O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do 3.º Workshop Crítica de Cinema realizado durante o 26.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, no site do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
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O texto seguinte foi produzido por um dos participantes do 3.º Workshop Crítica de Cinema realizado durante o 26.º Curtas Vila do Conde – Festival Internacional de Cinema. Este workshop é formado por um conjunto de masterclasses e debates com convidados internacionais e pela produção de textos críticos sobre os filmes exibidos durante o festival, que serão publicados, periodicamente, no site do PÚBLICO e no blogue do Curtas Vila do Conde.
O dispositivo cinematográfico que Gonçalo Robalo escolheu para Os Mortos (2018) é aparentemente simples: um relato apresentado sob a forma de pequenos capítulos, onde a uma fotografia fixa de diferentes pessoas se sobrepõe a narração sobre a forma como morreram. Uma compilação em ordem cronológica das mortes com que o realizador se deparou ao longo da sua vida.
Do seio da nossa sociedade moderna parece-nos um tema mórbido, desolador, quase tabu. Estamos longe da era vitoriana, na Europa do século XIX, quando vigorava a fotografia post-mortem e em Portugal se revoltava a Maria da Fonte ante a proibição régia de enterrar os mortos nas igrejas, que a partir dali teriam de ser colocados (pasme-se!) em cemitérios. Robalo parece, no entanto, querer levar-nos de volta a esse tempo, onde retratar os mortos era uma forma de os lembrar, de lhes prestar homenagem, e o momento em que sucumbem torna-se, simultaneamente, no momento em que passamos a conhecê-los, em que aprendemos as suas histórias, em que nos deparamos com os traços da sua personalidade.
Fixamos então esses olhares parados, mortos, e deixamos que a voz do narrador nos transporte para as suas realidades. É uma voz monocórdica, que lembra o lektor da televisão polaca, a solução usada nesse país ao invés da dobragem ou da legendagem de produções estrangeiras, em que ao som original se adiciona uma única voz off que vai traduzindo os diálogos da forma mais sóbria possível, evitando emitir qualquer entoação. A ideia é de que, apelando às suas próprias emoções, cada espectador depreenda os sentimentos inerentes a cada cena.
Também no filme de Robalo é o espectador quem decide o tom de cada episódio. Por vezes rimo-nos, outras quedamo-nos mudos e introspectivos, apesar de todas as histórias nos serem contadas de forma semelhante. Funciona, porque nos remete à nossa infância, à história antes de dormir. Funciona, porque os espaços em branco onde falta a imagem são de repente preenchidos pela nossa imaginação.
Texto editado por Jorge Mourinha