Os Maias: leitura obrigatória?
Enquanto professora, inquieta-me, mais do que tudo, o desinteresse que se sente em muitos alunos pela leitura. Não é um problema recente.
E de tempos a tempos surge uma notícia a nível de educação que deixa tudo em polvorosa, todos de punho em riste, uns porque concordam, outros porque discordam e uns quantos ainda porque gostam de uma boa polémica.
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E de tempos a tempos surge uma notícia a nível de educação que deixa tudo em polvorosa, todos de punho em riste, uns porque concordam, outros porque discordam e uns quantos ainda porque gostam de uma boa polémica.
Desta feita, a celeuma rebentou com o surgimento de um documento da Direcção-Geral da Educação intitulado Aprendizagens Essenciais. A fim de chegar a uma versão final, promoveu-se a consulta pública deste documento relativo à orientação curricular base no que à planificação, realização e avaliação do ensino diz respeito (disponível até 27 de Julho). E eis que alguns cidadãos mais conscientes se dispuseram a ler e analisar o famoso documento. Eu assumo que não lhe dediquei mais do que um olhar ao de leve, uma vez que vários foram os normativos que a nós chegaram nos últimos dias e cuja análise tinha carácter de urgência, nomeadamente, o Decreto-lei 54/ 2018, a nova lei da Educação Inclusiva. Como tal, assumo que li com algum espanto uma notícia que dizia em letras garrafais que Os Maias já não é uma obra de leitura obrigatória no ensino secundário.
E penso que terá sido essa notícia, mais do que qualquer leitura atenta do documento, que terá levado a mais uma polémica desenvolvida, sobretudo, nas redes sociais. Rapidamente as hostes se dividiram entre os grandes defensores de Os Maias de Eça de Queirós e os que rejubilavam com esta notícia. Ora vejamos o que de interessante se tem ouvido por aqui.
No grupo dos defensores de Os Maias ouvimos que, obviamente, este Ministério da Educação está louco, que estamos a falar de uma obra essencial e que todo e qualquer estudante deste pequeno país a deve ler e conhecer. E, pelo número de indignados que fui encontrando pelas redes sociais, atrevo-me a dizer que imensos foram os leitores de tão grandiosa obra (será?). Infelizmente não é esse o panorama que vamos encontrando nas escolas. Sabemos que muitos dos estudantes portugueses não leram a obra e, sobretudo, não se preocuparam sequer em perceber a razão pela qual é considerada uma obra maior do panorama português.
Do outro lado estão aqueles que não concordam necessariamente com o Ministério da Educação, mas que se opõem à leitura de toda e qualquer obra. Não gostam do acto de ler, logo, ser obrigado a ler um livro de umas 700 páginas é, no mínimo, uma tarefa hercúlea difícil de levar a cabo e sem qualquer interesse. Portanto, o ministério decidiu muito bem quando retirou essa obra da lista de leituras obrigatórias.
Quantos alunos não fizeram questão de nos informar, notas atribuídas e exames feitos, que mais não tinham feito do que ver uma série ou ler uns apontamentos bafientos? Não ler Os Maias de Eça de Queirós é, para muitos que por aqui encontramos, quase uma bandeira de orgulho. Quantas e quantas vezes não ouvimos já algo como “Não li a obra e mesmo assim tive 15, 16, 17 valores à disciplina”?
Agora, vamos aos factos. Os Maias, uma das obras mais conhecidas de Eça de Queirós, não saiu do programa. Ela pode continuar a ser leccionada no ensino secundário. Mas, neste momento, não é obrigatória. É uma escolha. E é aí que penso que estamos a dar passos importantes nesta coisa estranha que é ensinar e educar numa escola. O documento Aprendizagens Essenciais refere que deverá ser leccionada uma obra de Eça de Queirós: Os Maias, para quem quiser continuar a dar primazia a essa obra, mas também O Primo Basílio, O Crime do Padre Amaro, A Relíquia, apenas para citar algumas das obras deste grande escritor português que muito me iria agradar leccionar. Cabe ao professor de português escolher uma das obras. Poderá, digo eu, fazê-lo tendo em atenção o tipo de alunos que tem à sua frente, o meio social e económico de onde provêm e, acima de tudo, tendo em atenção as vontades dos alunos que tem à sua frente. Não será esse um passo importante? Não será mais fácil conseguir que os alunos leiam uma obra — de um autor proposto, é certo — escolhida pelos próprios? Preocupar-me-ia se retirassem um escritor maior do nosso panorama literário, como é Eça de Queirós, do programa. Não foi o caso. Apenas deram a possibilidade de escolher qual a obra do autor a estudar. A não imposição de estudar Os Maias, permitindo a escolha de um qualquer outro título do autor é, a meu ver, um passo em frente para a abordagem de programas mais flexíveis e mais de acordo com os interesses dos alunos que temos à nossa frente.
Enquanto professora, inquieta-me, mais do que tudo, o desinteresse que se sente em muitos alunos pela leitura. Não é um problema recente. Já nos meus tempos de estudante do ensino secundário, vários colegas leram as muitas obras que se estudavam (Herculano, Garrett, Camilo Castelo Branco, Eça…) através dos bons e velhos apontamentos da Europa-América. Já nesse tempo se verificava uma enorme dificuldade em cultivar o gosto da leitura nos alunos. Esse problema não foi ultrapassado, ainda que, assuma, se tenham desenvolvido vários programas nas escolas e bibliotecas escolares para levar o gosto da leitura à criança desde a mais tenra idade. E é nessa tarefa de desenvolver o gosto pela leitura que nos devemos todos debruçar.
Concluindo: estamos perante mais uma daquelas polémicas geradas por muito pouco e por informações erradas. Apenas ficaria preocupada se Eça de Queirós saísse completamente do programa. Não é o caso. Ainda assim devo dizer que a obra Os Maias não é de leitura obrigatória no ensino secundário. Mas continua a ser, quanto a mim, uma obra de leitura obrigatória, pelo menos, uma vez na nossa vida.