da vaca-loura, espécie dependente de madeira em decomposição de árvores de folha caduca.

A 6ª edição dos Illustraciencia distinguiram também Julia Porotov, Categoria Naturalista, com o desenho de um ecossistema da taiga siberiana. As duas ilustrações vencedoras e mais 38 finalistas podem ser vistas numa exposição itinerante, que entre Outubro e Dezembro vai poisar no Museu Nacional de Ciências Naturais de Madrid.

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Julia Porotov venceu na Categoria Naturalista