PSD e BE pedem explicações ao Governo sobre crianças detidas pelo SEF
Deputados reagem a notícia do PÚBLICO. É "inaceitável, independentemente da circunstância que se evoque”, diz deputado do BE José Manuel Pureza. Duarte Marques, do PSD, afirma: "Viola claramente uma das prioridades das políticas internacionais e nacionais".
O Bloco de Esquerda (BE) e o PSD vão questionar o Governo sobre a situação dos menores estrangeiros que chegam aos aeroportos portugueses com pedidos de protecção internacional, a maioria vindos de África e do Brasil, e que são detidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) contrariando regras da ONU, como revela este domingo o PÚBLICO.
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O Bloco de Esquerda (BE) e o PSD vão questionar o Governo sobre a situação dos menores estrangeiros que chegam aos aeroportos portugueses com pedidos de protecção internacional, a maioria vindos de África e do Brasil, e que são detidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) contrariando regras da ONU, como revela este domingo o PÚBLICO.
“Vamos confrontar o Governo com as suas obrigações internacionais e o compromisso que assumiu para dotar os centros de instalação temporária de condições para que situações destas não se verifiquem”, afirmou ao PÚBLICO o deputado José Manuel Pureza, membro da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República.
"O mais importante é parar de imediato com esta prática. Isso é fundamental. Em segundo lugar, que o Governo venha explicar porque é que isto aconteceu", disse, por sua vez à Lusa, o deputado Duarte Marques, em representação do PSD. "Isto viola claramente uma das prioridades das políticas internacionais e nacionais da forma como se tratam os refugiados que tem a ver com a excepção e a excepcionalidade das crianças", considerou o deputado, relator do Conselho da Europa para uma política de respeito pelos direitos humanos e o acolhimento de refugiados.
Numa visita às instalações do Centro de Instalação Temporária (CIT) no Aeroporto de Lisboa, previamente preparada pelo SEF, o PÚBLICO viu uma família do Norte de África com uma criança de três anos que ali estava há um mês e meio.
Não foi a primeira vez que crianças estiveram detidas pelo SEF no CIT, tanto que a prática levou a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) a alertar a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, e a pedir a sua intervenção por causa da “numerosa presença de crianças” detidas no CIT do Aeroporto de Lisboa.
Até 2016, as crianças requerentes de asilo “ficavam nas fronteiras por um curto espaço de tempo para clarificar questões ligadas a identificação ou à família”, refere-se no relatório The Asylum Information Database (AIDA, coordenado pelo European Council on Refugees and Exiles). Antes disso não há dados porque a regra "era a sua entrada”, disse Mónica Farinha, coordenadora jurídica do Conselho Português para os Refugiados (CPR).
O SEF tem frequentemente quebrado a regra desde há dois anos, referia o CPR: em 2017, cerca de 17 crianças não acompanhadas requerentes de asilo foram detidas no CIT de Lisboa por um período médio de 14 dias – o que equivale a uma variação entre quatro e 50 dias, informa. Além disso, 40 famílias ficaram no CIT entre 3 a 60 dias, numa média de 28 dias. E até 30 de Junho de 2018 houve três crianças que ficaram ali detidas entre dez a 18 dias – dos 17 pedidos de protecção internacional de menores desacompanhados deste ano, seis em postos de fronteira, só três é que conseguiram entrar em território nacional um ou dois dias depois, segundo dados do CPR.
José Manuel Pureza quer saber se o Governo irá repor esta prática de não deter crianças à entrada. “Vamos aproveitar para afirmar um princípio fundamental: é tão inaceitável separar crianças da sua família [como o fez a administração norte-americana de Donald Trump] como uni-las à família para as deter”, continua. “Andamos a criticar Trump, aqui temos uma situação que aparentemente é o contrário, mas tem o mesmo efeito”, afirma Pureza. Já o deputado do PSD disse: "O Governo tem de vir explicar porque é que no melhor pano cai a nódoa. Portugal é um país respeitado nesta matéria, é um país exemplar nesta matéria e agora, de repente, somos confrontados com uma situação que tem comparação com países com as piores práticas na sua relação com os refugiados", realçou.
SEF alega riscos de tráfico
Também este domingo o SEF emitiu um comunicado a afirmar o que já havia declarado ao PÚBLICO e que foi citado: que a prática se deve ao facto de terem aumentado o número de pessoas a chegar com "fortes indícios de tráfico de seres humanos" e por isso os menores eram detidos para garantir que são “salvaguardados os interesses superiores da criança". Também como o PÚBLICO noticiava na sua edição de domingo, dizia que os elementos da família entrevistada estavam indocumentados "e sem comprovativo da identidade da menor, bem como da relação de parentesco invocada" e que "o pedido de asilo não foi admitido por falta de fundamentação legal". A família recorreu.
No artigo do PÚBLICO, a jurista do CPR, Mónica Farinha referia: "A detenção por questões relacionadas com o estatuto migratório nunca é no superior interesse da criança e neste sentido estão também as posições do ACNUR e dos comités dos Direitos da Criança e dos Direitos dos Trabalhadores Migrantes e Membros das Suas Famílias. A detenção por questões relacionadas com o estatuto migratório não é uma medida de protecção de crianças, pelo que, existindo preocupações das autoridades relacionadas com a sua segurança e bem-estar, esta não deverá ser a resposta escolhida para acautelar os seus interesses. A legislação portuguesa estabelece outros mecanismos apropriados para a protecção de crianças em perigo."
Também José Manuel Pureza comenta ao PÚBLICO sobre a justificação do SEF: “Com certeza que há tráfico mas sendo algo que merece ser combatido não pode servir de justificação para tudo. A detenção de crianças é uma prática inaceitável, ponto final, independentemente da circunstância que se evoque. Estamos vinculados à Convenção dos Direitos da Criança, juridicamente e politicamente”.
BE pressiona Governo para dar meios a Provedora
Entretanto, responsável pelo Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP), a Provedora de Justiça entregou em Junho à Assembleia da República um relatório onde se retratam situações que classifica de preocupantes e pediu mais meios para poder fiscalizar os CIT, que classificou serem do domínio da obscuridade por não se saber o que lá se passa.
Esta é a entidade responsável pelo MNP e tem, desde 2013, a responsabilidade pelo instrumento de monitorização da aplicação da Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Degradantes ou Desumanos (CAT) da ONU. “Demos conta destas situações por acaso ou porque o ACNUR nos disse. Isso não pode ser. Se me pergunta por separação das crianças, presença de crianças em tempo ulterior ao regulamentado, em condições sanitárias precárias: acontece mais vezes em Portugal? Responder-lhe-ei: ‘Não sei e precisava de saber.’ Mas para poder saber tenho que ter outros meios”, disse ao PÚBLICO.
José Manuel Pureza afirmou que vai pressionar o Governo para atribuir mais meios ao MNP.
No ano passado, 64% dos pedidos de asilo foram rejeitados em Portugal. Dos 1750 candidatos, apenas 119 conseguiram o estatuto e 136 a protecção subsidiária. Entre 2015 e 2016, estiveram detidos nos CIT dois mil cidadãos estrangeiros. Foram detectados 28 menores não acompanhados.
Os CIT, ou espaços equiparados, albergam as pessoas a quem foi recusada a entrada em território nacional ou que apresentaram pedido de asilo nos aeroportos ou que se encontrem a aguardar afastamento de território nacional. Neste momento há um CIT no Porto, a Unidade Habitacional de Santo António (UHSA), e três espaços equiparados em Lisboa (o do aeroporto), Porto e Faro.