Alguns pais esquecem-se de usar os cheques-dentista dos filhos. E até há quem os perca
Taxa de utilização dos vales de 35 euros é elevada a nível nacional, mas há locais em que é muito baixa. Investigadores foram perceber porquê e concluíram que muitos encarregados de educação deixam passar o prazo para utilizar os vales.
Quase uma década depois de a distribuição de cheques-dentista pelas crianças de sete, 10 e 13 anos que frequentam escolas públicas ter arrancado em Portugal, muitos destes vales de 35 euros não estarão a ser aproveitados, apesar de a taxa de utilização global a nível nacional ter aumentado no ano passado e estar agora perto de 78%. Num estudo sobre os factores de não-adesão aos cheques-dentista anunciado como pioneiro e publicado na última edição da revista Acta Médica, conclui-se que muitos encarregados de educação se esquecem e deixam passar o prazo de validade dos primeiros vales que os menores recebem e que alguns até admitem que os perdem.
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Quase uma década depois de a distribuição de cheques-dentista pelas crianças de sete, 10 e 13 anos que frequentam escolas públicas ter arrancado em Portugal, muitos destes vales de 35 euros não estarão a ser aproveitados, apesar de a taxa de utilização global a nível nacional ter aumentado no ano passado e estar agora perto de 78%. Num estudo sobre os factores de não-adesão aos cheques-dentista anunciado como pioneiro e publicado na última edição da revista Acta Médica, conclui-se que muitos encarregados de educação se esquecem e deixam passar o prazo de validade dos primeiros vales que os menores recebem e que alguns até admitem que os perdem.
Há algumas localidades em que a percentagem de utilização dos cheques-dentista dados às crianças nestas faixas etárias para serem usados em consultórios dentários privados, no âmbito do Programa Nacional de Saúde Oral, é inferior à média nacional, ainda que estes dados não sejam divulgados publicamente. É o caso da área abrangida pelo Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) de Lisboa Ocidental e Oeiras, onde no ano lectivo 2014/2015 a adesão a esta que é, para muitas famílias, a única possibilidade de proporcionarem cuidados de saúde oral às crianças, se ficou pelos 23%.
Foi para tentar perceber os motivos que justificam a reduzida adesão neste ACES que Rita Filipe, médica da Unidade de Saúde Pública do agrupamento, decidiu avançar com uma investigação em conjunto com Pedro Aguiar, da Escola Nacional de Saúde Pública. O “estudo de caso-controlo” envolveu 270 alunos (metade não tinham usado os vales e a outra metade utilizou-os) de 35 escolas públicas daquela área geográfica.
Apesar de a amostra ser limitada a este agrupamento e não ser assim representativa, os resultados fornecem pistas interessantes: mais de um quinto (21,5%) dos encarregados de educação inquiridos que não utilizaram os primeiros cheques-dentista distribuídos aos alunos com cáries admitiram que isso aconteceu porque se esqueceram e deixaram ultrapassar o prazo de validade e 4,4% revelaram que os perderam. Também é elevada a percentagem dos que afirmaram não ter, sequer, recebido os cheques-dentista naquele ano lectivo (17%).
Mas o principal motivo invocado para a não-utilização do cheque é o facto de os alunos serem já seguidos por dentistas particulares (23,7%) que não são aderentes ao programa. E em 5,9% dos casos os pais responderam que não precisavam dos vales porque as crianças têm seguro de saúde.
O estudo permite ainda perceber que há algumas dificuldades na localização de médicos aderentes ao programa (10,4%). Acresce que 9,6% dos encarregados de educação queixaram-se de não ter recebido informação sobre como utilizar os vales e sobre a sua importância. São resultados que demonstram "uma baixa valorização [pelos encarregados de educação] da importância da saúde oral e de como utilizar os serviços de saúde", concluem os investigadores.
No total, cerca de um terço dos alunos não utilizou o cheque-dentista nem foi seguido por dentista particular, "perdendo-se uma oportunidade para a prestação de cuidados de saúde oral personalizados, preventivos e curativos, de forma gratuita", notam.
