O rap foi rei no Super Bock Super Rock

Num segundo dia visivelmente mais cheio do que o primeiro, nomes como Oddisee, ProfJam, Anderson .Paak e Travis Scott fizeram a festa.

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Não é difícil encontrar, em caixas de comentários ou em conversas de café, pessoas a queixarem-se por festivais como o Super Bock Super Rock ainda manterem o rock no nome mas já não terem uma ênfase tão grande nesse género musical. Como se a abertura a outros tipos de música fosse, por si só, pecado. Na verdade, é algo que não tem de ser negativo. E, no caso do segundo dia da 24ª edição do SBSR, não foi de todo. O cartaz tinha um enfoque grande no rap e na diversidade que pode haver nele.

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Não é difícil encontrar, em caixas de comentários ou em conversas de café, pessoas a queixarem-se por festivais como o Super Bock Super Rock ainda manterem o rock no nome mas já não terem uma ênfase tão grande nesse género musical. Como se a abertura a outros tipos de música fosse, por si só, pecado. Na verdade, é algo que não tem de ser negativo. E, no caso do segundo dia da 24ª edição do SBSR, não foi de todo. O cartaz tinha um enfoque grande no rap e na diversidade que pode haver nele.

A tarde inicia-se com Olivier St. Louis, que descreve a música que faz como "rock 'n' soul" e adiciona a isso funk – "vocês gostam de rock e gostam de funk" –, o seu falsete, a sua farta barba, um boné preto a dizer “Huck”, uma t-shirt azul e uma guitarra vermelha. Com ele, o resto dos Good Compny, a banda de suporte para a boa onda de Oddisee, ou Amir Mohamed el Khalifa, o rapper e produtor consciente de Washington que viria a ocupar o centro daquele palco e a trazer St. Louis de volta umas horas depois, para o terceiro concerto da noite.

Não é fácil montar uma banda para tocar hip-hop ao vivo, mas os Good Compny fazem-no bem, desfilando por temas como That Real ou Lifting Shadows ou Want Something Done com destreza. E não têm só capacidades instrumentais: além de St. Louis, que volta a recorrer ao seu falsete, também o teclista canta e o DJ sai de trás do sampler para mandar umas rimas. “Trap é fácil”, explica em dada altura Oddisee. É só, continua, fazer com que a música fique mais lenta. Ele está meio a gozar, mas a reacção do público é genuína e efusiva.

No meio desses dois concertos, às 18h, com trap mais sincero e muito mais gente a juntar-se em frente ao palco EDP – era complicado circular pelo espaço –, actuou o português ProfJam, ou Mário Cotrim, de branco integral, acompanhado de Mike El Nite como DJ, hypeman e ocasional rapper convidado, e um baterista, tem duas falsas partidas a tentar começar com Matar o Game e projecções de caleidoscópios atrás dele. O público grita pelo MC de Telheiras – “o auto-tune não estava a funcionar”, postula alguém na audiência –, Mike pergunta “Será que à terceira é de vez?” E é. Praticamente cada rima dos temas mais badalados do cabecilha da Think Music é reforçada por quem está a ver, com um cheiro abundante a marijuana para receber o intérprete de temas como Mortalhas e Yabba (“g’randa pedra tipo Flinstone”).

Depois de se ouvir All the Time, do cantor norte-americano de R&B Jeremih, tanto Mike El Nite quanto ProfJam urgem ao público para respeitar mulheres: “Meninos, respeitem as meninas”. YUZI sobe ao palco para fazer a sua parte de Gwapo, e há um domínio total sobre o público, num concerto que, tirando os percalços ao início, com vários minutos de silêncio, não dá tempo para respirar.

Após Oddisee, no mesmo palco, Princess Nokia, ou Destiny Frasqueri, a rapper nova-iorquina de origem porto-riquenha que se tinha estreado em Portugal num concerto na Galeria Zé dos Bois, em 2016. Desta feita, ao contrário do que aconteceu há dois anos, não mostrou que sabia falar a nossa língua, mas não deixou de reforçar laços com o público: desceu várias vezes do palco para fumar ganzas e ser geralmente carinhosa para os fãs – mesmo que, deprimentemente, tenha tido de pedir para não lhe apalparem: “sou muito protectora do meu corpo, quero mesmo que me respeitem” –, tendo ficado a abraçar e a cumprimentar membros do público muito depois de a sua actuação, que acabou ao som de Fat Lip, o êxito de 2001 da banda pop punk canadiana Sum 41, ter chegado ao fim.

Acompanhada por um DJ que sai de trás do equipamento para fotografar o público várias vezes e recorre frequentemente à voz pré-gravada da rapper, bem como imagens de Nova Iorque a passarem atrás dela, Nokia começa com Brujas. O som não está, nem de perto nem de longe, brilhante, com níveis pouco razoáveis, seguindo-se Kitana e Tomboy. Esses temas, de 1992, a mixtape saída em 2016 e posteriormente expandida para álbum em 2017, são muito melhores em concerto do que A Girl Cried Red, a mixtape por ela lançada este ano, inspirada no emo/pop punk do início dos anos 2000 – não é à toa que o concerto fecha com Sum 41, que se oiça Poison the Well a meio, nem que haja uma versão de I Miss You, de Blink-182 –, e ela é muito melhor rapper agora do que quando os gravou, mas o som não ajuda a evidenciar isso.

