Ou controlamos as alterações ao clima ou "estas catástrofes vão ser frequentes"
Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, explica ao PÚBLICO porque é que está a aumentar o risco de incêndios nos países do Mediterrâneo.
O físico Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, explica ao PÚBLICO porque receia um mundo mais inóspito no futuro.
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O físico Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, explica ao PÚBLICO porque receia um mundo mais inóspito no futuro.
Este ano os incêndios na Grécia já mataram dezenas de pessoas, o ano passado em Portugal morreram mais de 100 pessoas. O clima está a tornar mais comum os comportamentos extremos do fogo?
O que se está a observar é uma maior frequência de ondas de calor em todo o mundo. Nos países do Sul da Europa, da região do Mediterrâneo, também observamos um clima mais seco. A combinação dessa secura com temperaturas mais elevadas é que conduz a um maior risco de incêndios florestais. O que podemos esperar para o futuro é um agravamento dessas tendências, porque as alterações climáticas estão a progredir.
Como explica o Verão atípico que se está a viver na Europa com países como o Reino Unido e a Suécia com temperaturas recorde e Portugal e Espanha com temperaturas amenas e chuva?
Isso tem a ver com a variabilidade climática. O planeta não tem a mesma temperatura por todo o lado.
Dá ideia de que hoje já não reconhecemos as quatro estações do ano como antigamente.
As quatro estações eram caracterizadas principalmente pela questão da temperatura e da precipitação. E a temperatura está a aumentar. As alterações climáticas também aumentam a tal variabilidade do clima num determinado sítio. Antigamente a temperatura não variava tanto, agora temos maiores variações. Em relação à precipitação é o mesmo. Agora temos mais secas e temos variações da precipitação muito grandes.
Daí a importância do Acordo de Paris.
O Acordo de Paris tem por objectivo não aumentar a temperatura média global do planeta em mais de dois graus Celsius relativamente ao período pré-industrial [cerca de 1850]. Neste momento, já se aumentou essa temperatura em um grau Celsius. Portanto, só temos mais um grau Celsius. Só com o aumento de um grau temos estas ondas de calor cada vez mais frequentes com consequências gravosas para as pessoas e para os bens.
O Japão recentemente teve cheias que provocaram mais de 200 mortos e depois temperaturas acima dos 40.ºC. Em Montreal, no Canadá, registaram-se este mês as temperaturas mais altas em 147 anos. Isto está tudo ligado?
Está. Faz tudo parte do facto de termos um planeta com uma atmosfera para onde estamos a lançar grandes quantidades de gases com efeito de estufa, em particular o dióxido de carbono, que resulta em grande medida da combustão dos combustíveis fósseis. É um gás que é natural na atmosfera, mas ao aumentar a sua concentração na atmosfera intensifica-se o efeito de estufa, ou seja, a atmosfera aquece. Isso sabe-se desde meados do século XIX. Se não cumprirmos o Acordo de Paris e formos para além dos dois graus Celsius então teremos um mundo muito mais inóspito. As pessoas sobrevivem, mas sobrevivem em condições de muito menor bem-estar e de qualidade de vida.
O mundo está a fazer o suficiente para responder às alterações climáticas?
Alguns países estão, outros não. A União Europeia está. É necessário fazermos uma transição energética para as renováveis e dependermos menos dos combustíveis fósseis. Portugal tem feito um bom trabalho nesse sentido, mas há países que não. A China está a fazer um grande esforço para desenvolver a energia eólica e a solar.
Os Estados Unidos abandonaram o Acordo de Paris.
Exactamente. Embora haja estados como a Califórnia, que continuam a tomar medidas de redução das emissões. No global do mundo a situação é muito difícil. Começa a ser provável que a humanidade não vá cumprir o Acordo de Paris. Que se ultrapasse os tais dois graus Celsius. É preciso investimento. É preciso haver melhor solidariedade entre os países, que os mais ricos ajudem os menos ricos, como a Índia ou o Brasil, a fazer a transição para as renováveis.
Há alguma forma de nos prepararmos ou evitarmos estas catástrofes?
Se não controlarmos as alterações climáticas estas catástrofes vão acontecer com mais frequência. No caso de Portugal podemos adaptarmo-nos a um clima mais quente e mais seco. E reagir à subida do nível médio do mar. Já subiu cerca de 20 centímetros desde o tal período pré-industrial e, provavelmente, vai subir até um metro até ao fim do século. Podemos preparar as nossas zonas costeiras e os recursos hídricos, tentar adaptar a agricultura e as florestas. Mas isso exige uma grande determinação e também investimento.
Portugal tem feito esse percurso?
Portugal tem uma estratégia de adaptação às alterações climáticas. Também tem um plano de transição para as energias renováveis. Foi anunciado em 2016 um roteiro para uma economia de baixo carbono até 2050. Isso é muito positivo. Portugal é dos poucos países no mundo que tem essa ambição. Agora falta concretizá-la.