Sacha Baron Cohen faz pontaria aos políticos americanos que defendem o uso de armas

O cómico britânico, conhecido por personagens como Ali G, Borat e Brüno, está de volta com Who is America?, uma série em que interagiu com nomes como Bernie Sanders, Sarah Palin ou Dick Cheney.

Foto
Um dos entrevistados é o senador democrata Bernie Sanders DR

Sacha Baron Cohen voltou. Who Is America?, que chega a Portugal este domingo, às 21h30, através do canal TVSéries, é a nova série cómica do britânico, a primeira desde que Da Ali G Show acabou, há quase 15 anos. Depois de Ali G, Borat e Brüno, há agora novas personagens, mas a ideia base continua ser a mesma: apanhar pessoas mais ou menos famosas em falso e pô-las a dizer as coisas mais estapafúrdias e erradas ou quebrar o contrato social da civilidade.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Sacha Baron Cohen voltou. Who Is America?, que chega a Portugal este domingo, às 21h30, através do canal TVSéries, é a nova série cómica do britânico, a primeira desde que Da Ali G Show acabou, há quase 15 anos. Depois de Ali G, Borat e Brüno, há agora novas personagens, mas a ideia base continua ser a mesma: apanhar pessoas mais ou menos famosas em falso e pô-las a dizer as coisas mais estapafúrdias e erradas ou quebrar o contrato social da civilidade.

É isso que acontece no primeiro episódio, que está dividido em quatro segmentos, cada um liderado por quatro dessas novas personagens. O último desses segmentos está disponível na íntegra e legalmente no YouTube, onde já gerou mais de 12 milhões visualizações, e é o melhor, mais impressionante e mais pungente de todos.

São pouco mais de dez minutos em Cohen, no papel de Erran Morad, um especialista em antiterrorismo israelita, consegue convencer activistas dos direitos das armas como Philip Van Cleave, bem como políticos e lobbyistas republicanos a manifestarem apoio pela ideia de armar miúdos de três anos e ensiná-los a disparar.

O resultado é assustador e impressionante, e ao mesmo tempo hilariante, com as declarações a ficarem cada vez mais absurdas e indefensáveis. Ficam no ar duas ideias: estas pessoas acreditam mesmo que aquilo faz sentido ou são capazes de dizer o que quer que seja, desde que avance a sua causa.

Larry Pratt, por exemplo, o director executivo emérito da Gun Owners of America, uma organização pró-direitos das armas com mais de um milhão e meio de membros que é concorrente da NRA (National Riffle Association, o maior lobby a favor das armas), é levado a proferir, sem pestanejar, as seguintes palavras: “As crianças pequenas são puras, não foram corrompidas pelas fake  news nem pela homossexualidade. Não querem saber se é politicamente correcto alvejar um pistoleiro mentalmente desequilibrado. Simplesmente fá-lo-ão.”

Outros políticos apanhados nesse segmento incluem membros da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos como Matt Gaetz, Dana Rohrabacher ou Joe Wilson, bem como o ex-senador Trent Lott e o actual radialista e ex-senador e congressista Joe Walsh.

Tiro aos poderosos

Além de Erran Morad, as personagens do primeiro episódio (há mais para vir) incluem Billy Wayne Ruddick Jr, Phd., um blogger e teórico da conspiração que entrevista Bernie Sanders, uma figura tipo Alex Jones, alguém que da última vez que Sacha Baron Cohen fez televisão deste género seria bem mais rebuscado aparecer na televisão mainstream, Dr. Nira Cain-N’Degeocello, um democrata e professor universitário que é uma paródia de um certo tipo de progressista e fala com um casal de apoiantes de Trump, e Rick Sherman, um ex-presidiário que faz arte com fezes e esperma e a tenta vender a uma consultora de arte californiana.

Foto
Philip Van Cleave, da Liga de Defesa Cidadã da Virgínia, disse ter percebido que havia algo errado e que colaborou para "descobrir quem estava por trás do esquema" DR

Esses segmentos têm todos graus variáveis de piada e mostram pessoas diferentes. Parecem ter sido idealizados para serem bem mais brandos para com os alvos de Cohen. Sanders, por exemplo, não é levado a dizer nada em que não acredite e mantém-se fiel aos seus princípios. Parece estar lá para mostrar um tipo de político bem distinto dos outros exemplos que Who Is America? apresenta.

