Trabalho em Portugal na era digital

Embora Portugal queira estar no grupo da frente desta revolução industrial, as condições atuais sugerem o risco de se perder uma geração.

É comum ouvirmos que os millennials retiram uma vantagem clara com a facilidade que têm na utilização das novas tecnologias – “computadores, emails e essas coisas”, como diz a minha mãe. Numa altura em que a Europa, e não só, atravessa a chamada “quarta revolução industrial”, será mesmo assim? Os millennials apresentam aqui uma vantagem comparativa clara? É no uso intensivo de computadores que têm origem os novos modelos de trabalho? E como se posiciona Portugal no contexto desta “revolução”? [1]

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É comum ouvirmos que os millennials retiram uma vantagem clara com a facilidade que têm na utilização das novas tecnologias – “computadores, emails e essas coisas”, como diz a minha mãe. Numa altura em que a Europa, e não só, atravessa a chamada “quarta revolução industrial”, será mesmo assim? Os millennials apresentam aqui uma vantagem comparativa clara? É no uso intensivo de computadores que têm origem os novos modelos de trabalho? E como se posiciona Portugal no contexto desta “revolução”? [1]

A quarta revolução industrial (conhecida por “Indústria 4.0”) caracteriza-se pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas. Está associada a uma crescente introdução da digitalização e novos processos de produção tecnologicamente aprimorados – o que vai para além do uso dos “computadores e essas coisas”. Implica uma profunda digitalização em todos os setores da economia, e não apenas a automação de processos industriais. Esta permite, gradualmente, a utilização de capital humano para funções com maior valor acrescentado e atividades mais especializadas, em detrimento de funções mais rotineiras. Por ser geradora de valor económico, tem potencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas.

Mas não são só vantagens. Esta tem vindo a alterar a todo o vapor as economias modernas em larga escala, e Portugal não é exceção. As maiores vantagens são captadas pelos trabalhadores capazes de se adaptar aos requisitos de uma nova (mais rápida e complexa) economia e de um novo mercado laboral. Outros podem ficar para trás. Sem esquecer o apoio aos que vão ficando para trás, é necessário concentrar atenções em preparar as próximas gerações. A relação humano-robô está cada vez mais presente, e tem de ser adequadamente incorporada no dia-a-dia das pessoas enquanto trabalhadores e cidadãos.

Em Portugal, com o aumento da digitalização dos processos produtivos, mais do que um aumento generalizado do desemprego, prevê-se uma alteração do tipo e perfil de emprego, com uma diminuição da procura de trabalhadores “blue-collar” e de apoio administrativo.

Para melhor posicionar Portugal face a esta revolução digital e dela beneficiar, o Governo anunciou (em janeiro de 2017) um programa de investimentos a quatro anos de cerca de 4,5 mil milhões de euros para “preparar” a economia. Da Estratégia para a Indústria 4.0 fazem parte mais de 60 medidas, entre elas: a formação tecnológica de mais de 20.000 trabalhadores, gestores e empreendedores, por forma a melhor capacitá-los a enfrentar as dificuldades criadas pela digitalização; a criação de um esquema de vistos que permitirá o recrutamento de cidadãos estrangeiros qualificados; a disponibilização de incentivos para a exibição de empresas de tecnologia nacional nas principais feiras internacionais. As medidas que incorporam esta iniciativa têm como objetivo abordar diferentes áreas problemáticas identificadas como críticas para Portugal.

Existe, porém, um problema que está a ser esquecido: os jovens “nem-nem”, que não estão nem empregados nem a estudar. Estes representam uma “ameaça” dupla: representam um problema social e uma situação que exacerba a falta de trabalhadores qualificados no país. Embora Portugal queira estar no grupo da frente desta revolução industrial, as condições atuais sugerem o risco de se perder uma geração, dada a ameaça que o desemprego jovem representa.

Segundo o conjunto de estratégias apresentado pelo Governo, pretende-se focar em atividades de formação para empreendedores, gestores e outros trabalhadores, para que tenham as capacidades técnicas e de gestão adequadas para prosperar num novo ambiente de trabalho. Porém, isto “apenas” beneficia indivíduos que já têm um emprego. Ainda existem jovens que têm dificuldade de entrar no mercado de trabalho (23,9%, mais precisamente, em 2017), uma vez que lhes faltam as qualificações e treino necessários nesta economia cada vez mais digitalizada. Portugal foi um dos países onde o desemprego jovem mais recuperou desde a crise, mas continua a ser um dos piores classificados, segundo o FMI.

Estes jovens não estão sequer a participar na quarta revolução industrial, não recebem o apoio nem adquirem as qualificações necessárias para encarar os desafios que esta apresenta. Como não estão a trabalhar, não têm oportunidade de adquirir experiência prática. Como já não estão a estudar, não têm oportunidade de adquirir qualificações académicas mais adequadas. Estão, assim, cada vez mais em risco de se tornarem totalmente desconectados do mercado de trabalho. É um paradoxo – as gerações mais qualificadas de sempre não são necessariamente as mais preparadas para as necessidades do mercado de trabalho do seu tempo.

Portugal terá de ter a capacidade de criar – e preencher – empregos altamente qualificados. Muitas associações industriais reivindicam que têm dificuldade em encontrar trabalhadores qualificados, o que representa um obstáculo ao crescimento potencial e a novo investimento industrial, o que faz com que Portugal se deixe ficar cada vez mais para trás: a falta de mão-de-obra qualificada para satisfazer a procura de hoje pode levar à falta de procura dos jovens trabalhadores qualificados de amanhã.

O que é que pode ser feito? É preciso criar uma ponte que melhore a ligação entre a educação e a realidade atual das necessidades do mercado de trabalho, por forma a colmatar o gap estrutural que verificamos hoje em dia. Tal implica apostar em qualificações que sejam transferíveis. Melhorar o vínculo entre as instituições de ensino e empregadores. Consciencializar os jovens das suas oportunidades de trabalho e consequentes requisitos. Fomentar parcerias entre as instituições de ensino, empresas, empregadores e os próprios jovens. A quarta revolução industrial tem de ser vista como uma oportunidade de – finalmente – abordar o desajustamento e desequilíbrios existentes no mercado de trabalho.

É urgente conectar novamente estes jovens “nem-nem” ao mercado de trabalho e proporcionar-lhes novas perspetivas de carreiras. Se Portugal quer estar à frente desta revolução, isto deve ser visto como um investimento a longo prazo.

[1] Os leitores mais interessados poderão consultar, gratuitamente em ipp-jcs.org, o mais recente livro sobre o tema: Work in the Digital Age: Challenges of the Fourth Industrial Revolution (Neufeind, O’Reilly e Ranft, 2018)

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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