Pouco depois, já dentro da Altice Arena, no palco Super Bock, a grande atracção da noite: Anderson .Paak, o nome sob o qual Brandon Paak Anderson, o rapper, cantor, produtor e baterista californiano que é protegido de Dr. Dre, faz música. A sala está muito mais cheia do que estava na noite anterior, quando actuaram os britânicos The xx – é um dia que parecia ter bem mais do que as 16 mil pessoas que terão estado na quinta-feira, quando o festival arrancou. Com uma t-shirt tingida multicolor, calções e um gorro azul, Paak alterna entre o centro do palco e o banco da bateria, a tocar enquanto canta e rappa, tudo com a ajuda dos Free Nationals, a sua banda de suporte, temas como Put Me Thru, Heart Don’t Stand a Chance, Sweet Gidget ou Room in Here.

Tudo isto enquanto interage com o público. “Está toda a gente bem? Ainda se amam uns aos outros?”, pergunta antes de pedir para as pessoas abraçarem quem está ao lado delas. “Todas as pessoas solteiras façam barulho”, “Vocês sabem dançar?”, “Só vos quero ver a dançar!” entre outras frases, são proferidas por ele. Pede, também, ao guitarrista Jose Rios para dizer algo “às senhoras”: “Besitos para todas mamacitas”, responde ele. O concerto tem vários momentos de show off da banda – e do próprio Paak, que é encorajado a solar pelos colegas lá para o final. Antes de um segmento feito para Ron Tnava Avant, o teclista que também lhe dá no vocoder, brilhar, Paak anuncia que o público “está prestes a testemunhar o melhor espectáculo da Terra, do universo”. Segue-se o instrumentista a fazer um medley de Cantaloupe Island, de Herbie Hancock, Ni**as in Paris, de The Throne, a colaboração entre Jay-Z e Kanye West, e Pony, de Ginuwine, o clássico r&b futurista de 1996.

Atrás da banda, há imagens bizarras, recortes com pessoas com óculos 3D a olharem para um ecrã, uma mulher deitada e multiplicada, outra mulher com os olhos riscados, animações que têm o seu quê daquilo que Terry Gilliam fazia nos Monty Python.

“Estão a tornar os nossos sonhos realidade”, declara o anfitrião, agradecendo àqueles que conhecem Venice e Malibu, os seus discos a solo, e Yes Lawd! – cujo título vai repetindo ao longo da noite –, de NxWorries, a colaboração que mantém com o produtor Knxwledge. Anuncia a última canção e não volta mesmo ao palco.

Pelo meio de Paak e Travis Scott, que se seguiu ao californiano na Altice Arena, dava para ver no Palco LG, dedicado à música portuguesa, os bracarenses Ermo, os autores de Lo-Fi Moda, com os dois membros do duo um em frente ao outro com hardware e portáteis numa mesa, cabeças cobertas e electrónica fora.

Já de volta ao pavilhão, a noite prossegue com Scott, o rapper texano que neste momento partilha a capa da edição de Agosto da revista GQ com a sua respectiva, Kylie Jenner, a famosa multimilionária e membro do clã Kardashian. Explosivo – no sentido literal, já que há chamas em palco e barulhos explosivos e tiros na banda sonora, e metafórico –, enérgico, com um DJ numa plataforma elevada aos comandos e ele aos saltos pelo palco – também tira e põe a t-shirt, mostrando a sua forma física –, avisa logo ao início, depois da introdução com palavrões: “Se não conseguirem sobreviver a esta merda, poderão querer sair desta porra neste momento”. Na plataforma do DJ vêem-se cavalos a andar – também se verá uma montanha russa. Ouvem-se temas como Mamacita, que o rapper partilha em disco com Rich Homie Quan e Young Thug, Way Back, 4 A.M., colaboração com 2 Chainz que é precedida de um diálogo entre o rapper e o DJ sobre a que horas é que fecharão as discotecas em Lisboa, Butterfly Effect, que faz com que até quem está sentado se levante, 90210, Love Galore, a sua colaboração com SZA, ou Sky Walker, tema com Miguel que o rapper interpreta a cappella.

No final, era capaz de se demorar mais de dez minutos a chegar das saídas normais da Altice Arena à Sala Tejo, que pertence ao mesmo edifício e é onde fica o Palco Somersby. Aí, depois da uma da manhã, na Sala Tejo, estava The Alchemist, ou Alan Maman, o produtor, DJ e ocasional rapper de Beverly Hills que começou a carreira no duo The Whooliganz, que partilhava com Scott Caan, filho de James e hoje estrela de Hawaii Five-0, e tem trabalhado, como produtor ou DJ, para nomes como Dilated Peoples, Mobb Deep, Raekwon, Danny Brown, MF Doom, Earl Sweatshirt ou Eminem, entre outros. Com muitos instrumentais, samples de rock e poucas vozes de rap, fez dançar, com as suas batidas com pés assentes nos anos 1990, mas sem soarem assim tão datadas.

O festival acaba este sábado, com nomes como Baxter Dury, Stormzy, Sevdaliza, Benjamin Clementine, The The ou Julian Casablancas.

Notícia corrigida às 17h23: identificação da sala principal do festival