Os golpes mais ferozes estão reservados para pessoas que não têm problemas em defender o uso de armas por crianças de três anos - a velha noção de a comédia dever atirar para cima, para atingir os poderosos, e não para baixo.

Parece haver um objectivo aqui, algo mais do que apenas perguntar, como Cohen fez enquanto Ali G, a David e Victoria Beckham se o filho de ambos iria ser, quando crescesse, um futebolista, como o pai, ou um cantor, como Mariah Carey.

Não é a primeira que um cómico britânico engana políticos assim. Um exemplo relevante para o que Cohen está a fazer é o de Chris Morris que, em 1997, antes de Ali G aparecer, apresentou o seminal Brass Eye, um programa de televisão que gozava com o sensacionalismo na cobertura de temas fracturantes na televisão britânica. No segundo episódio, dedicado às drogas, Morris levou David Amess, um político conservador que tinha sido convencido a falar dos malefícios de “cake”, uma droga da Checoeslováquia – um país que já não existia há cinco anos –, a perguntar por esse flagelo fictício no Parlamento britânico.

Surpresa

No início de Julho, a existência de Who is America? era completamente desconhecida do grande público. Aos poucos, foi sendo anunciado que Cohen estava há mais de um ano a preparar a série em segredo e foram-se descobrindo alguns alvos de episódios posteriores, como Dick Cheney, que surge num dos vídeos promocionais com Cohen a pedir-lhe para o político lhe dar um autógrafo num instrumento de tortura, ou Sarah Palin, que veio a público dizer que tinha sido enganada por Cohen. Dos primeiros anúncios até à estreia, que ocorreu no dia 15 nos Estados Unidos, foi um tirinho.

A surpresa é ainda mais poderosa tendo em conta que, há uns anos, a ideia generalizada era de que Cohen era demasiado famoso para poder voltar a fazer manobras destas. E é por isso que as novas personagens dele estão fortemente caracterizadas, para tentar disfarçar uma cara extremamente reconhecível.

Na viragem do milénio, primeiro como Ali G e, posteriormente, como Borat e Brüno, o britânico conseguia com maior facilidade convencer as suas vítimas de que era uma pessoa real. Era uma era anterior ao famoso fato de banho verde de Borat, em que a cara do cómico era bem menos célebre do que é hoje.

Ali G, um branco suburbano armado em representante da cultura urbana negra, começou na televisão britânica em 1998, no The 11 O’Clock Show, tendo depois transitado para o seu próprio Da Ali G Show, que durou quatro anos, entre o Channel 4 britânico e a HBO norte-americana. Foi, aliás, nesses tempos nos Estados Unidos, mais especificamente em 2003, que Ali G entrevistou o actual Presidente. Donald Trump gaba-se desde pelo menos de 2012 de ter sido a única pessoa a topar à distância que Ali G era uma personagem e a ir-se embora – ainda lhe deu sete minutos de entrevista.

Trump na teia?

A personagem foi também protagonista de um filme de Mark Mylod em 2002, Ali G Indahouse, além de ter feito inúmeras participações avulsas em anúncios e telediscos como Music de Madonna.

Depois disso veio a fama maior no cinema, com os falsos documentários Borat: Aprender Cultura da América para Fazer Benefício Glorioso à Nação do Cazaquistão, que foi nomeado para um Óscar pelo guião, e depois em Brüno, êxitos à escala planetária.

Só que a interacção com figuras do mundo real, que já tinha sido posta de lado em Ali G Indahouse, ficou de molho durante uns tempos, com o cómico a virar-se, em termos de material escrito pelo próprio, para filmes como O Ditador ou Os Irmãos Grimsby, que não correram muito bem. Até agora.

Ainda não se sabe bem no que Who Is America? irá dar ao longo dos seus sete episódios, tendo em conta o secretismo em que todo o projecto tem estado envolvido. Há quem especule que Donald Trump poderá ser um dos apanhados. A única pista que aponta para isso é o facto de Cohen ter partilhado no Twitter, a 4 de Julho, o Dia da Independência dos Estados Unidos, um vídeo antigo do Presidente a dizer mal do cómico e a dizer que desejava que ele fosse esmurrado na cara vezes suficientes para ir parar ao hospital. É ver no que dá.