Adesão nacional é "satisfatória"
A percentagem da adesão é muito inferior às médias nacionais globais que têm sido divulgadas pela tutela, no âmbito do Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral. Rita Filipe adianta que a taxa do ACES Lisboa Ocidental e Oeiras continuou baixa nos últimos anos lectivos e que haverá outros locais onde o fenómeno também se verifica, a crer em relatos de alguns colegas. “Deve haver muitas assimetrias”, acredita.
Sublinhando as "fragilidades" deste estudo, que "não tem uma amostra representativa" e se circunscreve a um ACES, o bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), Orlando Monteiro da Silva, prefere destacar a taxa de utilização a nível nacional, que na sua opinião é "muito satisfatória", ainda que seja "passível de ser melhorada". "Este é um programa de sucesso que reconhecidamente tem contribuído para ganhos em saúde", enfatiza.
Segundo os últimos dados disponíveis e que constam do Relatório sobre o Acesso a Cuidados de Saúde nos Estabelecimentos do SNS e Entidades Convencionadas recentemente tornado público, a taxa de utilização nestes grupos etários aumentou de facto nos últimos anos - em 2017 chegou a 77,9%, quando no ano anterior era de 75,9%, apesar de o número absoluto de vales distribuídos pelas crianças nestas faixas etárias ter diminuído 3,3% neste período.
Depois de ter pedido informação mais detalhada à Direcção-Geral da Saúde (que gere este programa), o presidente do Conselho Geral da OMD, Paulo Melo, confirmou que neste ACES a taxa de utilização dos vales é muito baixa, tendo em conta a percentagem da região (Lisboa e Vale do Tejo). Admitindo que haja locais com uma taxa de utilização mais baixa do que a média nacional, Paulo Melo adianta que a informação agora conhecida sobre este ACES serviu de alerta para a necessidade de se olhar para os dados sobre a utilização dos primeiros cheques distribuídos nas escolas.
Quanto aos motivos que podem justificar a não utilização dos cheques, Orlando Monteiro da Silva destaca que já há muito tempo se percebeu que há dois grupos de famílias que tendem a aderir menos a este programa, por um lado as mais desfavorecidas do ponto de vista sócio-económico e com menor literacia e, por outro, aquelas em que os menores são já seguidos por médicos dentistas privados.
Neste estudo, porém, não se provou que a taxa de utilização fosse influenciada pela maior ou menor escolaridade dos encarregados de educação. Não será também por causa do prazo para a utilização do cheque ser curto que a adesão foi menor, porque, quando o vale é emitido, pode ser usado até quase um ano depois, diz Rita Filipe. O problema, especula, é que os encarregados de educação pensam que têm muito tempo para os usar e depois acabam nalguns casos por se esquecer.
Também seria importante, defende a médica, apostar numa maior divulgação deste programa e aumentar o número de médicos dentistas aderentes. Um simples telefonema a alertar os encarregados de educação para o fim do prazo de validade também seria determinante para aumentar a adesão, sugere ainda.
O certo é que o Governo já decidiu desmaterializar os cheques-dentista, no âmbito do Programa Simplex, com o objectivo de evitar eventuais extravios e esquecimentos, medida que foi anunciada em 2017 para entrar em vigor no ano lectivo que arranca em Setembro próximo. O PÚBLICO perguntou ao Ministério da Saúde se a medida vai mesmo entrar em vigor neste ano lectivo mas não obteve resposta em tempo útil.
A distribuição de cheques-dentista começou em 2008 com as mulheres grávidas seguidas no Serviço Nacional de Saúde e os idosos beneficiários do complemento solidário, estendeu-se às crianças em 2009 e incluiu os utentes infectados com o vírus VIH/sida em 2010. Mais tarde, passou a englobar intervenções precoces em casos de risco de cancro oral e, posteriormente, abrangeu os adolescentes, primeiro os de 16 anos e, posteriormente, os de 18 anos.
Às crianças de sete e 10 anos podem ser atribuídos até dois vales por ano lectivo e, aos jovens de 13 anos, podem ser distribuídos até três. Cada cheque tinha, até à chegada da troika a Portugal o valor de 40 euros, que nessa altura foi reduzido para 35 euros, valor que ainda não foi reposto, lamenta o bastonário.